Re­gistros crescem no Brasil e atingem maior marca em 2018

Em meio à pressão por mu­dança nas re­gras do setor, o total de agro­tó­xicos li­be­rados para venda no mer­cado ou para uso in­dus­trial têm cres­cido nos úl­timos anos. Só em 2018 foram apro­vados 450 re­gis­tros desse tipo de pro­duto, o maior nú­mero em ao menos 13 anos, de acordo com dados do Mapa (Mi­nis­tério da Agri­cul­tura, Pe­cuária e Abas­te­ci­mento). Para com­pa­ração, em 2005, foram 91 re­gis­tros, e em 2015, 139.

O avanço, que ga­nhou im­pulso nos úl­timos dois anos, no go­verno Mi­chel Temer (MDB), tem cha­mado a atenção de es­pe­ci­a­listas, que veem a pos­si­bi­li­dade de novo au­mento na gestão Jair Bol­so­naro (PSL). Isso porque re­pre­sen­tantes do novo go­verno têm se po­si­ci­o­nado de forma mais fa­vo­rável às de­mandas do agro­ne­gócio e in­ten­si­fi­cado crí­ticas a al­gumas po­lí­ticas am­bi­en­tais.

Nos dois pri­meiros meses deste ano, o go­verno aprovou o re­gistro de 74 pro­dutos li­gados a agro­tó­xicos, pouco mais de um ao dia. Destes, 58 já ti­veram o aval for­ma­li­zado no Diário Ofi­cial da União. Hoje, a aná­lise para li­be­ração de agro­tó­xicos é di­vi­dida entre três ór­gãos: Agri­cul­tura, que avalia a efi­cácia dos pro­dutos; An­visa, que avalia a to­xi­ci­dade; e Ibama, que ana­lisa riscos ao am­bi­ente.

Ques­ti­o­nado, o Mapa diz que o au­mento nos re­gis­tros se deve a uma maior agi­li­dade da An­visa nas aná­lises to­xi­co­ló­gicas e que as re­centes li­be­ra­ções não en­volvem novos in­gre­di­entes ativos, mas pro­dutos co­nhe­cidos do con­su­midor. O mi­nis­tério in­forma ainda que o au­mento nos re­gis­tros não in­dica um maior uso, mas novas op­ções para di­fe­rentes cul­turas.

Em nota, a An­visa afirma que uma re­or­ga­ni­zação de pro­cessos de tra­balho per­mitiu maior ra­pidez nas aná­lises, mas que o vo­lume de pe­didos acu­mu­lados ainda in­vi­a­bi­liza que o prazo pre­visto em lei para re­gistro, de até 120 dias, seja cum­prido.

Já o Ibama atribui o re­corde a pres­sões ju­di­ciais e a maior de­manda das em­presas por re­gistro nos úl­timos anos. Só neste ano, em um mês, ao menos 31 novos pe­didos foram in­cluídos na fila.

Co­me­mo­rado por ru­ra­listas, o au­mento na li­be­ração de pro­dutos para venda no mer­cado pre­o­cupa mo­vi­mentos que de­fendem maior rigor aos agro­tó­xicos.

Em 2018, o re­corde no aval aos pro­dutos ocorreu ao mesmo tempo em que um pro­jeto que fle­xi­bi­liza as re­gras de re­gistro avançou no Con­gresso. O texto, apro­vado em co­missão es­pe­cial, tem sido alvo de crí­ticas da An­visa e do Ibama por re­tirar atri­bui­ções que hoje com­petem aos dois ór­gãos. A co­missão era pre­si­dida pela de­pu­tada fe­deral Te­reza Cris­tina (DEM), hoje mi­nistra da Agri­cul­tura.

Em au­di­ência no Se­nado na se­mana pas­sada, ela voltou a de­fender mu­danças na lei e re­bateu crí­ticas sobre o au­mento na li­be­ração dos pro­dutos. “Eles [pe­didos] es­tavam es­tag­nados, e agora a An­visa re­solveu tra­ba­lhar esse as­sunto, li­be­rando aí vá­rias mo­lé­culas nos úl­timos dois meses que es­tavam pa­radas em uma fila”, afirmou.

“Era a grande re­cla­mação: dez anos para se li­berar uma mo­lé­cula”, disse Cris­tina.

O con­sultor da CNA (Con­fe­de­ração de Agri­cul­tura e Pe­cuária) Re­gi­naldo Mi­naré diz que a pressão por mu­danças na lei pode ter co­la­bo­rado para o au­mento nos re­gis­tros. Para ele, no en­tanto, o pro­cesso ainda é lento.

Es­ti­ma­tivas do Mapa apontam prazos de es­pera que va­riam de oito meses, para pro­dutos bi­o­ló­gicos, até cinco anos, para novas marcas de pro­dutos já exis­tentes no mer­cado, e dez anos, para novos in­gre­di­entes ativos. “Há mais de uma dé­cada o setor vem en­fren­tando di­fi­cul­dades no sis­tema de re­gistro dos de­fen­sivos [agro­tó­xicos]. Sempre o vo­lume é aquém do que seria in­te­res­sante para me­lhorar a con­cor­rência”, diz o con­sultor.

O pro­blema é que o au­mento na apro­vação de agro­tó­xicos não vem acom­pa­nhado de ações de con­trole, afirma o agrô­nomo Luiz Cláudio Mei­relles, pes­qui­sador da Fi­o­cruz e ex-co­or­de­nador de ava­li­ação to­xi­co­ló­gica da An­visa. “Temos uma imensa ca­rência no país de dados de mo­ni­to­ra­mento do im­pacto dos agro­tó­xicos, prin­ci­pal­mente na saúde do tra­ba­lhador”, diz.

Dos 58 pro­dutos apro­vados neste ano e que já ti­veram dados di­vul­gados no Diário Ofi­cial da União, 21 são con­si­de­rados ex­tre­ma­mente tó­xicos; 11, al­ta­mente; 19, me­di­a­mente; e 7, pouco tó­xicos.

Já em re­lação ao pe­rigo ao am­bi­ente, um apa­rece como al­ta­mente pe­ri­goso, 31 como muito pe­ri­gosos, 24 como pe­ri­gosos e apenas dois como pouco. Os dados dos ou­tros 16 pro­dutos apro­vados ainda não foram in­for­mados. “Já existe uma re­co­men­dação pela ONU [Or­ga­ni­zação das Na­ções Unidas] a nível in­ter­na­ci­onal para que agro­tó­xicos al­ta­mente pe­ri­gosos sejam re­ti­rados do mer­cado”, diz Mei­relles.

“O Brasil pre­ci­sava efe­tivar subs­tân­cias de menor risco, e não as al­ta­mente pe­ri­gosas.” Ele cita como exemplo a atra­zina, agro­tó­xico proi­bido na Eu­ropa, mas usado am­pla­mente no Brasil.

Há ou­tros pro­dutos cuja li­be­ração di­vide es­pe­ci­a­listas e mem­bros do setor. É caso do sul­flo­xa­flor, in­gre­di­ente ativo li­be­rado no fim de 2018 e alvo de res­tri­ções re­centes nos Es­tados Unidos por causa de seu po­ten­cial de im­pactar a po­pu­lação de abe­lhas.

Atu­al­mente, tanto An­visa quanto Ibama dizem pri­o­rizar a aná­lise de pe­didos de re­gistro de pro­dutos bi­o­ló­gicos, con­si­de­rados de menor to­xi­ci­dade. O pro­blema, dizem os ór­gãos, é que a de­manda para re­gistro desses pro­dutos ainda é baixa. Em 2018, de 450 re­gis­tros, apenas 52 eram bi­o­ló­gicos, ou cerca de 11%.

Para Mei­relles, o ideal seria que hou­vesse mais cri­té­rios que pri­o­rizem o in­te­resse pú­blico. “Por que vou re­gis­trar um pro­duto classe 1, que é ex­tre­ma­mente tó­xico, se tenho outro que tem a mesma função e é classe 3?”, com­para.

“En­quanto na Eu­ropa se proíbe pul­ve­ri­zação aérea e se fala em mo­ra­tória para al­guns pro­dutos, aqui é li­bera geral”, cri­tica Fer­nando Car­neiro, do grupo de tra­balho de saúde e am­bi­ente da Abrasco, para quem o país de­veria in­vestir em po­lí­ticas de re­dução de agro­tó­xicos.

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