Procurador admite ‘monte de provas’ contra o MPE

Coordenador do Núcleo de Ações de Competência Originária (Naco Criminal), o procurador Domingos Sávio afirmou que os fatos narrados pelo cabo da Polícia Militar Gerson Corrêa Júnior, são cheio de detalhes, minúcias e “com um monte de provas”.

A declaração consta nos depoimentos prestados pelo PM, gravados em vídeo e que a reportagem teve acesso.

Durante os depoimentos em que Gerson buscava firmar um acordo de delação premiada junto ao Naco, Domingos Sávio aparece bastante convencido das informações colhidas, chegando a afirmar que não teria mais dúvidas sobre o esquema de interceptações telefônicas, em que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) manipulava áudios e vídeos em suas próprias operações.

“Então não tenho nenhuma dúvida a esclarecer relativamente a esse fato. Não tenho nenhuma dúvida, a mim ficou bem claro isso”, afirma o coordenador do Naco durante o depoimento.

As declarações de Domingos Sávio contradizem o próprio despacho em que nega o acordo de delação ao militar, garantindo que “o interessado apresentou apenas insinuações, conjecturas, não indicando nada de concreto”, alega em trecho do documento assinado no dia 5 de julho.

O coordenador do Naco ainda destaca que o cabo Gerson não teria credibilidade e que estaria na iminência de ser condenado nas ações originadas pelo escândalo de escutas ilegais conhecido por “grampolândia pantaneira”.

Chama a atenção a mudança de posicionamento de Domingos Sávio que, durante os depoimentos, aparece “empolgado” com as informações colhidas, como na própria gravação que a reportagem teve acesso via fonte ligada ao próprio Ministério Público de Mato Grosso (MP).

 Envolvimento de membros do MP  

Em seu depoimento, o cabo Gerson cita o envolvimento de membros do Ministério Público de Mato Grosso na prática ilegal chamada “barriga de aluguel” (veja mais nesta página) para ter acesso a conversas através de escutas telefônicas.

Entre os envolvidos estariam o ex-coordenador do Gaeco, promotor Marco Aurélio de Castro, o promotor Samuel Frungilo e o ex-procurador-geral de Justiça Paulo Prado.

Outros dois promotores foram citados nos depoimentos, mas por problemas no áudio não foi possível identificá-los.

 Outro lado  

Procurado pela reportagem o procurador Domingos Sávio alega que os depoimentos do cabo Gerson Corrêa Júnior não atendeu a inúmeras condições para que o acordo de colaboração fosse firmando.

“É certo, entretanto, que o pretenso colaborador se entender que as razões apresentadas pelo membro do Ministério Público para indeferir o pedido de colaboração não se justificam e, porquanto, retratam um abuso, ele poderá recorrer ao Poder Judiciário, diz trecho da nota encaminhada pela assessoria do MPE.

Na resposta ao jornal, o procurador esclarece que não irá discutir a sua decisão via imprensa.

Questionado sobre as declarações durante os depoimentos, Domingos Sávio ressalta que não aceitará “qualquer provocação ou desafio para quebrar o meu dever de conservar o sigilo do procedimento de colaboração premiada. Não irei a público expor o conteúdo de qualquer procedimento dessa natureza”.

A reportagem entrou em contato com a defesa do cabo Gerson, que afirmou não ter interesse de se manifestar sobre o mérito dos assuntos tratados perante o órgão, antes da audiência já designada, “por respeito, ao Juízo Militar e à Justiça de Mato Grosso”.

Já em relação às declarações feitas pelo Ministério Público nos últimos dias, o advogado Neyman Monteiro argumentou através de nota enviada à redação ser “estranho” a forma como o MP vem tratando o assunto, “isso porque, a todo tempo que estivemos em tratativas, o representante do Naco se mostrou favorável e satisfeito com o material apresentado”.

Monteiro ainda diz causar “repulsa” o fato do Ministério Público utilizar recursos públicos para criar uma campanha difamatória contra investigados e até contra o Poder Judiciário, no denominado caso dos grampos.

“Por fim, a defesa, diversamente do representante Ministerial, que parece estar em franca campanha política – não sabemos a qual cargo, talvez de PGJ – não irá se manifestar sobre o depoimento”, finaliza a nota.

Entenda a polêmica Naco, OAB e Perri

A polêmica envolvendo o Naco veio à tona na última quinta-feira (11) quando o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Mato Grosso, Leonardo Campos, questionou o procurador Domingos Sávio sobre os critérios adotados pelo MP para recusar as delações do ex-comandante da Polícia Militar de Mato Grosso, Zaqueu Barbosa, do coronel Evandro Lesco e do cabo Gerson Corrêa, investigados pela “grampolândia pantaneira”.

Sávio, que coordena o Naco, evitou comentar os motivos, mas disse que os militares são os protagonistas das interceptações telefônicas clandestinas, e que, por isso, estariam tentando uma delação para fugir da eminente condenação.

A OAB e o Ministério Público têm trocado farpas desde que o MP solicitou o desapensamento das investigações, que envolvem promotores de Justiça, do inquérito principal dos grampos.

O MP se posiciona contrário que a OAB faça parte da ação para acompanhar o processo.

Mas o desembargador Orlando Perri, em decisão, recusou solicitação nesse sentido e ainda determinou um prazo de 30 dias para que as investigações sejam concluídas.

A Associação Mato-grossense do Ministério Público, presidida pelo promotor de Justiça Roberto Turin, também entrou na polêmica e emitiu nota oficial, onde criticou o desembargador Orlando Perri e a OAB.

Turin qualificou o caso como “disputa de egos”, assegurou que a OAB estaria agindo corporativamente, já que representa “advogados que, por sua vez, representam clientes investigados e obviamente interessados nas investigações”.

A “grampolândia pantaneira” tem elevado o clima de tensão entre Ministério Público e Judiciário, por conta do suposto envolvimento de promotores no caso.

O MP chegou a lançar mão de publicidade institucional atacando o Judiciário, afirmando que os inquéritos dos grampos já estão há um ano e meio com a justiça, enquanto o MP entrou nas investigações faz 5 meses.

 Relembre o escândalo dos grampos

Reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, revelou na noite de 14 de maio de 2017 que a Polícia Militar em Mato Grosso “grampeou” de maneira irregular uma lista de pessoas, não investigadas por crimes.

A matéria destacou como vítimas a deputada estadual Janaina Riva (MDB), o advogado José do Patrocínio e o jornalista José Marcondes, conhecido como Muvuca. Eles seriam apenas alguns dos “monitorados”.

O esquema de “arapongagem” já havia vazado na imprensa local após o início da apuração de Fantástico. As investigações revelaram que os coordenadores jurídicos das campanhas adversárias do ex-governador Pedro Taques em 2014, foram alvos da arapongagem criminosa.

Advogados José de Patrocínio que atuou na campanha do ex-vereador Lúdio Cabral (PT), e Antônio Rosa, que coordenou a equipe jurídica da campanha do ex-deputado José Riva e Janete Riva, estavam na lista das vítimas do esquema. Além do ex-candidato a governo, José Marcondes Muvuca.

Os grampos foram obtidos na modalidade “barriga de aluguel”, quando investigadores solicitam à Justiça acesso a telefonemas de determinadas pessoas envolvidas em crimes e no meio dos nomes inserem contatos de não investigados.

No processo da Justiça Militar, são réus os coronéis Zaqueu Barbosa, Evandro Alexandre Ferraz Lesco, Ronelson Jorge de Barros, o tenente coronel Januário Antônio Batista e o cabo Gerson Luiz Ferreira Corrêa Júnior.

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