Juiz fala sobre avanços no combate a desvios de recursos

A Vara Especializada de Ação Civil Pública e Popular tem a função de punir agentes públicos que praticaram atos ilícitos e ressarcir o erário. Só na Vara Especializada de Cuiabá tramitam 180 processos de improbidade administrativa.

O juiz Bruno D’Oliveira Marques, divide a missão na Capital desde janeiro de 2019, quando assumiu a Vara, com a juíza Célia Regina Vidotti.

Ele afirma que a maior dificuldade atualmente está em encontrar patrimônio em nome dos condenados e no grande número de recursos protelatórios possíveis em um processo.

Mas, na avaliação do magistrado, há avanços nesta seara. Ele cita a indisponibilidade de bens que ficou mais célere e a Lei da Ficha Limpa que torna o agente público condenado em um colegiado inelegível por oito anos.

Bruno tem 40 anos, com 15 anos de magistratura, já passou pelas comarcas de Barra do Garças, Lucas do Rio Verde, Nova Xavantina, Campinápolis e Novo São Joaquim, foi  promovido para Cuiabá em agosto de 2017, em janeiro passou a atuar na Vara de Ação Civil Pública e Popular e nesta semana falou com a Comunicação do Poder Judiciário de Mato Grosso sobre a sua atuação na vara especializada.

 O senhor poderia explicar a natureza da Vara de Ação Civil Pública e Popular 

Juiz Bruno D’Oliveira Marques – A Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular tem competência para analise de processos de natureza coletiva, além disso acumula os processos de improbidade administrativa e neste ponto a população realmente confunde com a competência criminal, é não é sem razão, afinal a conduta de um corrupto, que lesou o patrimônio público será responsabilizada no âmbito criminal, mas nesta vara será responsabilizado no âmbito da improbidade administrativa. Portanto, os mesmos fatos darão ensejo a duas ações.

Qual o objetivo principal da ação criminal? Aplicar uma pena para que o indivíduo a cumpra, resgatando aquela conduta ilícita praticada. Já no âmbito da improbidade administrativa o objetivo é a reparação ao erário, ou seja, ir em busca dos recursos que foram desviados.

No Brasil há relatos de muitos casos de corrupção e a percepção geral é de que pouco dinheiro público é devolvido. Isto é real?

Juiz Bruno D’Oliveira Marques – É real. O sentimento da população reflete a realidade dos fatos e realidade das coisas. No Brasil evoluímos muito no que tange ao combate à corrupção. No entanto, especificamente no estado de Mato Grosso, os órgãos na persecução penal (Ministério Público e Polícia) estão bem treinados, bem qualificados no descortinamento do fato criminoso, da corrupção em si. E existem processos em tramite na justiça sobre isso. No entanto, não estamos ainda sendo bem sucedidos, não que não haja sucesso, no que tange a rastrear e encontrar o dinheiro. Temos aqui no estado um laboratório de lavagem de dinheiro, e se espera que aqueles que desviaram dinheiro público tenham esses bens encontrados para que a reparação seja efetivamente feita.

Mas por que isso não é fácil?  E porque as autoridades precisam se qualificar cada vez mais para encontrar recursos uma vez desviados sejam encontrados?

Primeiro porque o corrupto não registra o bem em seu próprio nome e na sua declaração de Importo de Renda.

O trabalho é complexo, mas existem instrumentos hoje, por conta da tecnologia que antes não tínhamos, aptos a percorrer o caminho do dinheiro, pois ele deixa rastro. Mesmo porque essas pessoas continuam mantendo o mesmo padrão de vida de antes da pena, razão pela qual, é de se ter um ponto de partida para que os recursos sejam encontrados. Em substancia, precisamos sim melhorar neste ponto. A frustação é grande para a sociedade, mas é maior ainda para um juiz que decreta uma indisponibilidade de bens e depois verifica-se que nada ou quase nada foi encontrado nas contas daquele que desviou o dinheiro público.

Qual o passo a passo de um processo dessa natureza?

Juiz Bruno D’Oliveira Marques – Inicialmente as pessoas costumam fazer uma crítica, que não é infundada, sobre a demora da tramitação desses processos. Como estes crimes e condutadas são cometidos às escondidas, você já tem a dificuldade de identificara a conduta criminosa. Identificada, instaura-se um procedimento investigativo para aferir se a denuncia é verdadeira ou não. Há uma instrução preliminar do ponto de vista que não é judicial, na sequencia se distribui uma petição inicial em fase judicial. Da ocorrência do fato, até o fato ser denunciado, instaurar um procedimento, se investigar e se chegar ao Poder Judiciário já deu para perceber que é um caminho longo a percorrer.

Atualmente, um procedimento tanto quanto dificultoso, e que obriga que o juiz antes de receber a petição inicial é determinar a citação dos requeridos, primeiro os notifique para apresentar uma resposta preliminar, após esta resposta preliminar, se o juiz entender que a hipótese é de receber a petição inicial ele determina a citação desses mesmos acusados, para dai sim apresentar a contestação. Veja só, se tivermos 15 acusados num caso de improbidade, você demora em média dois anos só para encontrar os 15 e para notificá-los. Se muitos deles não residirem no mesmo local, o que comumente ocorre você tem lapso grande de tempo ate notificar todos. Se não encontrar tem que notificar por edital e nomear a defensoria pública para defendê-lo. Na sequencia, o juiz recebe ou não a petição inicial, se optar por recebê-la determina novamente a citação de todos eles, para só aí iniciar a fase probatória do processo de improbidade administrativa. Isso torna o processo muito dificultoso e atravanca e muito os tramites dos processos de improbidade administrativa. E nos falamos até agora só da fase inicial. Ainda vamos ter instrução, fase decisória e a partir daí inicia-se a fase de recursos.

Qual o maior entrave

Juiz Bruno D’Oliveira Marques – O principal é a dificuldade de se iniciar o processo de improbidade administrativa. Em especial essa necessidade de notificação dos acusados na fase inicial e posteriormente a citação pessoal dos acusados. Temos dois chamamentos pessoais dos acusados, e é muito custoso encontrar estas pessoas em duas oportunidades. O outro entrave é o número de recursos infundados no sistema processual brasileiro. Só sobre isso precisaria de 15 minutos para falar o tanto de recurso interposto. Não estou criminalizando a interposição de recursos, longe disso, que é inerente ao contraditório e ampla defesa, é necessário no sistema processual brasileiro, pois ninguém é dono da verdade, mas questiono a interposição de recursos meramente protelatórios, que não visam corrigir eventual injustiça da decisão ou sanar eventual nulidade da decisão. Visam, em última analise, postergar a preclusão da decisão, ou seja, impedir que ela transite em julgado.

Essa realidade esta sendo alterada?

Juiz Bruno D’Oliveira Marques – Do ponto de vista da citação inicial e recebimento da petição inicial dos requeridos, há projeto de lei na Câmara dos Deputados, com parecer favorável que faz uma minirreforma da Lei de Improbidade, que é do início da década de 90, afastando este procedimento dificultoso. Mas no que diz respeito aos recursos ainda não temos uma solução para esta infinidade de recursos. Parece-me que cabe, e o Judiciário tem feito isso, tem obstado, aplicado multas, quando verifica que o objeto do recurso é meramente protelatório.

Mas, não existem só coisas ruins nesta quadra. Vamos falar de coisas boas. Primeiro é que a evolução jurisprudencial da indisponibilidade de bens possibilitou que esse procedimento seja célere. Então, chegou a notícia do fato, houve uma investigação preliminar, se o representante do MPE verificar que há indícios da pratica de desvios de bem, ato de corrupção, pode requerer ao Poder Judiciário e o Judiciário não precisa neste momento verificar se há risco de lapidação do patrimônio. O juiz faz analise apenas se realmente aqueles elementos trazidos pelo Ministério Público indicam a prática da conduta ilícita, e se houve defere a liminar para a indisponibilidade de bens.

Além disso, e foi um grande avanço, que trouxe efetividade a lei de improbidade, foi a Lei da Ficha Limpa de 2010. Pois quando o TJ confirma uma decisão de Primeiro grau que reconheceu a prática de improbidade, de forma dolosa, que causou prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito do agente, esta decisão colegiada automaticamente já torna esse agente público inelegível. É uma inelegibilidade reflexa, pois não é o juiz ou o desembargador que vai decidir que ele não pode ser eleito. Posteriormente, na fase de registro de candidatura, no âmbito eleitoral, em decorrência dessa condenação, o registro da candidatura desse agente público será impugnado e indeferido, porque ele se tornou inelegível, em decorrência desta condenação em Segundo Grau, por oito anos.

De forma que o efeito de afastar aqueles agentes que não tem aptidão para gerir a coisa pública ou representar a população ele é alcançado em razão desta inelegibilidade.

Qual o número de processos de improbidade administrativa que tramita no Judiciário

Juiz Bruno D’Oliveira Marques – Hoje eu atuo em uma vara especializada de improbidade administrativa com minha colega Célia Regina Vidotti, e existem em tramitação na Vara Especializada de Cuiabá 180 processos de improbidade administrativa. A média da tramitação depende muito da circunstancia. Mas me parece que o que ais influi neste lastro a possibilidade, o poder econômico da parte requerida, para pagar bons advogados para recorrer, usar todos os instrumentos possíveis para postergar o transito em julgado da decisão. Repetindo, sem criminalizar o trabalho do advogado e os recursos, que são direitos inerentes ao cidadão. A critica que se faz é em relação aqueles recursos meramente protelatórios.

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