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SALADA RUSSA

Enfermeira sexy, números doidos e Vladimir Putin quieto

Tulskie Novosti/Divulgação

Piada russa do tempo da guerra fria: “Qual é a diferença entre a constituição dos Estados Unidos e a da União Soviética? Ambas garantem a liberdade de expressão, mas a americana também garante a liberdade depois da expressão”.

Ah, os russos. Como andavam silenciosos enquanto Europa e Estados Unidos se desmanchavam entre mortos pelo novo coronavírus e economias devastadas.

Quando a epidemia começou a aparecer na Rússia propriamente dita – as imensidões das estepes têm baixíssimo índice populacional -, criou uma situação excepcional.

Pela mais recente contagem, tem mais de 308 mil casos confirmados e quase três mil mortes.

Alguém poderia perversamente imaginar que o governo de Vladimir Putin está escondendo coisas?

Quem fizer um desaforo desses estará em apuros. Mesmo que seja um quase insignificante site como o MBKh Media.

O Ministério da Justiça, através do órgão regulador da imprensa (lembram-se quem queria criar a geringonça por aqui?), enviou comunicação ao Google para deletar artigo que fazia referência a uma reportagem do Financial Times especulando que o número de mortes seria 70% maior.

Motivo? Incentiva “sublevações sociais, atividades extremistas e participação em eventos públicos contra a ordem estabelecida”.

Se alguém ficou surpreso, deve ter passado os últimos 22 anos em outro planeta – ou num Gulag secreto na Sibéria.

Há mais de duas décadas, Vladimir Putin combina capacidades excepcionais de remendar e insuflar uma economia combalida, inspirar a maioria dos russos que continua a acreditar nele e jogar como grão-mestre o xadrez da geopolítica mundial.

Manipular, mentir, usar todas as armas da propaganda e da contrapropaganda – das quais os serviços russos são exímios praticantes – faz parte do pacote.

O brilhante, perceptivo e audaz Putin, capaz de amealhar um fundo soberano de 95 bilhões de dólares – um colchão para um país rodeado de sanções -, não hesita diante das mais mesquinhas perseguições àqueles que o contrariam.

A manipulação evidente dos números do coronavírus só poderia ser explicada se a Rússia tivesse uma poção secreta, uma clorokinovska não revelada ao mundo.

Atribuir o feito às excelências do serviço de saúde não pega muito bem, considerando-se que dois hospitais para Covid-19 já pegaram fogo, com morte de cinco pacientes, e houve três suicídios de médicos.

O próprio Putin tem o vírus muito, muito perto. Foram infectados o primeiro-ministro Mikhail Mishustin e Dmitri Peskov.

Muito mais que porta-voz, sua função oficial, o loiríssimo e eslavíssimo Peskov é um atilado parceiro de Putin nas jogadas de política externa. Com inglês perfeito, dá nó em todos os repórteres estrangeiros que tentam acuá-lo.

A brilhante performance não elimina, infelizmente para eles, os fatos.

Número 1: a Rússia continua cravejada de sanções pela invasão e anexação da Crimeia.

Número 2: o desmoronamento do preço do petróleo é um choque muito maior, pelo menos até agora, do que a epidemia.

O preço do barril estava a 33 dólares, uma recuperação depois de desabar para baixo dos 20, em consequência da queda da demanda provocada pelas economias paralisadas em dois terços do planeta e da saturação de estocagem.

Para alcançar um preço de equilíbrio, a Rússia precisa do barril a 40 dólares (para a Arábia Saudita, igualmente encrencada, cheia de subsídios e planos mirabolantes, seria 84).

A guerra do petróleo entre as duas potências produtoras, logo no início da crise do coronavírus, não ajudou a estabilizar a situação até que se chegasse a um acordo.

Também não fez muito bem à reputação da Rússia no Oriente Médio, o tabuleiro onde disputa uma brutal partida de geopolítica desde que Putin resolveu intervir diretamente no conflito da Síria.

Como aconteceu com outros governantes, a crise do coronavírus foi particularmente frustrante para Putin.

Estava tudo armado para entrar em vigor a emenda constitucional que lhe daria mais tempo no poder.

A emenda zera os mandatos presidenciais, que passam a ser contados a partir de sua aprovação. Seria submetida a plebiscito em abril.

O processo foi suspenso por causa da epidemia, mas tem perspectivas de retomada.

Como seu mais sinistro antecessor no Kremlin dizia “não importa quem vota, mas quem conta os votos”. Putin estaria garantido até 2036.

É triste ver a grande Mãe Rússia usar um truque à la Venezuela chavista.

Com todos os seus defeitos, Putin mantém uma fachada de dignidade frugal que alimenta sua popularidade. O que acontece por trás da fachada é outro assunto.

Putin sumiu do mapa quando a epidemia começou a ficar feia. Decretou “férias pagas” em todo o país e, da mesma maneira voluntariosa, seis semanas depois anunciou a reabertura.

Com médicos saltando pela janela, números mágicos e o petróleo em baixa, Putin certamente não está deixando de acompanhar todos os rearranjos desencadeados pelo vírus na geopolítica mundial – procurando, exatamente, como pode tirar proveito.

O país sofreu uma queda de 33% na economia desde o começo da epidemia – um número oficial, o que já agita as suspeitas de sempre.

Também é preciso ter muita fé na raça humana para acreditar no número oficial de desempregados pelo vírus, 735 mil.

O governo também deu um pacote de estímulo chamado unanimemente de “modesto”. É um sinal de que não quer mexer nas reservas do fundo soberano e conta com seu grande recurso subterrâneo para cobrir o rombo quando a economia mundial retomar o fôlego, aumentando a demanda por gás e petróleo.

Onde entra a enfermeira fotografada só de top e calcinha sob um avental hospitalar semitransparente?

Ela sofreu sanção disciplinar pelo comportamento pouco profissional flagrado numa ala para pacientes com Covid-19 de um hospital na cidade de Tula.

Alegou que o avental de plástico grosso é muito quente, por isso só usou roupas íntimas por baixo. E que nem percebeu sua transparência.

Quem sabe não é o início de uma bela carreira de porta-voz?

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