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DIVERSIDADE

Em cores, fotos e relatos, livro faz jornada pela memória do Rio Negro

ADRIANO GAMBARINI

Mais do que árvores, a Amazônia está nas águas, nos seus imponentes rios que serpenteiam em meio ao verde. Traduzir a imensidão que carrega um rio amazônico não é uma missão simples e o fotógrafo Adriano Gambarini e a jornalista Laís Duarte se uniram para escutar a majestade silenciosa do Rio Negro e as histórias contadas por aqueles que vivem em suas margens. Indígenas e ribeirinhos, lendas e memórias, a jornada da dupla trouxe voz e imagem para documentar um dos rios mais singulares do país. O resultado está no livro recém-lançado “História das Águas – Rio Negro”, que reúne mais de 100 fotografias e dezenas de entrevistas, registradas ao longo das expedições da dupla na floresta e nas águas negras que espelham o céu.

“O que me encanta no rio Negro especificamente é a importância silenciosa dele. Porque ele é uma das veias mais imprescindíveis para formação da Bacia Amazônica, mas ele faz isso de forma silenciosa. Ele que leva água para Manaus, água fértil, ele é a fertilidade da Bacia Amazônica, é como eu vejo o rio”, conta Adriano Gambarini ao ((o))eco. “E como fotógrafo, a magia visual do rio Negro é a sua permanente mutação. Às seis horas da manhã ele é um tom de cor, às 10 da manhã é outro. Ele vai do preto, ao azul, ao prateado. Parece que você está em vários rios ao mesmo tempo. Isso para mim é lindo. Eu já peguei dias de tempestade e dias de calmaria onde o rio vira um espelho em que você não sabe onde rio e onde é céu. No livro tem fotos que registram essas diferentes cores”, continua o fotógrafo.

Os autores, que assinam sua 7ª obra conjunta, acompanharam a equipe do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), que desenvolve capacitações em sistemas agroflorestais, e ações de fortalecimento da cultura, trabalho e geração de renda de fontes sustentáveis entre indígenas e ribeirinhos no Baixo Rio Negro.

“É um projeto muito antigo do IPÊ e nós acompanhamos a equipe deles nas comunidades em que eles estavam trabalhando em 2020 e 2019, para eu documentar e a Laís fazer as entrevistas com os moradores – porque o livro traz muitas citações e dá voz a eles”, explica Gambarini.

As 208 páginas do livro ajudam a materializar parte da memória e tradição da etnia Baré, um povo cuja cultura é transmitida principalmente via oral. Os Baré estão distribuídos ao longo do rio. Antes concentrados apenas no Alto Rio Negro – mais ao norte – parte deles migrou e estabeleceu novas aldeias no Baixo Rio Negro, em busca de melhores condições.

Adriano Gambarini

“Os Baré sempre foram um povo da água, sempre moraram na beira do rio Negro. Antigamente mais no Alto e Médio, mas justamente em busca de uma condição melhor de educação e saúde, eles vieram descendo o rio. E foram muito dizimados, foram os primeiros povos que os colonizadores encontraram, quando utilizaram o rio Negro como caminho para chegar na Amazônia. Os Baré estavam ali e foram destruídos. Quando os jesuítas foram catequizar os indígenas, eles [os Baré] foram muito envolvidos e boa parte da cultura se perdeu ali. E a própria língua Baré morreu. Eu não achei registros de quem falasse Baré ainda no Baixo Rio Negro. O que eles falam hoje é o Nheengatu, uma língua que foi criada pelos jesuítas, unificando [a comunicação com os indígenas], e usando o tupi-guarani como base. E hoje os Baré batalham para que as crianças falem Nheengatu”, narra a jornalista Laís Duarte, que entrevistou inúmeros indígenas para produção do livro.

“Essa cultura oral muitas vezes não tem registro e com a busca dos jovens pela cidade e a entrada da tecnologia, o contato com essa história oral vai se perdendo. E essa foi uma grande preocupação nossa, ouvir das pessoas mais velhas, dos anciões de cada comunidade e dos guardiões dessa memória, um pouco dessas histórias, lendas e mitos”, conta Laís ao ((o))eco.

“O livro mescla as histórias reais dos povos do Baixo Rio Negro e o que eles passaram e as histórias fantasias”, descreve Gambarini, que acrescenta que a obra traz lendas amazônicas como o mapinguari, a cobra grande e a mãe d’água.

Adriano Gambarini

Para Laís, mais do que registrar a cultura da etnia Baré e dos outros povos – indígenas e ribeirinhos – que vivem às margens do rio, o livro foi uma oportunidade de documentar modos de vida construídos em maior harmonia com o meio natural.

“A gente está vivendo um momento na humanidade, por causa da pandemia, que deveria servir para nossa reflexão. Talvez nós nunca tenhamos precisado tanto do conhecimento que os povos tradicionais, não só do rio Negro, guardaram ao longo de milhares de anos. Nós nunca precisamos tanto aprender com eles a viver em harmonia com a natureza. Os povos do Rio Negro tiram remédio da mata, respeitam os animais como seres vivos que têm tanto direito à vida quanto nós… E acho que esse livro vem num momento super importante, que é para gente se conscientizar que não dá mais para viver como vivíamos. Eles souberam aprender a conviver. Acho que a grande função desse livro é registrar um pouco do tanto que nós precisamos aprender com eles”, pondera Laís.

Gambarini reforça que o objetivo do livro é unir imagem e conteúdo, para ser não apenas bonito, mas informativo para que as pessoas de fato usem e aprendam com ele. Quando questionado sobre a possibilidade de um próximo livro, sobre outro rio e outros povos, ele ri e deixa no ar. “Quem sabe?”. Uma coisa é certa, assim como o rio Negro, outras águas brasileiras guardam histórias e personagens fascinantes, e temos muito a aprender com elas.

O livro “História das Águas – Rio Negro” foi produzido com apoio da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura e está disponível para compra online na página da editora Gamba Books.

Adriano Gambarini

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  • 28 de janeiro de 2021 às 14:17:16
  • 28 de janeiro de 2021 às 14:16:04