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PERSPECTIVAS

Crise da Covid impulsiona busca pelo ‘PIB verde’

Carlos Fabal/AFP

A pandemia que varre o planeta há mais de um ano embaralhou a economia global como não se via desde a Segunda Guerra Mundial. Os países ainda tentam calcular a dimensão do estrago. O novo coronavírus expôs fragilidades sistêmicas que foram atropeladas pela necessidade constante de se promover o crescimento econômico a qualquer custo.

Especialistas e governos do mundo inteiro se debruçam agora sobre novos indicadores capazes de medir o progresso das nações na era pós-Covid, incluindo a qualidade de vida. E não há como ignorar o meio ambiente nesta conta.

O velho Produto Interno Bruto (PIB) — a soma de todas as mercadorias e serviços produzidos por uma nação —, criado no fim da década de 1930, continuará valendo no médio prazo. Mas já está claro que mostra apenas um lado da moeda: aquele em que não se veem rostos.

Não capta desigualdades sociais nem mede o bem-estar do cidadão. Tampouco calcula o preço da degradação ambiental. E tudo isso afeta a economia como um todo, como realça a pandemia.

— A hora de mudar é essa. O PIB é útil para analisar o curto prazo, para medir fluxos e recursos, uma parte da atividade econômica. Não serve para contabilizar grandes estoques e ativos — diz Patrick Schröeder, pesquisador do centro de estudos Chatham House e especialista em economia circular, conceito que ganha adesão (e está no centro do atual projeto de desenvolvimento da União Europeia) ao prever um ciclo sustentável da matéria-prima ao consumidor.

Pressão de empresários

O PIB já não é o primeiro indicador para o qual os agentes dos mercados olham antes de investir. Cresce a investigação de riscos sociais e ambientais envolvidos nas empresas e nos países.

Uma demonstração disso foi a Cúpula do Clima, liderada na semana passada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que direciona seu plano trilionário para recuperar a maior economia do mundo na direção da sustentabilidade.

A pressão do empresariado sobre o presidente Jair Bolsonaro em favor do compromisso do Brasil com essa agenda não é à toa. As companhias pensam duas vezes antes de aplicar em um país que não cuida de suas florestas, por exemplo. É uma demanda do próprio consumidor na ponta.

Nos anos 1990, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com dimensões sociais como saúde e educação, surgiu como um contraponto à métrica de desenvolvimento puramente econômica por meio do PIB per capita.

A discussão sobre a inclusão da economia verde no PIB também surgiu há três décadas. Foi um dos temas da Rio 92, mas ganha nova força agora.

Recentemente, um grupo de nações criou a Aliança para uma Economia de Bem-Estar, que pretende criar indicadores de desenvolvimento que envolvam qualidade de vida e ecologia, não só a atividade econômica.

O objetivo é captar o valor de empresas que garantam a vida digna dos seus empregados, tenham soluções para necessidades sociais e a recuperação da natureza.

O Brasil faz parte de outra iniciativa mais antiga de mensuração do progresso. É a das contas de capital natural, que utilizam o índice de estoque de águas, por exemplo, que já é calculado pelo IBGE, como monetizador importante da economia.

Água limpa é garantia de menos degradação do ambiente (o que impõe um custo financeiro alto ao país) e de maior capacidade de renovação da natureza.

China tem plano verde

No Fórum Econômico Mundial de Davos, no início deste ano, o presidente da China, Xi Jinping, falou em “alterar as forças motrizes e modelos de crescimento da economia, melhorar a sua estrutura de modo a levar para o centro um desenvolvimento de longo prazo, sólido e estável”.

A China, segundo dados apresentados ao fórum por John Kerry, enviado especial de Biden para o Clima, é responsável pelo financiamento de 70% das novas usinas a carvão no mundo com seu ambicioso plano de expansão global “Uma Estrada, Um cinturão”. Ainda assim, o gigante asiático tem uma estratégia verde.

Um dos países com uma das matrizes energéticas mais sujas do mundo, a China criou há alguns anos um indicador de PIB verde a partir do qual descontava da economia real os danos provocados pela poluição e por sua acelerada industrialização. Depois, passou a calcular o PIB da chamada energia verde (de fontes renováveis).

A iniciativa é boa, mas precisaria ser usada por todos para ter resultados globais.

O tom verde que Biden pretende imprimir à economia global já está presente nos pacotes de ajuda dos governos de vários países às indústrias abaladas pela pandemia. A França dá crédito com a condição de que se comprometam com o corte de emissões de carbono, por exemplo.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, tem destacado que, se o mundo não proteger a natureza urgentemente, a próxima pandemia estará “logo ali”. O aquecimento global provocará mais desastres ambientais e doenças zoonóticas, com origem no reino animal, como a Covid-19, segundo ela:

— O argumento financeiro é mais importante? Mais da metade do PIB global depende da biodiversidade e do ecossistema, do setor de alimentos ao turismo.

O economista Jim O’Neill, presidente do Chatham House e pai do acrônimo Brics (que agrupou Brasil, Rússia, Índia e China como potências econômicas emergentes), defende a ideia do “lucro com propósito”, que crie o compromisso de empresas com demandas sociais e com uma economia mais sustentável.

O ex-economista-chefe do Goldman Sachs, que trabalhou no mercado financeiro por duas décadas, tem menos simpatia por um PIB verde.

— É uma ideia que desencadeia paixões admiráveis. Mas não inclui, por exemplo, o desafio das superbactérias. Veja o momento que vivemos — disse ele ao GLOBO.

Foco também no social

O’Neill defende uma métrica pouco ortodoxa para o pós-pandemia: o PIB nominal, que não é ajustado pela inflação, que daria aos países mais liberdade para gastar, sem tanto impacto na dívida pública:

Segundo ele, muitos países tiveram problemas para se recuperar da crise de 2008 por restrições na relação dívida/PIB. O economista lembra que o Federal Reserve, o Banco Central americano, além da estabilidade de preços, passou a considerar o pleno emprego como uma meta. Isso dá novo peso à realidade social nas políticas econômicas.

— Esse é um debate que existe há 30 anos. Eu mesmo já fui contra. Mas a beleza disso está no fato de tirar o foco de apenas de uma meta, a de inflação — diz o economista.

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  • 27 de abril de 2021 às 19:43:47