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CONHEÇA

A curiosa ilha povoada por pequenos mamíferos voadores

Vincent St. Thomas/Getty Images/Via BBC

Você não precisa ir muito longe dos hotéis da ilha paradisíaca de Langkawi, na Malásia, para se deparar com as casas coloridas de telhado baixo do seu interior verdejante.

Esta é a área rural de Langkawi em sua forma mais bucólica; onde búfalos-do-pântano pastam tranquilamente na companhia de suas fiéis companheiras, as garças-vaqueiras.

Seguindo para noroeste, as planícies dão lugar aos cumes irregulares do Machinchang Cambrian Geoforest Park, resultado da atividade geológica de 500 milhões de anos, agora coberto por uma exuberante floresta tropical.

Alguns dos resorts de luxo da ilha estão localizados entre esta floresta tropical e a costa norte. Embora sejam normalmente abertos apenas para hóspedes, minha guia, a primatologista e conservacionista francesa Priscillia Miard, tem uma boa relação com moradores naturalistas e conseguimos acesso para passear pelos jardins do Andaman Resort sem supervisão.

“Eles construíram trilhas pela floresta tropical, que é o local perfeito para avistar mamíferos noturnos”, explicou Miard, mal conseguindo conter a emoção, no estilo do célebre naturalista e apresentador britânico David Attenborough.

As cigarras nos deram as boas-vindas à floresta tropical com um coro estridente. Algo saltou acima das nossas cabeças, um esquilo-voador talvez, seguido de perto por um par de morcegos frugívoros que zumbiam entre as palmeiras como dois amantes dançando.

Quando caiu a noite na ilha, ficou evidente que outro mundo havia despertado.

Logo nos encontramos com dois dos assistentes de pesquisa de Miard — Fizri Zubir, aluno de mestrado na Universidade Sains Malaysia, que estuda o comportamento dos colugos, segurando uma câmera; e Nur Liyana Binti Khalid, que estuda ciências florestais na Universidade de Malaysia Sabah, ostentando uma lanterna na cabeça como se estivesse se preparando para descer uma caverna.

Mas a atenção deles estava voltada para o alto: a luz vermelha vasculhava as árvores como uma patrulha noturna à procura de combatentes em uma guerra na selva. Miard usava uma câmera de imagem térmica para rastrear as sombras. Não demorou muito para encontrarmos o que estávamos procurando.

“Tem um ali”, disse Zubir, apontando para o tronco de uma árvore enorme.

Através da fraca iluminação, avistamos um objeto redondo suspenso sob um dos galhos, que mal era possível distinguir e poderia facilmente ter passado por uma jaca — se não começasse a se desdobrar.

“Está prestes a começar seu ritual matinal!”, afirmou Miard, da mesma maneira como uma mãe orgulhosa poderia falar de seu filho.

A criatura se espreguiçou e, em seguida, se agarrou ereta com suas garras afiadas na árvore e começou a se preparar. Sua pele chamava atenção porque, francamente, havia muita.

Uma membrana que se estende do seu pescoço passando por suas mãos e pés até a cauda, ​​com um formato semelhante a uma pipa, diferencia o colugo, antes conhecido como lêmure-voador, de outros planadores noturnos como o esquilo-voador, que tem uma cauda longa que usa para guiar seu voo.

Como não voam, tampouco usam a cauda como leme, os colugos, com a lógica de uma asa-delta que salta de uma encosta, normalmente sobem em uma árvore antes de tentar planar. Ainda assim, seu alcance é impressionante.

De acordo com Miard, eles foram filmados fazendo um voo planador de 150m, embora saltos de 30m ou menos sejam muito mais comuns.

Depois de se preparar, o colugo ergueu o rabo para se livrar do jantar do dia anterior. Foi difícil não traçar paralelos entre os hábitos dos colugos e o que nós, humanos, costumamos fazer pela manhã.

“As pessoas costumavam pensar que eram parentes de morcegos ou esquilos, mas isso não é verdade. Na verdade, os primatas são alguns de seus parentes vivos mais próximos.”

O status de elo perdido do colugo — eles, na verdade, pertencem à sua própria ordem, dos dermópteros, tendo sobrevivido mais que todos os seus primos planadores mamíferos mais próximos — é apenas uma de suas qualidades intrigantes, que também incluem alimentar seus filhotes com leite excretado de glândulas localizadas sob suas axilas; preferência por folhas e flores a frutos; lamber seus olhos como lagartos para limpá-los; e se comunicar por meio de ultrassom (como morcegos quase cegos), apesar de ter uma boa visão.

“Eles geralmente dormem em árvores diferentes de onde gostam de se alimentar”, observou Miard, enquanto um colugo pulava da copa das árvores, planando sobre nossas cabeças como um filhote de gato amarrado a uma pipa.

Ele pousou sem incidentes e imediatamente começou a comer uma suculenta salada de folhas e um acompanhamento de líquen rico em minerais, que consumiu diretamente do galho.

Os humanos viveram junto aos colugos por séculos. Eles foram registrados pela ciência pela primeira vez em 1758 — e fizeram até uma aparição na Viagem Ao Arquipélago Malaio, texto seminal do renomado naturalista britânico Alfred Russel Wallace, escrito em 1869:

“Outro animal curioso que conheci em Cingapura e em Bornéu […] é o Galeopitecídeo, ou lêmure-voador. Essa criatura tem uma ampla membrana que se estende ao redor de seu corpo até as extremidades dos dedos dos pés, e até a ponta de sua cauda bastante longa. Isso permite que ele passe obliquamente pelo ar de uma árvore para outra… “

Os colugos tampouco são incomuns. Embora o colugo filipino seja exclusivo de apenas algumas ilhas das Filipinas, o colugo malaio é encontrado na maioria dos habitats florestais do sudeste asiático. O que levanta a questão óbvia: por que não se sabe mais sobre eles?

É um enigma que começou a intrigar Miard nos últimos três anos, enquanto estudava mamíferos noturnos nas ilhas malaias de Penang e Langkawi como parte de sua pesquisa de doutorado.

“Em Penang [uma ilha a apenas 108 km ao sul de Langkawi], onde comecei minha pesquisa, me concentrei principalmente na metodologia de pesquisa para rastrear mamíferos noturnos, como civeta, loris-lento, cervo-rato e javali selvagem,” contou.

“Mas encontrei colugos vivendo em todos os lugares. Eles viviam em fazendas e em jardins à beira da estrada. Mas havia tantos dados faltando. Isso é o que me deixou realmente interessada em estudá-los.”

Uma razão comumente citada para nossa persistente falta de conhecimento em relação aos colugos é que eles são animais sensíveis. De acordo com o naturalista Irshad Mobarak de Langkawi, “nenhum zoológico do mundo os criou com sucesso em cativeiro”.

Suas fantásticas habilidades de camuflagem, hábitos noturnos e o fato de terem as árvores como habitat também aludem ao motivo de terem escapado da atenção popular por tanto tempo. Além disso, eles não nos comem, e tampouco nós a eles.

Mas, para um naturalista dedicado, nenhuma desculpa pode compensar uma lacuna desconcertante no conhecimento científico.

Sabendo que a observação e o trabalho de campo seriam essenciais para conhecer os colugos, Miard se mudou para Langkawi em 2018, onde uma cobertura florestal maior e terras mais planas auxiliam sua pesquisa, além de fornecer um local secundário para comparar suas descobertas em Penang.

Com a ajuda da Malaysian Primatological Society, ONG com sede em Penang, ela estabeleceu uma Estação de Pesquisa de Colugo em Temoyong, em Langkawi, que oferece uma base para estudantes e pesquisadores curiosos de todas as disciplinas virem estudar colugos.

Localizada entre uma mesquita e um posto de gasolina, a área ao redor da estação de pesquisa é o lugar ideal para estudar como os colugos estão se adaptando à invasão humana em seu território.

Fomos para lá em nossa segunda noite, assim que um alto-falante começou a chamar os fiéis para a oração noturna.

No alto, o sol poente coloria o céu em tons espetaculares de laranja e depois roxo, o famoso pôr do sol de Langkawi, outra atração natural da ilha.

“Todas essas árvores teriam sido plantadas por pessoas”, explicou Miard, enquanto caminhávamos do centro de pesquisa para a rua Bohor Tempoyak na companhia de seu assistente de pesquisa Zubir.

Curiosamente, na Península da Malásia, os colugos raramente deixam as florestas, mas em Langkawi, eles chegam muito mais perto de áreas de povoamento humano. Ninguém sabe exatamente por quê.

Por um breve momento, Miard e Zubir acreditaram ter visto um colugo, um objeto branco em movimento avistado com a câmera de imagem térmica. Mas acabou sendo um alarme falso: era um pássaro fazendo ninho na copa das árvores.

Quando nossas esperanças estavam se esvaindo, eles avistaram um colugo agarrado a um tronco à beira da estrada. Em uma segunda inspeção, descobriram que, na verdade, eram dois: uma mãe e seu filhote bebê, agarrado a seu peito.

“Ah, olha como são fofos, aquele pequenino deve ter apenas algumas semanas de vida”, disse Miard, antes de assumir uma postura mais profissional.

“Observamos que eles podem ter até três filhotes por ano; e não parecem ter uma temporada de acasalamento específica.”

Em pouco tempo, colugos apareceram ao nosso redor, emergindo da escuridão como fantasmas, usando a estrada como uma espécie de passagem aérea — a lacuna formada pela rodovia, uma estrada secundária de duas pistas, mostrou ser o espaço ideal para um animal que plana, mesmo que quase acidentes com caminhões e motocicletas fossem comuns.

“Aprendemos que eles são muito sociáveis”, afirmou Miard se referindo à comunidade do bairro.

“Uma área pode ter até 20. Mas gostaríamos de marcar um para rastrear seus movimentos com mais detalhes.”

Apesar de manifestar adaptabilidade a vários habitats, há muita preocupação com as ameaças impostas aos colugos na Malásia, país onde o desmatamento continua sendo um problema real.

“A perda de habitat é a maior ameaça”, ela disse. “Mas alguns fazendeiros os matam também.”

O assassinato de colugos como praga é irônico porque eles, na verdade, são benéficos para o meio ambiente.

“Os colugos são essenciais para a produtividade das árvores”, explicou Miard.

“Veja o durião, fruta que os malaios amam. Quando a árvore floresce, os colugos comem algumas dessas flores. Isso resulta em uma fruta de melhor qualidade.”

A questão da conscientização sobre o colugo é onde a pesquisa de Miard se encontra com a conservação, já que esses mamíferos misteriosos são análogos à saúde do ecossistema.

A Malásia é um dos apenas 17 países considerados megadiversos pelos cientistas, mas também é uma nação em rápido desenvolvimento, onde os humanos estão colocando uma pressão cada vez maior sobre o mundo natural, sobretudo na selva, que é desmatada para cultivo ou construção de moradias.

Nesse sentido, os resultados de sua pesquisa são publicados nos perfis de rede social do Night Spotting Project (NSP), cujos objetivos incluem “salvar mamíferos noturnos por meio de pesquisa, educação e capacitação da comunidade”.

Miard também gostaria que Langkawi se voltasse mais para o ecoturismo.

“Muitos turistas vêm aqui e alugam jet skis na Cenang Beach ou vão ao shopping comprar produtos duty free. Mas Langkawi poderia ser como Sabah [estado no leste da Malásia] e desenvolver o turismo em torno da natureza. A maioria das pessoas não tem ideia de quão rico é o recurso animal”, diz.

“A trilha na floresta é incrível, mas poucas pessoas vão para a floresta, exceto os locais, para caçar. Esta ilha poderia realmente ser um ponto de ecoturismo”, finalizou Miard, sugerindo que Langkawi ficasse conhecida como “a ilha dos colugos”.

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ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO

  • 3 de maio de 2021 às 20:31:29