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LUIZ OCTÁVIO SABOIA

A confiabilidade das urnas eletrônicas e do processo eleitoral brasileiro

Divulgação

Vivenciamos um período em que a sociedade discute o chamado “voto impresso”. Infelizmente o que se tem visto é que a questão não vem sendo tratada de modo adequado, na medida em que muitas vezes são utilizados argumentos falhos e equivocados, em outras ocasiões alegações falsas e partidarizadas.

A referida questão, infelizmente, tem apresentado contornos de discussões futebolísticas, o que é um absurdo. Na realidade o debate da temática deveria ser realizado com ampla difusão sobre o processo eleitoral e das cautelas que são adotadas para a realização dos pleitos com a utilização das urnas eletrônicas.

A discussão quanto ao “voto impresso” deveria ter ponto de partida o debate da melhoria do sistema eleitoral e quais medidas podem e devem ser adotadas para o aperfeiçoamento do processo eleitoral, de forma a torná-lo cada vez mais transparente, célere e seguro.

Posicionar-se contra o “voto impresso” e confiar na urna eletrônica, não significa ser contra a transparência e segurança do processo eletrônico, ou mesmo ser contra o aperfeiçoamento do sistema eleitoral. Infelizmente, essa é a retórica equivocada que vem sendo repetida, quase que como um mantra em diversos ambientes de debates, principalmente nas redes sociais.

O aperfeiçoamento do sistema é sempre necessário. Não é por acaso que quase toda semana a Apple lança, por exemplo, uma nova versão do IOS, assim como se verifica nos celulares com o sistema ANDROID. Todo sistema precisa de evolução. Contudo, nem de longe a Apple ou outras grandes empresas de tecnologia cogitam retroagir e voltar a antigas práticas para a busca de maior estabilidade, transparência ou eficiência em seus sistemas operacionais.

Nesse sentido, o chamado “voto impresso” evidencia um retrocesso ao sistema eleitoral, que passou a utilizar as Urnas Eletrônicas há 25 anos, ou seja, em 1996, quando abrangeu 32% do eleitorado. Nas eleições de 2000 a Urna Eletrônica passou a ser utilizada em 100% dos 5.559 municípios do Brasil, atingindo 100% do eleitorado a época, o que correspondia a 109.780.071 eleitores e na ocasião foram utilizadas 353.780 urnas.

Ao longo dos anos as Urnas Eletrônicas foram sendo aperfeiçoadas. A título de exemplo, podemos mencionar as seguintes evoluções: o modelo UE 2004 inseriu o sistema de Registro Digital do Voto (RDV) que efetua oregistro do voto, conforme estabelece a Lei n. 10.740/2003; a UE 2006, utilizada nas eleições 2008 passou a apresentar leitor biométrico; em 2008, o ecossistema da urna foi migrado para a plataforma Linux e passou a ser totalmente desenvolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Interessante, ainda, mencionar que no modelo UE 2009 houve importantes inovações tecnológicas, na medida em que no terminal do mesário, foi inserido o leitor de smart card e o display gráfico de apresentação da foto do eleitor ao mesário. Ademais, o modelo passou a utilizar dispositivos de armazenamentos dos resultados mais confiáveis com capacidade de 128 MB de espaço. Já os modelos fabricados e adquiridos em 2013 (UE2013) passaram a conter leitores biométrico de maior qualidade e o botão liga/desliga, que substitui a antiga forma de acionamento da UE por meio de chave física.

Atualmente está sendo realizada nova aquisição pelo TSE para modelos UE2021, que contarão com tecnologia de hardware com os mesmos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil. Mais de 200 mil urnas do modelo UE 2020 já sairão da fábrica protegidas por esse novo equipamento certificado.

As novas urnas vão renovar parte do parque tecnológico da Justiça Eleitoral, que atualmente é de 470 mil unidades em todo o país. Ademais, Urnas fabricadas em 2006, 2008 e parte das 2009, cuja vida útil está esgotada, serão substituídas pelos novos modelos.

Outros argumentos alegados são de que as Urnas Eletrônicas não são auditáveis e a questão da possibilidade de violabilidade dos referidos equipamentos.

Com relação ao violabilidade das Urnas Eletrônicas, é necessário consignar que todo e qualquer sistema, seja este eletrônico ou físico, é passível de tentativas de violações. Contudo, o grande debate deveria ser como aperfeiçoar o sistema eleitoral com a inclusão, por exemplo, de maiores e melhores camadas de segurança e não o resgate de velhas práticas que apresentam riscos ao processo eleitoral.

Importante destacar que, no mundo digital, tudo, simplesmente tudo, deixa pegadas e rastros. Isso significa dizer que na hipótese de qualquer tentativa de invasão ou alteração do sistema eleitoral fatalmente existirão meios de detecção.

Outrossim, deve ser consignado que a Urna Eletrônica faz parte de um processo eleitoral informatizado e desenvolvido exclusivamente para a realidade brasileira. O sistema da urna, inserido no ecossistema eleitoral permite a automação de uma série de procedimentos, o que impede a intervenção humana na coleta e totalização dos votos.

O software de todo o processo eleitoral é desenvolvido internamente na Justiça Eleitoral, tendo terceirizados em algumas equipes. A referida segregação das equipes responsáveis permite controle de acesso pelo TSE, inclusive no âmbito do sistema de controle de versões. Ademais, a quantidade de sistemas eleitorais envolvidos na realização de uma eleição é tão grande que se torna impraticável a um agente interno ter grau de conhecimento do todo que lhe permita realizar algum tipo de ataque.

Nesse sentido, a impossibilidade de identificação do eleitor, aliada à inexistência de ligação da urna com capacidade de acesso a rede mundial de computadores (“Internet”) ou com qualquer dispositivo de rede, entre outras medidas, torna-a um mecanismo confiável para evitar violações nas várias fases do processo de votação.

Para ocorrer violação a qualquer sistema eletrônico há sempre a necessidade da conjunção de três fatores, a saber: vontade, tempo e recursos (financeiros, logísticos, humanos, etc.). É interessante, assim, conhecer como funciona o sistema de votação e o processo eleitoral para que se compreenda o grau de segurança depositada pela Justiça Eleitoral no sistema atual.

São várias as barreiras encadeadas que tornam a fraude nas eleições altamente improvável, em especial no brevíssimo tempo da transmissão de dados. A garantia dessas barreiras – tanto físicas (componentes específicos de segurança) quanto digitais (softwares criados para impedir a fraude) – é reafirmada pelos Testes Públicos de Segurança, que expõem as urnas, em ambiente controlado, a especialistas que queiram testar sua segurança. Tais testes são realizados desde 2009, com o objetivo de aprimorar todo o sistema.

Todos os sistemas de computador utilizados para os processos de votaçãoapuração e totalização são lacrados e assinados digitalmente em evento público, na Cerimônia de Assinatura Digital e Lacração dos Sistemas. Nestes eventos participam partidos políticos, coligações, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e pessoas autorizadas em resolução específica. Inexistindo, assim, qualquer “sala secreta” ou realização de atos secretos no preparo da Urna Eletrônica.

Nessa ocasião, é gerado o hash, código único que funciona como a identidade (um resumo) de cada programa lacrado. A alteração de apenas um caractere do código-fonte geraria incompatibilidade com o hash original. A lista de hashes é distribuída para as entidades assinantes e publicada no portal do TSE. Assim, é possível conferir, a qualquer momento e em qualquer parte do Brasil, se o programa utilizado na urna é o mesmo que foi gerado na cerimônia pública.

Outra barreira importante é o fato de que cada urna eletrônica dispõe de um hardware criptográfico que lhe confere identidade individual. Isso assegura que as informações dela advindas sejam autênticas e com garantia de origem. Esse dispositivo também garante que a urna executará somente sistemas oficiais e assinados pela Justiça Eleitoral. Além disso, a urna é programada para funcionar – receber votos – apenas no momento da eleição.

A urna eletrônica conta ainda com dispositivos e práticas para garantir que não seja fisicamente violada durante o processo eleitoral.  Há de se consignar que o TSE possui controle total sobre o projeto da urna eletrônica e a empresa responsável pela fabricação dos componentes físicos e pela montagem da urna não consegue utilizar a máquina sem que a Justiça Eleitoral autorize previamente.

Lembro, ainda, que quando a urna está pronta para a votação, ela recebe um lacre de segurança especial fabricado pela Casa da Moeda brasileira, o qual evidencia qualquer tentativa de violação. Similar a uma caixa-preta de avião, a urna possui o chamado log da urna. Nele os eventos são registrados para serem analisados objetivando identificar as causas de eventuais problemas que possam ter ocorrido durante a votação.

Antes de os eleitores começarem a votar, a urna imprime um documento chamado de zerésima, que seria um relatório que comprova que nela não há votos registrados. Após a eleição, é impresso o boletim de urna (BU), que contém a quantidade de votos registrados na urna para cada candidato ou cada partido. Todos os fiscais presentes na seção eleitoral podem solicitar uma cópia do BU, possibilitando, ainda, que sejam fotografadas ou consultada através do QRCode. Ademais, uma dessas vias emitidas é fixada no local de votação, visível a todos, e, nesse momento, o resultado daquela urna se torna público pois a apuração JÁ OCORREU.

Note-se, que se torna “contestável” qualquer resultado enviado ao TSE que seja divergente do BU original. Contudo, nunca houve qualquer evidência nesse sentido. Registre-se, ainda, que o registro digital do voto (RDV) também tornou possível a recontagem dos votos, de forma automatizada.

Os partidos políticos e as coligações podem solicitar cópias dos RDV e dos BUs que lhes forem de interesse, com o objetivo de comparar a apuração oficial com aquela produzida por seus softwares particulares.

O sistema biométrico aplicado às eleições é mais uma forma de garantir a lisura do processo eleitoral, na medida em que o mesmo é preparado para reconhecer, verificar ou identificar uma pessoa que foi previamente cadastrada. A leitura da impressão digital torna mais segura a verificação da identidade do eleitor. Dessa forma, é ele mesmo quem libera a urna para votar, o que afasta por completo a possibilidade de fraude em sua identificação.

Em função de um dos pilares históricos da atuação da Justiça Eleitoral ser a transparência institucional, com o intuito de garantir um processo eleitoral que efetivamente represente a vontade do eleitor, foi desenvolvido o Teste Público de Segurança (TPS), com o objetivo de fortalecer a confiabilidade, a transparência, a segurança da captação e da apuração dos votos, bem como de propiciar melhorias contínuas no processo eleitoral brasileiro.

O teste funciona reunindo especialistas em Tecnologia e Segurança da Informação de diversas organizações, instituições acadêmicas e órgãos públicos de prestígio, inclusive, da Polícia Federal. Na ocasião, os participantes tentam corromper a urna e seus componentes internos e externos, com o objetivo de descobrir vulnerabilidades do sistema com relação à possibilidade de violação de resultados e quebra do sigilo do voto.

Os sistemas eleitorais submetidos ao Teste Público de Segurança são aqueles utilizados para geração de mídias, votação, apuração, transmissão e recebimento de arquivos, lacrados em cerimônia pública, incluindo o hardware da urna e seus softwares embarcados. O evento é realizado de forma obrigatória desde 2016, por determinação da Resolução-TSE nº 23.444/2015. Nas edições realizadas já se detectou, por exemplo, oportunidades de aprimoramento do teclado do terminal do eleitor, assim como melhorias no mecanismo de embaralhamento dos votos digitais e do sistema de áudio para deficientes visuais, além do desenvolvimento de um código verificador enquanto medida de contingência. Registre-se, entretanto, que nenhuma das vulnerabilidades encontradas demonstrou constituir perigo nas condições reais em que ocorrem as eleições.

Destaca-se, que em 2017, na quarta edição do Teste Público de Segurança, o TSE realizou testes nos sistemas que foram usados nas Eleições de 2018. Durante uma semana, em novembro daquele ano, os times de investigadores tiveram livre acesso aos equipamentos e programas do sistema eletrônico de votação, inclusive com acesso ao código-fonte da urna eletrônica, para encontrarem vulnerabilidades e inconsistências. Todo o trabalho foi acompanhado pela equipe de Tecnologia da Informação do TSE. Dois times conseguiram encontrar algumas vulnerabilidades. A equipe técnica do Tribunal, então, passou os meses seguintes ao teste trabalhando para resolvê-las. Em maio de 2018, com o problema resolvido, as mesmas equipes de investigadores foram convidadas a voltar ao TSE e verificar se as vulnerabilidades persistiam.

Realizado o chamado Teste de Confirmação, os investigadores não tiveram sucesso, o que atestou que as vulnerabilidades estavam corrigidas. Com isso, o TPS 2017 foi considerado um êxito – e não um indício de fragilidade da urna eletrônica. Em 2019, um dos grupos de investigadores que obtiveram sucesso no TPS 2017 publicou um artigo sobre a sua experiência em uma revista científica de tecnologia da informação. No texto, apontaram os resultados de seu trabalho e, inclusive, informaram que a intenção do Teste era justamente colocar o sistema à prova para ser aperfeiçoado.

Outro equívoco (ou fake News) gigantesco que vem permeando as discussões do “voto impresso” se refere à impossibilidade de auditoria do sistema eleitoral. Todos os pleitos eleitorais conduzidos pela Justiça Eleitoral são auditáveis.

Interessante mencionar que após a inserção da mídia nas urnas, que é realizada na presença dos partidos, Ministério Público, OAB e sociedade em geral (se desejar acompanhar), são sorteados (em todas as zonas eleitorais) urnas para que sejam auditadas. Essas urnas são ligadas, com impressão da Zeréssima, demonstrando a inexistência de dados na UE, e a inserção de dados com a posterior emissão de BU, comprovando a correspondência entre os votos lançados e o BU expedido.

Após, a Urna Eletrônica é lacrada para ser utilizada nas eleições. Os lacres levam sempre as assinaturas do juiz da zona eleitoral e do representante do Ministério Público Eleitoral, ressalvando-se que as urnas ficam no mesmo estado da federação que as utiliza na votação por 60 (sessenta) dias após o encerramento, possibilitando, assim, análise da UE utilizada em determinada seção eleitoral, por exemplo.

No dia da eleição, é interessante registrar que ao término da votação de todo eleitor o sistema realiza o registro digital do voto e cria uma assinatura digital, que funciona como um certificado de inviolabilidade e se alguém tentar alterar o voto, a urna para de funcionar e a tentativa de fraude é detectada.

Essa etapa impede que o sigilo seja quebrado (fica impossível saber quem votou em quem) e que os dados sejam lidos em computador comum, por exemplo. Se houver qualquer tentativa de alteração, o sistema trava. Na sequência tudo é registrado em três dispositivos de memória acoplados à urna: um pendrive (chamado de memória de resultado) e dois flash cards (semelhantes aos cartões das câmeras digitais).

Existe, ainda, a auditoria denominada “Verificação do resumo digital (hash)”, antigamente chamada “Auditoria em tempo real”. Nessa auditoria as urnas são sorteadas na mesma cerimônia de inserção das mídias e permanecem nas seções eleitorais, ao que os Juízes Eleitorais, Ministério Públicos e fiscais dos partidos emitem os hashes dos softwares utilizados, que são conferidos durante o processo de lacração. O objetivo dessa auditoria é mostrar que os softwares instalados nas urnas são os mesmos que foram lacrados. Essa auditoria é executada antes de liberar o primeiro eleitor para votação.

Outra formade auditoria é o Teste de Integridade, que acontece no mesmo dia das eleições. Essa auditoria ocorre com o sorteio de urnas na véspera da eleição pelo TRE de cada Estado. As urnas sorteadas, que já estavam prontas para a eleição, ou seja, foram objeto de carga de dados dos candidatos e eleitores e lacradas, são recolhidas dos seus locais de origem e levados no mesmo dia para as sedes dos tribunais regionais, onde permanecem sob vigilância. No mesmo horário das eleições, essas urnas são utilizadas para votação monitorada por câmeras e com a presença de auditores credenciados e de fiscais de partido e de coligações, os quais, inclusive, liberam a votação após terem conferido assinatura e resumo digital dos sistemas eleitorais. A votação é feita por cidadãos nomeados como eleitores. Eles mostram o voto para a câmera e digitam o voto na urna. Todo esse processo é filmado na íntegra. Ao final da votação é possível comprovar que o resultado trazido pela urna condiz com todos os votos nela inseridos. Então, é possível afirmar que, se as urnas sorteadas e recolhidas, que estavam preparadas para a eleição tiveram o comportamento correto, as demais, que foram utilizadas na eleição oficial, também tiveram.

O Teste de Integridade ocorre em cerimônia pública ao vivo. Este ano, o TRE/MT realizou o procedimento de forma inédita em eleições exclusivamente suplementares. No caso, foram contemplados os pleitos de Matupá, Acorizal e Torixoréo.

Todos esses mecanismos atestam a transparência do processo eleitoral e sua confiabilidade.

Por fim, muito se tem falado da propalada invasão hacker ao TSE em 2018, ao que é necessário desmistificar algumas ilações efetivamente falsas que vem permeando as redes sociais. Em primeiro lugar, é certo que a grande maioria daqueles que replicam as chamadas fake News não entendem uma linha sequer daquilo que está sendo apontado pelo Inquérito Policial que vem sendo divulgado.

A invasão em questão foi comunicada pelo próprio TSE em 2018, o que deixa evidente que se a intenção fosse ocultar algo, muito mais simples seria não reportar os fatos à Polícia Federal e desenvolver apuração interna.

Com relação ao ataque é de se destacar que os módulos invadidos NÃO alteram e não tinham condições de alterar a votação em si, pois o hacker teve os seguintes acessos:

1. “Código-Fonte completo do Gedai-UE, possivelmente da versão usada nas Eleições

2018, porém sem as assinaturas da Cerimônia de Lacração”;

2. “Chaves e credenciais de acesso a servidores usadas pelo Gedai-UE”;

3. “Senhas para oficialização dos sistemas Candidaturas e Horário Eleitoral”;

4. “Manual técnico da impressora de votos desenvolvida pelo FIT/Quattro Eletrônica”;

5. “Manual do QR Code do boletim de urna”.

Ora, o acesso aos manuais (impressora e QRCode) não confere qualquer risco de intervenção nas eleições, sendo certo, inclusive, que parte dos manuais já eram públicos a época do ataque.  O sistema GEDAI-UE não é executado na urna, nem é responsável pela captação ou apuração dos votos. O código-fonte do GEDAI-UE é aberto e pode ser inspecionado por partidos políticos e demais entidades fiscalizadoras. Além deles, todos os participantes dos Testes Públicos de Segurança (TPS) têm acesso a esse programa.

O atacante não tinha acesso às chaves oficiais, que são aquelas geradas durante a Cerimônia Pública de Assinatura Digital e Lacração dos Sistemas Eleitorais. Essas chaves oficiais são armazenadas na sala cofre, em ambiente totalmente off-line, e usadas, durante tal cerimônia, na presença de entidades fiscalizadoras, para a assinatura digital dos sistemas eleitorais. Apenas nesse momento, o software passa do modo de desenvolvimento para o modo oficial. O atacante tampouco tinha capacidade de alterar os dados alimentadores (i.e., dados de eleitores e candidatos) ou de alterar o próprio código-fonte, pois acessou apenas uma cópia. Assim, o hacker não poderia gerar dados válidos para preparar uma urna para votação oficial.

Apenas a título de argumentação, ainda que o hacker tentasse gerar uma mídia (sem as chaves oficiais), ele teria que conseguir que essa mídia fosse inseminada em urnas durante as Cerimônias Públicas de Geração de Mídias, Carga e Lacre de Urnas, que ocorrem nos TER’s e nas zonas eleitorais, sob a fiscalização dos fiscais de partidos e outras entidades. Mesmo que obtivesse sucesso nessa fase – o que é pouco provável –, há verificações automáticas feitas pelo hardware da urna que fariam com que essa urna eletrônica, ao ser ligada, sinalizasse o erro (a ausência de uso de chaves oficiais na assinatura) com indicador luminoso vermelho. Por fim, eventual resultado gerado por urna inseminada com esses dados seria prontamente rejeitado pelo Sistema Transportador de Dados, que faz a transmissão dos resultados das urnas para totalização no TSE.

As Credenciais de acesso que foram acessadas permitem acesso a equipamentos computacionais que atuam como repositórios de informações, mas possuíam uma capacidade limitada de autorização, pois só permitiam o acesso no modo de leitura a dados previamente assinados digitalmente por outros sistemas. Seria inviável, portanto, adulterar dados de eleitores e candidatos que alimentam as urnas eletrônicas.

Com relação às chaves obtidas, o hacker só teve acesso a chaves geradas ANTES da Cerimônia de Assinatura e Lacração, e, portanto, não permitiam a alteração de candidatos e de eleitores. Registre-se, que as Cerimônia Pública de Geração de Mídias, Carga e Lacre de Urnas, tem como finalidade detectar eventual modificação das chaves geradas, o que não foi reportado por nenhuma seção ou zona eleitoral de todo o Brasil.

Interessante mencionar que na fase oficial, os códigos-fontes são disponibilizados 180 dias antes das eleições. Contudo, apesar do livre acesso ao código-fonte, inclusive para auditorias independentes, nunca, e repito, NUNCA, foi localizada uma linha de código suspeita e apta a fraudar as eleições. No Inquérito Policial em questão não há qualquer prova ou indício de que o atacante tenha conseguido modificar o código-fonte. Note-se, que mesmo se houvesse acesso de escrita ao repositório de códigos-fontes internos do TSE, existem salvaguardas contra modificações no repositório central de códigos, que guarda o histórico de alterações.

É essencial consignar que o invasor NÃO teve acesso ao módulo do sigilo do voto, chamado Vota e tão pouco às chaves criptográficas de produção, que são geradas em certificadoras Off-line instaladas na sala cofre do TSE.

Registre-se que após a inserção dos sistemas nas Urnas Eletrônicas (milhares), são realizados testes de verificação, que são públicos e acompanhados. Assim sendo, para que houvesse a fraude mencionada, teria que haver fraude em alguma dessas empresas, ou no TSE, e depois a conivência de todos os partidos. Calha mencionar, ainda, que a mídia com o registro dos candidatos é inserida quando estas são lacradas, o que ocorre em torno de 30 dias antes do pleito do primeiro turno.

Deve ser consignado que quando se encerra o registro de candidaturas, os softwares já estão abertos para auditoria do código-fonte e o cadastro de eleitores já está encerrado, ou seja, não se fazem mais títulos eleitorais. O cadastro fecha 150 dias antes do pleito do primeiro turno.

Assim sendo, que para que fossem realizadas eventuais manipulações, como por exemplo, a alteração do sistema da urna para que ela computasse o voto de um candidato no outro, seria necessário a conivência de um número expressivo de pessoas, inclusive, servidores de carreira do TSE e dos TRE’s de todo país.

Ademais, para realizar esse tipo de manipulação as alterações teriam que ocorrer no código após o registro de candidaturas, pois antes não há como se saber qual será o número do candidato (vejamos o exemplo do atual presidente da república que sequer possui partido) que ocorrem em meados de agosto e, nesse período, o software já está disponível para a inspeção de códigos e o cadastro fechado.

É interessante mencionar, ainda, os Testes Públicos de Segurança são incentivados pelo TSE, o que efetivamente vai contra a ideia difundida da existência de uma “orquestração” para que o candidato “A” ou “B” saia vencedor dos pleitos eleitorais.

Deve ser consignado, ainda, que o TSE ou os TRE’s NÃOefetuam a apuração dos votos. Oque é realizado pelos referidos Tribunais é apenas a totalização e a divulgação dos resultados. A Apuração dos votos das Urnas Eletrônicas é realizada no momento de encerramento da votação, com a impressão dos Boletins de Urna (BU), que é disponibilizado a TODOS, os fiscais de partidos que estejam presentes nas seções eleitorais.

Via de regra os partidos e candidatos possuem condições de conhecer o resultado das eleições antes dos TRE’s ou do TSE, bastando somar os BU’s. Nunca se afirmou, por exemplo, algum descompasso entre o resultado dos BU’s, seja de alguma(s) seção(ões) ou zona(s) e o resultado divulgado pelos TRE’S ou TSE.

Destaca-se ainda, que os Boletins de Urna (BU) são entregues ao TRE, junto com as urnas, para futuras comparações, auditorias e são disponibilizadas posteriormente aos partidos, se houver requerimento. Existe, ainda, a publicação dos BU’s recebidos nas transmissões no site do TSE, que pode ser acessado através do Endereço: https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/boletim-de-urna-na-web.

Assim, se um candidato possui a suspeita de que houve fraude em determinada zona ou seção eleitoral, seja porque exista uma expectativa de votação mais elevada naquele local, ele pode solicitar os BU’s das urnas daquela localização e verificar se estas estão de acordo com o resultado totalizado e divulgado pelos TRE’s e TSE.

Outra fake News que circula nas redes sociais é a alegação de que o sistema eletrônico eleitoral só é utilizado no Brasil e em outros 02 países. Na realidade o Brasil não trabalha com modelo de urna eletrônica que esteja disponível no mercado. A urna eletrônica brasileira é projeto único, desenvolvido para atender à realidade nacional, não se tratando de produto destinado à exportação.

Desde o advento da urna eletrônica, em 1996, diversos países têm consultado o Tribunal Superior Eleitoral com o objetivo de conhecer e adotar essa tecnologia brasileira. Em alguns casos, parcerias foram firmadas com o propósito de compartilhar conhecimento entre as nações.

A partir de então, o voto eletrônico tem sido adotado por muitos países e, naturalmente, cada nação tem feito as adequações tecnológicas necessárias para compatibilizar a tecnologia com sua legislação, cultura e economia. Segundo o Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Social (IDEA Internacional), o voto eletrônico é adotado por pelo menos 46 nações. Sete agências de checagem confirmaram que essa informação é confiável. Entre os países estão o Canadá, a Índia e a França, além dos Estados Unidos, que têm urnas eletrônicas em alguns estados. O mapa que pode ser acessado a partir do link a seguir ilustra o uso da votação eletrônica no mundo (https://www.idea.int/news-media/media/use-e-voting-around-world)

Há, ainda, a falaciosa alegação de que o TSE teria excluído os logs que possibilitariam comprovar eventual fraude. A alegação é uma temeridade, na medida em que o próprio TSE foi quem comunicou a PF a invasão e solicitou a realização de investigações. A atuação divulgada nas redes sociais evidencia-se, assim, como uma grande fake News, pois todas as grandes empresas de tecnóloga possui conhecimento de que quando os discos de armazenamento alcançam um volume de ocupação, a operação natural é se apagar registros para o gerenciamento o espaço. A exclusão ocorreu por procedimento automático.

Conforme demonstrado, o atual sistema eletrônico possui uma série de camadas de segurança, ao que poder-se-ia indagar: mas o sistema é perfeito e infalível? Não. Perfeição não existe, mas o sistema eletrônico é muito, mas muito melhor do que o sistema impresso.

Ademais, a realização de fraude na votação eletrônica dependeria do envolvimento de grande volume de pessoas, utilização de muitos recursos, inclusive financeiros, a existência de uma logística/articulação no estilo “missão impossível” e a conivência de partidos antagônicos.

Note-se, que o primeiro problema a ser considerado para a implantação do chamado “voto impresso” se refere ao tempo da apuração e totalização dos votos.

Infelizmente o Brasil é um país que se encontra polarizado politicamente, ao que a apuração necessita ser rápida para que se evidencia em elemento apaziguador. A totalização física de cerca de 150 milhões de votos, manualmente e em seções eleitorais, sem os devidos preparos (conforme projeto em tramitação), possibilitará que se arraste o pleito eleitoral por período indefinido nesta oportunidade, cogita-se 3 a 5 dias, e que criará um ambiente propício para criar toda sorte de oportunidades para que uma série de incidentes possa ocorrer.

Ademais, não se pode negar que o voto impresso é uma forma de se inserir uma série de oportunidades para incidentes que tornarão a contagem dos votos muito mais subjetiva, falha, sujeita a uma série de intempéries, inserindo um elemento de perda dos votos que hoje em dia não existe.

Nesse sentido, parece-nos paradoxal defender o retrocesso do voto físico, “impresso e auditável” como diriam alguns, para gerar mais confiança, pois a proposta de contagem de votos impressos manualmente pelos próprios mesários, em substituição à apuração automática pela urna eletrônica, não criaria um mecanismo de auditoria adicional, mas representaria a volta ao antigo modelo de voto em papel, marcado por diversas fraudes na história brasileira.

Ademais, é no mínimo estranho que as pessoas não confiem no software da urna, mas acreditem e cofiem em um hardware (impressora), que será orientado e gerido pelo mesmo software da urna. Por que confiar em uma impressora e não confiar na urna, se ambas utilizarão o mesmo software e serão organizadas pela mesma entidade? Não há lógica.

Outro grande problema do voto impresso refere-se à questão financeira. A mudança em questão irá gerar um impacto financeiro de mais de 2 BILHÕES de reais.

Não seria melhor investir o referido valor em saúde, educação, segurança ou em maiores camadas de proteção eletrônica? Parece-nos óbvia a resposta, principalmente a conscientização de que o investimento em mais camadas de proteção à urna e ao ecossistema trará maior confiabilidade e segurança ao processo eleitoral.

Registre-se, que na hipótese do retorno do voto impresso e da obrigatoriedade de apuração de todos os votos, e não apenas quando houver fundada suspeita de fraude (inclusive com hipóteses claras e objetivas), restarão as indagações: porque continuar com a urna eletrônica? Porque não retornar, simplesmente, ao sistema anterior de urna de lonas?

Outras situações que precisam ser discutidas no que se refere a implementação do votoimpresso, se refere ao sistema de criptografia que necessitará ser utilizado na impressora que será acoplado à Urna Eletrônica, e hipóteses como a possibilidade de algum eleitor mal intencionado votar propositalmente de forma errada e, quando olhar o voto impresso, dizer que apertou o número de um candidato na urna eletrônica e apareceu outro na impressora. Ou, ainda, houver falha mecânica na impressora durante a votação.

Como tratar essas situações? Como comprovar a má-fé ou solucionar o problema durante a votação, na medida em que o voto é sigiloso? Essas questões sequer são objeto de discussão no âmbito do legislativo e nos pseudos-debates realizados nas redes sociais.

Doutro lado, o que se pode afirmar é que o voto eletrônico tornou as eleições brasileiras reconhecidas mundialmente pela segurança e agilidade que conferiu ao processo eleitoral. A Justiça Eleitoral brasileira orgulha-se de ter sido pioneira nos avanços tecnológicos que conduziram ao que há de mais moderno em eleições atualmente.

Apenas a título de digressão é necessário consignar que os defensores do voto impresso não parecem desejar legitimidade às eleições ou adicionar segurança ao processo eleitoral de 2022, tendo inclusive o potencial de trazer vulnerabilidade, pois é inviável implementar o voto impresso nas referidas eleições, na medida em que eventual aprovação da proposta no Congresso em 2021 exigiria, na sequência realizar licitação, produção das novas urnas ou dos aparelhos a serem acoplados às existentes, a instalação, os testes, os treinamentos. Restando, portanto, clara a impossibilidade de implementação do voto impresso em 2022 e insistir nessa ideia denota a intenção em se trazer instabilidade ao processo democrático eleitoral brasileiro, que se encontra consolidado há mais de 25 anos.

Ainda que a Câmara Federal tenha decidido, por maioria, arquivar a proposta do voto impresso e validar sua confiança no sistema eletrônico de votação, é evidente que aperfeiçoar o sistema é uma necessidade e o debate em questão precisa ser realizado de modo claro, com dados corretos e precisos. A discussão sobre a referida questão através de lives, por pessoas que nunca conduziram um pleito eleitoral e que não conhecem os procedimentos realizados não se mostra salutar.

A sociedade, antes do calor das eleições, precisa ser corretamente informada, a fim de evitar arroubos e falsas denúncias, que apenas prejudicam a nossa novel democracia conquistada após longo período ditatorial, bem como para que compreenda as consequências das opções legislativas que estavam sendo discutidas no Congresso, pois o que mais importa para o sucesso dos pleitos eleitorais é a postura dos eleitores e sua consciência.

Por fim, é necessário reafirmar que a maturidade adquirida nesses mais de 25 anos de votação eletrônica, permite-nos afirmar que o processo eleitoral informatizado do Brasil constitui uma solução completa, segura e evoluída. Inexistindo, ainda, qualquer problema em se debater de modo maduro, correto e técnico a necessidade de contínua evolução e a constante busca pelo aperfeiçoamento e transparência à sociedade.

Autor: Luiz Octávio Oliveira Saboia Ribeiro, juiz auxiliar da presidência do TRE-MT.

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