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PARADISO DE ANIBAL

Cine Teatro Cuiabá celebra 80 anos de história

DA REDAÇÃO / MATO GROSSO MAIS
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Júnior Silgueiro

Centro de Cuiabá, noite de 23 de maio de 1942. A sociedade estava em festa. Faltava pouco para a inauguração do mais moderno cinema da capital. Pela primeira vez, seria exibido um filme sonoro na cidade. Na sessão de estreia, marcada para as 20h, foi exibido “A noiva caiu do céu”, filme da Warner Bros estrelado por Bette Davis e James Cagney. O cinema estava lotado. Autoridades, boêmios, artistas, intelectuais, homens e mulheres, todos a caráter (vestidos longos, ternos e gravatas) para inauguração do Cine Teatro Cuiabá. Isso há 80 anos.

“Tinha gente caindo pelas tabelas (risos). A entrada do cinema mais parecia um mercado, muita gente estava lá para prestigiar aquele momento histórico da cultura mato-grossense. Ambulantes vendiam de tudo na entrada, tinha pixé, pipoca e rapadura”, recorda Aníbal Alencastro, escritor, historiador, ilustre personalidade da história do cinema em Mato Grosso.

A propósito, “Paradiso de Aníbal” é o nome do documentário de Diego Baraldi, que estreia na terça-feira (24.05), às 19h, no Cine Teatro Cuiabá. Aníbal é um dos pioneiros das projeções de cinemas em Mato Grosso. Ele lembra, que na estreia do Cine Teatro Cuiabá, lá em 1942, o projecionista da noite foi o rosariense Ponciano Maciel da Cruz.

Mayke Toscano/Secom MT
Créditos: Jornal ‘O Estado de Mato Grosso’, de 3 de maio 1942, com manchete sobre a inauguração do CTC

O jornal “O Estado de Mato Grosso”, datado de 3 de maio daquele mesmo ano, trazia a seguinte manchete: “Ainda este mês a estreia do Cine Teatro Cuiabá”. A matéria, de autor desconhecido, dava destaque ao andamento da instalação do Sistema Movietone, projetor de última geração (à época) com sistema de som óptico. Uma novidade muito aguardada pelos cinéfilos acostumados com o cinema mudo.

“Não posso adiantar qual será o título do filme de estreia, por constituir uma agradável surpresa para os fãs, entretanto, posso assegurar que será uma produção inédita no Brasil”, declarou ao jornal da época o engenheiro Henrique de Giovanni, responsável pela montagem do aparelhamento técnico do CTC.

O filme que marcou a estreia do Cine Teatro Cuiabá foi uma escolha do Sr. Francisco Laraya, responsável pela administração do espaço, que trouxe as latas de rolo a tiracolo, do Rio de Janeiro. “Noticiários da época deram conta de que a sessão inaugural foi magnífica e contou com a presença ilustre do chefe maior do Estado, Júlio Müller, o idealizador da tão querida obra. Em geral, corria à boca pequena o seguinte comentário: ‘demorou, mas valeu a pena’”, lembra Alencastro.

Para a construção do Cine Teatro Cuiabá, que ficou sob a responsabilidade do engenheiro Cássio Veiga Sá, o governo de Júlio Müller investiu mais de um milhão e meio de cruzeiros. Com arquitetura art déco, o Cine Teatro foi construído no terreno onde antes existia o barracão do lendário Cine Parisien.

Aníbal Alencastro ao lado do cartaz do filme “A noiva caiu do céu”, que marcou a estreia do CTC em 1942
Créditos: Mayke Toscano/Secom MT

Da demolição do antigo cinema à inauguração do CTC, foram quase quatro anos de espera. No mesmo terreno – enorme por sinal, 29 m x 26 m – também fora construído o Grande Hotel, prédio histórico localizado na nova avenida Getúlio Vargas.

Naquele período, o Cine Teatro foi uma das últimas obras concluídas. Antes, no entanto, fora construída a Residência dos Governadores, o Quartel do 16° Batalhão, o Clube Feminino e o Abrigo Bom Jesus.

As primeiras décadas do Cine Teatro Cuiabá foram gloriosas. O aparelho público foi palco de grandes peças teatrais, shows de calouros e filmes inusitados, que lotavam as salas. O público disputava as vagas e, muitas vezes, tumultos eram formados. Infelizmente, o cinema foi perdendo sua força e encantamento, passando por várias concorrências e, enfim, foi desativado em 1997.

A era das matinês

Por décadas, o Cine Teatro Cuiabá foi cenário de romances, desacordos, crendices, travessuras e muito lirismo. Produções cinematográficas e espetáculos cênicos também eram pretextos para encontros e namoricos nas longas matinês de domingo, que exibiam, em sua maioria, séries de TV. Do auge ao fechamento, dos anos parado à reforma, criou-se um imaginário repleto de boas lembranças, algumas balelas e muita arte.

“Entre aviõezinhos de papel lançados do mezanino, nas matinês a gurizada ia ao delírio aplaudindo super-heróis nas séries do Tarzan, Flash Gordon e os cowboys dos filmes de faroeste. Qualquer cena de ação era motivo para muito alvoroço. Lembra da Condor Filmes, aquela produtora antiga? Bem, ela tinha uma apresentação em que a ave pousava numa pedra. Quando o bicho aparecia na tela, a gurizada logo se ouriçava, gritava e assobiava na tentativa de enxotar o pássaro, na maior gozação (riso). Quando o pássaro alçava voou, a comoção era geral. Aplausos e muita gritaria… e olha que, com tudo isso, o filme ainda nem tinha começado (mais risos)”, recorda Aníbal Alencastro.

Na nova Av. Getúlio Vargas, Grande Hotel e Cine Teatro Cuiabá numa propaganda do governo da época
Créditos: Acervo do Museu da Imagem e do Som de Cuiabá

Nos anos de 1950 e 1960, Aníbal foi projecionista de quase todos os cinemas de Cuiabá. Era ele o responsável pelas projeções nas matinês de domingo. Vale ressaltar que Aníbal, além do Cine Teatro Cuiabá, projetou filmes no Cine São Luís (no bairro do Porto) e no Cine Bandeirantes. Tornou-se assim umas das maiores referências no assunto – e é até hoje – sendo ele responsável pela instalação dos primeiros cinemas de 35mm nas cidades de Rondonópolis, Poxoréo e Poconé.

“Aquela magia envolvente só terminava quando aparecia na tela o famoso ‘The End’, que vinha seguido de uma frase bem grande, estampada na tela do cinema: volte na próxima semana. Eu costumo dizer que o cinema imprimiu modos e modas. Os homens tinham entre seus ídolos Rodolfo Valentino, por exemplo, o galã da época, uma forte influência. As mulheres queriam se vestir igual as atrizes Mary Pickford e Pola Negri.  Pelas telonas, via-se o mundo todo. Era a nossa janela para futuro. De certa forma, o cinema influenciava o modo de agir e pensar das pessoas. E acho que é assim até hoje”.

Aníbal ressalta ainda que o cinema surgiu em Cuiabá bem antes das emissoras de rádio e televisão – em 1910, apenas 15 anos após a invenção do cinematógrafo, na França, pelos irmãos Lumière, considerados os pais da sétima arte. “Apesar de ser uma cidade geograficamente longe dos grandes centros, Cuiabá respirava progresso e modernidade. As pessoas daqui eram muito entusiasmadas com a cultura e adoravam o cinema”.

Nos anos 1950 e 1960, Aníbal Alencastro foi projecionista de quase todos os cinemas de Cuiabá
Créditos: Mayke Toscano/Secom MT

Por muito tempo, o Cine Teatro Cuiabá permaneceu como o principal centro das atividades artísticas da capital. Era sinônimo de consumo e produção cultural. Mas a bonita história também carrega traços de melancolia, com a interdição do espaço em 1996. Foram 12 anos de portas fechadas. O tempo em desuso e a demora por consertos trouxeram danos às instalações e multiplicaram as histórias e lendas sobre o lugar. Reformas lentas e repletas de interrupções fizeram reparos substanciais, que mantiveram as características arquitetônicas da época de sua construção, incluindo sua cor original, amarelo.

Em 21 de maio de 2009, com um concerto especial da Orquestra do Estado de Mato Grosso, o Cine Teatro Cuiabá foi entregue novamente à sociedade. Abriu novamente suas portas, com uma grande cerimônia e dois meses de programação gratuita, que incluía espetáculos de teatro, dança e música. Ironicamente, cinema não estava no programa.

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