Abel responde questionamentos sobre Flamengo; não joga na defensiva

Além de ser uma prática saudável, caminhar pelo calçadão do Leblon, na orla da zona sul carioca, faz com que se cruze com personalidades. Talvez dê para saber um pouco sobre o Ibope com o assíduo caminhante Carlos Augusto Montenegro; passar por Chico Buarque, respeitar seu silêncio, sua aversão a selfies e seguir adiante; ou topar com o técnico do Flamengo.

E foi assim com Abel Braga na ensolarada manhã desta quarta-feira. Entre um mergulho para “limpar” e uma água de coco, o treinador respondeu às perguntas que ecoam entre muitos torcedores, reais e virtuais, e também geram críticas por parte da imprensa.

À beira-mar, antes mesmo de completar dois meses no comando do time, Abelão, de 66 anos de idade, mantém suas convicções e dá suas explicações, ciente das críticas que tem recebido.

E rechaça ser retranqueiro.

Veja o bate-papo completo com Abel Braga:

ARÃO É INTOCÁVEL NO TIME?

Abel: O Arão é um jogador que dá muito equilíbrio e tem uma jogada muito forte. Quando você joga contra o Flamengo, a preocupação maior é aquela triangulação que existe entre Pará, Everton Ribeiro e Arão. Jogadas fortes do Flamengo também são as situações criadas pelo lado esquerdo do campo, que o Arão chega muito bem na área. O Arão é mais um meia, um segundo volante, do que um volante.

Depois da chegada do Bruno Henrique, nós começamos a ter jogada tanto pelo lado esquerdo – com a entrada do Arão pelo lado direito – como pelo lado direito, com a entrada do Bruno pelo lado esquerdo, sempre se juntando ao atacante.

Então, esse é o detalhe fundamental. Era, antes, uma jogada muito definida e muito repetida, mas só tinha por um lado do campo, porque do outro lado tinha o Vitinho, o Vinícius Júnior, que não são jogadores que vão disputar bola aérea dentro da área. Apesar que eu tenho insistido com o Vitinho, e no último jogo ele fez gol de cabeça entrando ali onde entra o Bruno Henrique.

Além disso, Arão tem uma recomposição boa, é um cara totalmente dedicado à equipe, ao sistema tático.

E tem um detalhe que tem que considerar. Hoje, pelo nível que as equipes têm de aproveitamento de bola aérea, você tem que ver que o Arão é fundamental nessas bolas defensivas e ofensivas. Você tem uma equipe com Pará, Renê, Cuéllar, Everton Ribeiro, Diego, que não são jogadores da bola aérea. Então, você tem os dois zagueiros, o Arão e agora mais o Bruno, e tem o Gabriel que também ajuda.

É uma série de fatores que favorece ao Arão criar esse equilíbrio. Não é dizer que é intocável, não é dizer que não é possível você jogar com um volante. O problema é que o Flamengo ainda não tem a confiança máxima. Quando se ataca, a recomposição se torna fundamental e ele é uma peça importante nesse aspecto.

SISTEMA COM BRUNO HENRIQUE, ARRASCAETA, GABIGOL, EVERTON E DIEGO

O Diego já me confidenciou que na Alemanha chegou a jogar muitas vezes como segundo volante. Hoje, consegui fazer o Diego pisar mais na área, está fazendo gol, jogando bem, muito bem.

Você ter contratado muitos bons jogadores, mas que fazem funções bem idênticas. Hoje você tem na posição mais forte, que eles rendem, tanto Vitinho, como Bruno, como o Arrascaeta, jogando pelo lado esquerdo. Eu não tenho como arrumar três lados esquerdos (risos), eu tenho que botar um para jogar pelo lado esquerdo, outro para tentar jogar por dentro e um para tentar jogar pelo lado direito.

Arrascaeta no Fla-Flu — Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

Arrascaeta no Fla-Flu — Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

Mas estamos tentando com o Arrascaeta ali também. Tem o Everton que ainda não está inteiro. O legal é saber que eu tenho as opções. Eu começo com o Bruno do lado, daqui a pouco passo ele para o outro. O Vitinho fez um gol jogando pelo lado esquerdo,e no segundo tempo o segundo gol dele foi pelo lado direito.

Dá para mudar o lado, vê o Arrascaeta. Você vê o Vitinho… manteve um bom aproveitamento do primeiro para o segundo tempo e no meu modo de pensar, pelo lado esquerdo, o Arrascaeta subiu. Para as pessoas é simples, “ah, prefiro ali, tem que botar”, não é bem por aí.

Você tem que recuar mais um, não adianta. Você vai largar 68 metros, que é a largura de um campo, para o Cuéllar correr de lado a lado? Pera aí, isso tem que ser dividido. Como eu falei, atacar é uma coisa, mas defender é muito mais fácil, então você ataca sessenta, setenta vezes no jogo para fazer um, dois gols, então toda a hora a bola está voltando. Isso você tem que ter equilíbrio para recuperar e continuar atacando.

Inclusive, nós começamos o ano, em uma coisa que eu conversei muito com eles sobre isso, todos os jogos saindo atrás, saindo atrás e correndo e reagindo. E queira ou não, até agora aconteceu uma derrota em um lance isolado aos 48 e meio do segundo tempo, faltando trinta segundos para acabar o jogo. Então isso me marcou, porque a estratégia era aquela, tivemos a chance de matar o jogo e não matamos.

TRÊS VOLANTES

A situação é a seguinte: você está ganhando um jogo; se o jogo está dois, 3 a 0, o adversário tem uma certa cautela em mexer, porque sabe que pode vir a tomar quatro, cinco. Então o que acontece, o treinador troca o seis por meia dúzia.

Mas quando o jogo está 1 a 0, jogo duro, o treinador adversário vai para o pau, aí ele faz mudanças tipo ficar com quatro atacantes, ficar com pouco jogador de defesa, ou principalmente tira da defesa, continua com o meio-campo com muito jogador e também botando mais atacante.

Aí você tem que ver a questão numérica, se mesmo ganhando o jogo está perdendo no meio-campo, você vai passar por problema. Então, usa o fato de você ter jogadores que ajudam bem nesse aspecto, que são Hugo, Ronaldo, Piris.

Mas, quando é o contrário, que o outro técnico só tira jogador de defesa para botar atacante, aí você faz o contrário. Aí você põe atacante, jogador rápido, para puxar.

COMO ARMAR A DEFESA

Você deve ter pelo menos sempre um zagueiro mais alto, como nós temos o Rhodolfo, como tinha o Réver no ano passado. Então, você vê que as equipes procuram não ter dois jogadores da mesma altura mais ou menos.

Agora, um jogador que surpreende, a impulsão que o Rodrigo Caio tem é um negócio anormal. Ele tem um tempo de bola, está sempre bem posicionado para cortar ou para atacar.

Quando chegou o Rodrigo, saiu o Réver, entrou o Rodolfo; depois Rodrigo com o Léo, Rodrigo com o Rhodolfo, e agora o Léo voltou muito bem nesse jogo (contra Americano), vai fazer outro jogo. Futebol obviamente depende do jogador, da competitividade entre eles, a competição entre eles é saudável, é legal, mas assim, pensar de imediato em improvisar, trazer um falso terceiro zagueiro, não sei.

Porque você poderia fazer isso ou tirando um volante…

É POSSÍVEL JOGAR COM APENAS UM VOLANTE FIXO DE MARCAÇÃO?

É possível. Eu acho que ainda não é momento. Nós não temos a confiança necessária, até porque, no Flamengo, no time do Flamengo, na equipe do Flamengo, na relação entre os colegas, os jogadores têm uma confiança inabalável no Arão. Jogando com o Arão se sentem confortáveis.

Eu estou falando no caso de você colocar um falso lateral, um zagueiro, o próprio Léo Duarte como lateral. Mas o Flamengo precisa atacar bem também pelas laterais do campo. Então é o que eu te falo, é tudo muito complexo.

Com o Diego, um pouquinho mais atrás, mas o Diego está em um momento tão bom e fazendo uma coisa que não é crítica ao colega, mas não vinha fazendo, está entrando na área. (Comento que se fizerem isso, arrancam seu pescoço. No que Abel emenda, rindo: já querem arrancar)

Depende muito do que o treinador adversário fizer. Porque se ele enche o meio, se você tiver perdendo no meio, é um pouco complicado, agora se ele mexe na defesa para botar para frente. Aí você vai botar um atacante rápido que vai te dar essa possibilidade de contra-ataque porque estará sempre em superioridade quando recuperar a bola.

CRÍTICAS EM MENOS DE DOIS MESES

Aqui no Brasil tudo vai ser muito dessa forma, tudo tem que ser muito rápido, as críticas são contundentes.

Quando veio aquela derrota para o Fluminense, aí logo a seguir veio a decisão Fluminense x Vasco, acho que todo mundo né, ou pelo menos os vascaínos acompanharam e leram, mas muita gente leu a entrevista do próprio Alberto. Compactuo totalmente em número e grau com o que ele falou. A maneira de jogar do Fluminense é uma maneira difícil, é a maneira Diniz, é a maneira dele, própria dele, é legal, é o jeito dele. Mas, o que ele tenta afinal, no fundo, é colocar sua equipe espaçada. No fundo ele tem três atacantes. Ele joga aquele futebol de volante-zagueiro, zagueiro-volante, mas é… isso tem motivos para isso, entendeu, mas as coisas aqui tem que acontecer de forma muito rápida. Eu continuo otimista.

Tanto que estamos jogando com Vitinho, com Bruno Henrique, com Gabriel… já jogou Gabriel com Uribe, já jogou Gabriel com Arrascaeta mais o Dourado, entrou o Berrío. Jogo com um jogador que apoia por trás, claro que é o municiador, mas ao mesmo tempo é o melhor recuperador que é o Cuéllar, mas jogo com o Arão saindo, com o Diego saindo, jogamos com esses quatro homens atrás do atacante, ou seja, mais o Arrascaeta e o Vitinho e o Bruno Henrique, colado no Gabriel. E estou conseguindo fazer os caras do lado fazerem gol. O Bruno já fez dois gols, o Vitinho fez dois gols. Os meus atacantes já fizeram mais gols até a sétima rodada do campeonato do que em toda o campeonato passado.

Os próprios colegas se sentem bem com o Arão em campo. É um negócio legal, cara. Eu não estou dizendo que isso vai ser eterno ou não, mas comenta-se sobre isso e lá dentro você escuta opiniões: “pô, como é que pode, por que tanta crítica, o cara faz tudo para a equipe, faz tudo para nós, o cara chega na área, o cara faz gol, o cara decide, o cara defende, o cara é bom na bola aérea defensiva”…

Mas é assim. Futebol vai ser sempre assim, a gente tem que saber conviver com isso. Pior é a gente não saber receber crítica. A gente vai receber crítica, vai continuar recebendo.

O QUE ESPERAR DO FLAMENGO NA ESTREIA DA LIBERTADORES

Tento tirar esse peso deles, mas eu estou muito confiante. Até para esse primeiro jogo, estou confiante. Teve uma pessoa lá dentro do Flamengo que falou para mim que o normal de jogar a 3.700 metros (de altitude) é perder.

Mas isso não passa pela cabeça.

Você tem que fazer um bom resultado fora e ganhando os três jogos em casa, está tranquilo. Se você ganha um jogo fora, você pode ter um empate em casa, ganhando os outros dois. Estou muito esperançoso. Com muita esperança de que é um começar de novo diferente. Porque nos outros anos, nos anos anteriores, com certeza, eles tiveram que trazer aprendizado da Libertadores.

Na minha conquista de Libertadores, eu só tive uma derrota, também foi na altitude, contra a LDU, fora de casa. Também tivemos um empate na fase de mata-mata com o Nacional do Uruguai, fora, sem tomar gol, e também um empate com o Libertad, fora de casa, sem tomar gol. Em casa, ganhamos os dois de 2 a 0. Uma derrota, somente, em um jogo que ganhávamos por 1 a 0, quer dizer, ainda fizemos um gol fora de casa contra a LDU, mas a LDU com cinco, seis, jogadores da seleção equatoriana e o Mendes, grandíssimo jogador.

Você tem que ter alguns clichês que você tem que estar muito atento ao nível de Libertadores e não só Libertadores, principalmente, se você não cumprir algumas coisa definidas de que da necessidade, da importância desse jogo, com uma bola com ar rarefeito, com a falta de oxigênio, com a pressão, você não consegue êxito.

Duas coisas simples, mas fundamentais. De onde a bola chega no lado do campo, eles cruzam e deonde você der dois, três, metros eles chutam. E isso não pode acontecer. Você não precisa se desgastar demais, se expor demais, correr demais, você precisa jogar agrupado.

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