O fiasco da cúpula entre Kim e Trump no Vietnã

Um grande fiasco, sem paliativos. A cúpula de Hanói entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, terminou sem acordo, sem um roteiro para os próximos passos e com a credibilidade do processo de negociação ferida de morte ou pelo menos fortemente abalada. Depois de os dois líderes saírem da sala, indo cada um para o seu lado no histórico hotel Metropole, caberá agora às equipes negociadoras juntar os cacos. E sobre Trump pende neste momento a responsabilidade de demonstrar que este processo de diálogo pode trazer resultados e é algo mais que um caríssimo reality show diplomático.

“Podíamos ter assinado um acordo, mas não considerei que fosse apropriado”, declarou Trump numa entrevista coletiva que foi inicialmente concebida para alardear um pacto, mas que no final serviu para dar explicações sobre o fracasso.

O problema se deveu a diferenças insuperáveis nas expectativas de cada equipe, com um aparente erro de cálculo sobre o que cada lado estava disposto a ceder. Um erro de cálculo tão crasso como inexplicável: não era óbvia a enorme diferença de posições antes da cúpula? E, se era, como a delegação de Washington chegou a Hanói sem uma contraoferta aceitável para Pyongyang? E, se não havia contraofertas aceitáveis, para que realizar a cúpula?

Segundo relatou o presidente norte-americano, a Coreia do Norte tinha concordado em desmantelar sua central nuclear de Yongbyon, o coração histórico de seu programa de armas atômicas, em troca da revogação de todas as sanções impostas ao país – algo que os Estados Unidos não estavam dispostos a aceitar. E Pyongyang se negava a incluir outras instalações nucleares no pacto, como exigia Washington.

“Estavam dispostos a desnuclearizar uma grande parte das áreas que queríamos, mas não todas. Então tivemos que nos levantar da mesa”, disse Trump.

Em suma, o grande entrave de todo o processo – a diferente interpretação que cada parte faz da palavra “desnuclearização” – falou mais alto que todas as boas intenções. Para a Coreia do Norte, trata-se de um termo vago, algo a ser obtido em algum momento do futuro e que deve incluir o desaparecimento do guarda-chuva nuclear norte-americano que protege a Coreia do Sul, mas ameaça seu território. Para os Estados Unidos, refere-se ao desmantelamento completo e verificado do armamento não convencional norte-coreano e suas instalações de produção.

Apesar de tudo, o lado norte-americano quis preservar as aparências. O secretário de Estado Mike Pompeo insistiu em que, ao contrário do que parece, houve progressos: o diálogo não foi interrompido, e as respectivas delegações, encabeçadas por Stephen Biegun e Kim Hyon-Chol, voltarão a se reunir no futuro para buscar um lugar onde as posições coincidam. Segundo Trump, isso não é impossível. “Há certa distância, embora estejamos mais perto do que estávamos há um ano.”

Por enquanto, não há uma terceira reunião dos líderes no horizonte. E a sensação que Hanói deixa é a de uma oportunidade desperdiçada que, talvez, não volte a se apresentar. O problema que ficou claro, segundo o professor Koh Yu Hwan, da Universidade Dongguk, na Coreia do Sul, é a “falta de confiança” entre as duas partes. Nenhuma delas está disposta a oferecer muito.

E o ruim é que o tempo corre. Logo o Governo de Trump e os Estados Unidos como um todo voltarão suas atenções para a campanha eleitoral do ano que vem. A falta de resultados pode passar fatura nas urnas ao presidente republicano, que faz do problema norte-coreano sua principal prioridade em política externa. O relógio tampouco ajuda o lado norte-coreano: a prioridade que a Casa Branca concedeu a esse processo até agora poderá ser relegada em nome de assuntos mais rentáveis na área doméstica.

Antes de ser repentinamente interrompido, o diálogo havia começado em tom aparentemente cordial nesta quinta-feira, tanto que Kim chegou a concordar em responder a perguntas da imprensa internacional, algo que nunca havia ocorrido. Qual era sua perspectiva para a cúpula? “É muito cedo para perguntar isso, mas não posso dizer que esteja pessimista. Tenho o pressentimento de que veremos bons resultados”, observou o líder norte-coreano.

Os dois líderes mantiveram primeiro uma reunião a sós, durante 45 minutos, assistidos unicamente por seus intérpretes. Mais tarde, somaram-se suas respectivas equipes para uma sessão negociadora de duas horas. A suspensão ocorreu logo antes do almoço: no refeitório do Metropole ficou abandonada a mesa, já com as louças postas, onde as duas delegações comeriam.

Entre as medidas que os dois líderes cogitavam, e que segundo Trump já estavam impressas e prontas para a assinatura, encontrava-se, além do desmantelamento de Yongbyon, um acordo para declarar o fim formal da Guerra da Coreia (1950-1953), tecnicamente interrompida apenas por um armistício que já dura quase setenta anos. Embora não tivesse a força de um tratado de paz – um passo muito mais complexo e que exigiria, entre outras coisas, a aprovação do Congresso norte-americano –, o documento teria enorme importância simbólica. O encerramento formal das hostilidades entre os dois países pareceria impensável em 2017, quando a Coreia do Norte testou vários tipos de mísseis balísticos e os dois dirigentes trocaram insultos, cada um mais pitoresco e agressivo que o outro.

Teria sido cumprida assim uma das grandes exigências da Coreia do Norte neste processo de negociação, além da suspensão do regime de sanções internacionais. A ela se somaram a entrega norte-coreana de mais restos de soldados norte-americanos abatidos na guerra – um passo já prometido por Kim na cúpula anterior com Trump em Singapura – e o estabelecimento de escritórios de ligação nos respectivos países.

A primeira reunião de ambos em Singapura – o único encontro até hoje entre líderes dos EUA e Coreia do Norte – terminou com uma vaga declaração de intenções. Desde então, poucos progressos ocorreram nas conversações, devido principalmente às grandes diferenças entre as duas partes sobre o que significa “desnuclearização”.

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