Ninguém na internet pode dizer que topou com eles por engano. Os títulos dos vídeos, alguns tão memoráveis como Deu em cima da prima errada, O pior lésbico velho da história e Rato de duas patas, escória da vida, não deixam margem a equívocos. O que está por vir caso você decida reproduzir o conteúdo é a reinvenção millenial do melhor dramalhão visto nas telenovelas latino-americanas. O formato do programa mexicano Exponiendo Infieles (Expondo Infiéis), que passa no Youtube, transferiu a paixão dos gaviões para os passarinhos tuiteiros que, assombrados, abençoam e distribuem um catálogo de traições, gritos e golpes tão perfeitamente indiscriminados que parecem ter sido coreografados. Dinheiro em troca de ler as mensagens dos celulares do parceiro. Essa é a premissa simples do formato que tomou de assalto as conversas, digitais e físicas, de boa parte dos jovens espanhóis nas últimas semanas e se posiciona como um suspeito habitual na lista dos mais vistos na plataforma Youtube da Espanha.
No Brasil, a possível traição do ator global José Loreto provocou turbulência semelhante. Divulgado inicialmente como um caso com uma colega de elenco —algo nunca comprovado ou com qualquer indício público —resvalou para uma trama fora da novela. No roteiro da vida real, até uma conta de Instagram apócrifa foi criada para vazar supostos segredos de atores, Loreto incluso, que envolveriam relações extraconjugais no bastidor da emissora Globo, e sexo com múltiplos parceiros na ilha de Fernando de Noronha —a conta, que em poucas horas ganhou mais de 400.000 seguidores, conseguiu colocar nos trending topics do Twitter a hashtag Surubão de Noronha. O jornal popular Meia Hora estampou em sua capa o recado postado no Instagram por Loreto para a mulher, em que dizia que errou, mas que “apesar das evidências” nada tinha acontecido. Mostrando o potencial da polêmica para vender jornais, o veículo estampou na manchete: “José Lorota pede perdão”.
Mas por que casos como estes fascinam tanto?
“Poder ver nos outros um comportamento que é lícito, mas socialmente pouco aceitável, nos alarma, nos envergonha, mas também nos atrai”, explica ao EL PAÍS a psicóloga e sexóloga Silvia Sanz, que considera essencial em sua notoriedade atual a curiosidade doentia gerada pela contemplação das reações humanas perante situações dolorosas. O roteirista de séries Raúl Encinar, um profissional do drama, concorda com o diagnóstico: “A infidelidade é um tema universal, um fenômeno polêmico e mórbido com o qual é fácil atrair nossa atenção. Não por acaso, autores como Woody Allen centram quase a totalidade de suas obras em torno deste aspecto. Testemunhar as reações desses casais nos provoca uma curiosidade mórbida. Vivemos a traição, mas com uma segurança controlada, com o alívio de que é com outro casal que está acontecendo. Disso se alimenta a ficção: do drama e da identificação”.
Exponiendo Infieles é parte do Badabun, um canal mexicano do YouTube que no último ano se tornou o segundo com mais seguidores em idioma espanhol (36 milhões, e subindo). Conta com outras produções que atraem milhões de usuários, como La Mansión del Influencer e Atrapando Infieles, embrião (ainda mais) passivo-agressivo do sucesso atual.
A repercussão do programa entre os mais jovens é, para muitos, uma evidência de que as novas gerações seguem comportamentos e preconceitos tradicionais em suas relações afetivas. “Nas pessoas mais jovens ocorrem duas polaridades, e uma das partes se cinge a esses padrões do amor romântico. Eles têm uma ideia do amor que é mais possessiva e dependente, são gerações mais ciumentas, que acreditam que, como seus parceiros têm mais acesso a conhecer outras pessoas –pela liberdade da comunicação digital–, têm também mais possibilidades de encontrar alguém melhor. Quanto maior liberdade de um, maior o controle do outro”, explica Sanz. A psicóloga acrescenta que, por mais banal que possa parecer o consumo desse tipo de conteúdo, ele afeta a maneira como os espectadores percebem a realidade, podendo influir de forma negativa no relacionamento. “Fomentando a desconfiança, provocando dúvidas, fazendo pensar que quase todo mundo é infiel…”
Boa parte do debate sobre o programa alude à autenticidade ou não dos fatos relatados. A apresentadora de Exponiendo Infieles, a youtuber e instagramer Lizbeth Rodríguez (com mais de 12 milhões de seguidores entre ambas as plataformas), contou em um vídeo que esses encontros casuais são planejados com antecedência. “Diariamente recebo uma quantidade enorme de mensagens no meu Instagram de pessoas que suspeitam que seu parceiro é infiel e solicitam meu apoio para saber se estão sendo enganados ou não”. Conforme afirma, é ela mesma quem faz a triagem entre centenas de pedidos, através de um questionário que certifica sua idoneidade e viabilidade. Uma vez que a equipe chega à localidade dos escolhidos, entra em contato com a pessoa-gancho para “se encontrarem” num determinado lugar. Antes de o jogo começar, ambos assinam uma autorização de uso de imagem.
Essa mecânica é questionada tanto pelos meios de comunicação quanto pelos seguidores do programa. Depois da estreia de um de seus últimos interrogatórios, protagonizado por um suposto casal de noivos em plena realização das fotos do álbum nupcial, uma usuária descobriu através do Facebook que nem os nomes dos noivos nem a terceira pessoa que acaba com sua relação no vídeo eram reais. “Tudo está roteirizado e funciona com um timing perfeito, nada se deixa ao acaso”, argumenta Encinar, que conclui: “Se entreveem ferramentas clássicas da narrativa: as pistas semeadas e que serão colhidas mais adiante em pleno furor detetivesco, a escalada de tensão para o clímax, a inversão das expectativas, um ritmo contínuo de revelações, música dramática… Que o mecanismo pareça natural depende do espectador e de se aceitar, ou não, o pacto de suspensão da descrença que toda ficção nos propõe”.
Fraude ou pré-congelado, o que fica evidente a julgar pelo imparável crescimento do número de visualizações no Badabun é que, até agora, milhões de usuários decidiram assinar esse pacto, ávidos, como reitera Silvia Sanz, pela “curiosidade que o proibido gera”. O novelão mexicano 2.0 pode continuar governando as telas dos nossos celulares sem linhas vermelhas nem cordões sanitários. Fake lovers em tempo de fake news.