Celebrado nesta sexta-feira (8), o Dia da Mulheré um marco da luta contra a desigualdade de gênero. Nas últimas décadas, muitos direitos foram conquistados, é fato, porém ainda há um longo caminho a ser percorrido. Embora tenha vitrine de espaço democrático, o desporto é um exemplo de ambiente ainda hostil. Desde a primeira edição das Olimpíadas da Era Moderna, em 1896, quando não tiveram chance de participação, elas batalham por igualdade. Em 1900, 22 mulheres competiram os Jogos. De lá pra cá, a representação só cresce. São milhares de atletas espalhadas pelo mundo. Atletas que enfrentam rotinas desgastantes, atingem feitos impressionantes, mas que ainda têm um adversário difícil de ser combatido, o preconceito de gênero.
“As discrepâncias ainda existem, o que temos hoje é mais espaço para falar sobre elas. Sempre soube das diferenças (salariais) dentro da natação, mas fiquei um pouco chocada quando tive acesso a números depois de parar de nadar. Em equipes grandes, nas quais sempre fui uma das atletas que mais pontuava (em campeonatos) e sempre estava na seleção, havia homens que nem estavam na seleção e ganhavam o dobro. Não que eu tenha passado por dificuldade, mas é uma meritocracia que não se aplica, por ser homem. Nos grandes clubes de natação isso ainda é muito forte”, conta a ex-nadadora Joanna Maranhão.
Em junho deste ano, começa a Copa do Mundode futebol feminino, na França. E, ainda que o presidente da Fifa, Gianni Infantino, tenha prometido um evento “espetacular”, a modalidade segue protagonizando uma das maiores discrepâncias no tratamento dado a homens e mulheres. Com pompa, fora anunciada uma premiação de US$ 30 milhões a serem escalonados, sendo US$ 4 milhões para a seleção campeã. A Federação da Austrália logo observou que, caso suas meninas vençam o evento, receberão o mesmo que o time masculino embolsou somente pela participação no Mundial masculino de 2018, na Rússia. Na ocasião, foram distribuídos US$ 400 milhões, sendo US$ 38 milhões apenas para a campeã França. Isso é na Copa do Mundo. Outros eventos sequer oferecem premiações financeiras.
“Tem campeonatos que oferecem uma quantia ao campeão, mas poucas são as atletas que veem a cor desse dinheiro. Já passei por clubes, joguei diversos campeonatos, mas nunca ganhei nada além de troféu, medalha e, algumas vezes, ajuda de custo. Às vezes nem isso tinha, pagávamos nossas passagens para treinar. Jogamos por amor, pois quando estamos dentro das quatro linhas é surreal a sensação”, diz a pernambucana Allana Warchavsky, de 20 anos, ex-Sport. O clube, por sinal, encerrou as atividades da modalidade recentemente. “Muitos ainda têm a ideia que futebol é para homem, que mulher não sabe jogar. Ouvimos coisas absurdas, de ter dia de pensar em jogar tudo para o ar. Só quem vive no meio sabe a dificuldade que é”, completa Allana.
Esse cenário não é exclusividade da “paixão nacional”. No basquete, a folha salarial de algumas equipes da Liga de Basquete Feminino (LBF) chega a ser menor do que o salário recebido por jogadores mais renomados do Novo Basquete Brasil (NBB). E isso não é “privilégio” do Brasil. No final de 2018, 144 atletas que jogam a WNBA, versão feminina da maior liga de basquete do mundo, a NBA, romperam o Acordo Coletivo de Negociação (CBA, em inglês) entre a Liga e as franquias. O documento determinava premiações e bônus destinados até 2021. Denominado “Aposte em Mulheres”, o movimento busca um ambiente de trabalho justo e consciente.
Um levantamento da revista Forbes em 2018 identificou que a média salarial da WNBA é US$ 75 mil. O maior salário é de Chiney Ogwumike (Connecticut Sun), que recebe US$ 117,5 mil. Enquanto isso, astros como LeBron James e Stephen Curry lucram mais de US$ 33 milhões por temporada. Até os calouros da NBA recebem mais. Luka Doncic, draftado pelo Dallas Mavericks, receberá um total de US$ 6 milhões em seu primeiro ano. A justificativa é que os lucros da NBA são superiores ao da WNBA. Não deixa de ser verdade. No entanto, a ESPN norte-americana estudou dados de 2017-2018 e identificou que elas receberam menos de 25% da receita da Liga, enquanto eles embolsam cerca de 50%. Isso fora os contratos publicitários.
Não é à toa que a lista dos 100 atletas mais bem pagos do mundo feita pela Forbes é dominada por atletas da NBA. São 40 na edição de 2018, na qual não aparece uma única mulher. Em 2017, a tenista Serena Williams (EUA) foi a única representante feminina na lista, em 51º lugar. No tênis, o debate também é intenso. Alguns, como o ex-jogador romeno Ion Tiriac, falam abertamente que não concordam com premiações igualitárias alegando que o jogo masculino atrai mais público. No entanto, as roupas curtas que enchem os olhos dos organizadores são das mulheres. Em 2018, Roland Garros recriminou Serena por usar um macacão de compressão no seu retorno às quadras após dar à luz. Sem especificar detalhes da sua indignação, o presidente da Federação Francesa de Tênis reagiu à época dizendo que “isso não será mais aceito. O jogo e o local devem ser respeitados”.
“Essa questão do corpo ainda é muito forte. Esse ano tem Pan (Pan de Lima, em julho), e vamos ver várias matérias sobre as musas. Teve o caso de Ingrid (Oliveira, dos saltos ornamentais) mesmo, que foi taxada de diversas formas. São coisas que temos de discutir cada vez mais”, pontua Joanna Maranhão, ressaltando ainda a pouca representação feminina também em cargos de gestão. “Onde eu trabalho (Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer da Prefeitura do Recife), me orgulho em ter chefes mulheres (Yane Marques, ex-atleta do pentatlo moderno, e Ana Paula Vilaça). Mas, no geral, sabemos que existem mais homens nesses cargos de gestão”.