Aos 60 anos, Gonçalo Guadalupe Guimarães, produtor familiar há 35 anos e de leite há 14, já não é mais o responsável pela atividade em seus 22 hectares, onde tem um plantel de 30 vacas em Nossa Senhora do Livramento (30 km distante de Cuiabá). A função foi delegada ao seu filho Oswaldo José Guimarães, que retornou de um garimpo próximo à sua propriedade, onde buscava um complemento para a renda familiar, insuficiente com a então ínfima produção leiteira.
“Não dava, porque, mesmo com essa quantidade de vacas, criadas soltas e com bezerros, nossa produção era de 35 litros por dia. E a gente ainda arrendava outro pasto, de 100 hectares”, explica Oswaldo, agora à frente do negócio ao lado do irmão.
Hoje, esta já não é sua realidade. Mantém o mesmo plantel, mas em uma área bem menor (12 hectares), conseguindo tirar em média 280 litros de leite diariamente. Além disso, para enfrentar o perigo da seca, a cana, plantada em uma área da propriedade, substitui o pasto. Para otimizar o processo, optaram pela ordenha mecanizada.
Gente simples, filhos de Livramento, não esconderam o orgulho na segunda-feira (17.06), quando receberam do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea-MT) o certificado de propriedade livre de brucelose. “Pra mim, é um privilégio. Bom demais”, comemorou Seo Gonçalo.
Para sua família, financeiramente a situação melhorou, porque ele é assistido por uma das várias instituições que trabalham para a melhoria da cadeia do leite mato-grossense, como a Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (Seaf) Empaer, Embrapa, Organização das Cooperativas Brasileiras, Aproleite e prefeituras. Há quatro anos, ele é um dos 30 participantes, da região de Nossa Senhora do Livramento, do programa Nosso Leite, desenvolvido pelo Sebrae/MT.
Mas esta não ainda é a realidade da cadeia leiteira estadual, que em Mato Grosso tem 35 mil propriedades, de acordo com dados preliminares do Censo Agropecuário do IBGE de 2017. Desse total, a estimativa é de que 90% seja de produtores familiares.
Produção pequena
Mesmo Mato Grosso ocupando a 10ª colocação no ranking nacional, com uma produção em torno 745,85 milhões de litros (bem abaixo dos quatro primeiros maiores produtores – Minas Gerais e os estados da Região Sul), a maioria da pecuária familiar estadual retira no máximo 50 litros diários, quantidade considerada muito baixa.
A atividade é rendável, mas é preciso trabalhar a propriedade como uma empresa, diz Eduardo Dantas – Foto: Mayke Toscano/Secom-MT
Segundo Eduardo Silva Dantas e Vânia Ângela Kohl, responsáveis pela Cadeia Produtiva do Leite da Seaf, para ter lucro é preciso produzir acima de 12 litros de leite por animal. “A atividade é rentável e a renda é constante. É preciso saber lidar com ela. Trabalhar a propriedade como uma empresa”.
Segundo eles, basicamente são quatro os gargalos na atividade: assistência técnica, qualidade, reforma de pastagem e gestão. “Mesmo contando com a Empaer, Senar (Senar Tec), muitos produtores ainda não têm acesso à assistência técnica. Já o problema da qualidade não é exclusividade estadual, mas de todo o Centro-Oeste”, explicam, acrescentando que os outros dois gargalos estão ligados diretamente ao produtor.
“A falta de reforma do pasto, por exemplo. Muitos repetem pais e avós. Acham não ser preciso adubar, fazer análise de solo. Com isso, o pasto fica deficiente e vaca sem alimento. Substituem pela ração, que é cara. A renda cai e vem o desânimo”, afirmam. “Tem ainda a gestão. A maioria dos produtores, entre 50 e 60 anos, sequer sabe manusear um computador e nem entende de planilhas. Muitos nem sabem o custo do seu leite”, continuam.
Apesar desses gargalos, ambos acreditam no desenvolvimento da cadeia leiteira estadual. “Estamos ainda engatinhando em relação ao Sul do país e a Minas Gerais, mas a tendência é mudar, porque esta cadeia é promissora e temos capacidade para crescer”, concluem.
Pró-leite e unidades tecnológicas
Uma das ferramentas a contribuir para melhorar a atividade no Estado é o Pró-Leite (Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Leite), cuja proposta é atacar os gargalos que impedem o seu crescimento. A metodologia passa pela capacitação continuada de técnicos e produtores em manejo adequado de pastagem, melhoramento genético e do manejo do rebanho (sanidade e adequação das instalações).
Esta capacitação é feita por meio das Unidades de Referência Tecnológica (URTs) e complementada pela distribuição de equipamentos, resfriadores e caminhões isotérmicos. As unidades, implantadas em uma determinada propriedade, atendem vizinhos e adjacentes, por meio de Dia de Campo reunindo produtores, técnicos, estudantes e parceiros, como Empaer, prefeitura, Embrapa, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), OCB e Senar.
Segundo o engenheiro agrônomo e extensionista da Empaer, José Carlos Rodrigues dos Santos, tanto o Dia de Campo (muito utilizado nos anos de 1980 e 1990 nas plantações de soja, milho e algodão), quanto as visitas técnicas são uma forma de atingir um público maior e de melhor difusão das tecnologias. “A pretensão é mostrar ao produtor o custo benefício desta nova cultura, o quanto estas mudanças dão retorno a ele”.
A primeira URT foi implantada em Campo Verde (134 km distante de Cuiabá), em uma propriedade que anteriormente produzia frango, mas agora se dedica apenas ao leite. Atualmente, há 15 unidades implantadas e 17 já programadas. Os recursos são da SEAF, enquanto a Empaer entra com a assistência técnica.
Vacinação obrigatória
Para José Carlos dos Santos, da Empaer, outro problema para o pecuarista de leite é a brucelose. Quando constatada, só resta sacrificar o animal e sua carcaça é utilizada como subprodutos como sabão.
José Carlos dos Santos, da Empaer: A brucelose é outro problema enfrentado pelo produtor de leite – Foto: Empaer-MT
“Uma vaca avaliada em R$ 5 mil cai para menos de R$ 500, o que não deixa de ser um balde de água fria no produtor. Porém, como a vacinação é constante e obrigatória, é provável que em três ou quatro anos, diminua bastante a incidência da doença no rebanho estadual”.
Segundo a médica veterinária e sanitarista do Indea, Suíze Silva Oliveira, que esteve na propriedade de Gonçalo para entrega do certificado de propriedade livre de brucelose, a vacinação é feita em duas etapas – de janeiro a junho e de julho a dezembro -, em todas as bezerras entre três e oito meses.
Ela alerta que a vacinação deve ser feita ou por médico veterinário ou por vacinador cadastrado no Indea/MT. “Por serem extraídas de bactérias, são muito perigosas. Por isso, não podem ser aplicadas por qualquer pessoa. Alguém não capacitado corre o risco de contrair a doença”.
Ela completa que, além da vacina, é preciso controlar a sanidade das vacas por meio de exames bacteriológicos e sorológicos. “O que foi feito aqui nesta propriedade, garantindo o certificado que eles receberam. Além disso, pela legislação federal, quem comercializa seu leite para laticínios precisa realizar entre um ou dois testes anuais para provar que está livre de brucelose”.
O chefe da Unidade de Vacinação do Indea, Hewandro Lucio Rezende reforça que a vacina não só é obrigatória, como há sanção para quem não aplica. “Além da multa, o produtor não poderá comercializar suas bezerras”.