A história da lavoura cacaueira no Brasil é permeada por momentos de altos e baixos. O país que já foi o maior exportador de cacau, hoje figura na sétima posição no mercado mundial, mas com perspectivas de aumentar sua participação, principalmente na venda de produtos com maior valor agregado, como chocolate fino.
A Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) foi criada exatamente em um momento de crise por causa de uma forte queda nos preços na região Sul da Bahia, que concentra a maior parte da produção nacional. O Decreto 40.987, assinado em fevereiro de 1957 pelo então presidente Juscelino Kubitschek, instituiu o Plano de Recuperação Econômico-Rural da Lavoura Cacaueira e a Ceplac como gestora do plano.
O objetivo era executar medidas para restaurar a lavoura, ampliar e melhorar as condições de colheita, armazenagem, preparo, beneficiamento, além de criar meios para combater pragas e doenças.
O plano também promovia a assistência técnica para modernizar os métodos de produção, aumentar a produtividade de cacau e estabelecia que os cacauicultores pudessem receber assistência financeira, nos casos em que os custos de produção fossem maiores que a capacidade do produtor.
Uma das primeiras iniciativas da Ceplac foi criar o Centro de Pesquisas do Cacau (Cepec) com o foco em desenvolver tecnologia para produção e manejo. Para transferir as novas tecnologias para o agricultor, foi necessário também estruturar o serviço de extensão rural e implantar as chamadas Escolas Médias Agropecuárias (Emarcs), voltadas para o desenvolvimento da educação.
Alguns anos depois do início do aporte econômico e científico, a cacauicultura brasileira respondeu ao incentivo e alcançou resultados expressivos. Ainda na década de 70, a produção de cacau no Brasil subiu de 164,6 mil toneladas para 336,6 mil toneladas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Neste período, foi implementado o Programa de Diretrizes da Cacauicultura Brasileira (Procacau), que vigorou de 1976 a 1985. Na década de 80, a produção chegou ao recorde nacional, atingindo 458,7 mil toneladas, com mais de 655 mil hectares de área colhida, no ano de 1986.
Na época, o volume alçou o país à condição de maior produtor de cacau do mundo. E nos anos 2000, a produção regrediu ao patamar abaixo de 200 mil toneladas e, desde então, vem oscilando até atingir a média atual de 250 mil toneladas por ano.
A queda decorreu de diversos fatores, como estiagens, queda nos preços e o avanço da doença “vassoura-de-bruxa” sobre as lavouras da Bahia, maior produtor do país. O ataque da praga devastou a cacauicultura baiana, que ainda se recupera das perdas socioeconômicas. Hoje, o Brasil é o sétimo maior produtor de cacau no mundo, com produção puxada pela Bahia, Pará, Rondônia, Amazonas, Mato Grosso e Espírito Santo.
Defasagem
A queda na produção brasileira ocorreu de maneira inversamente proporcional ao crescimento da indústria nacional de processamento das amêndoas e fabricação de chocolates. Segundo a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), a capacidade instalada no país permite atualmente a moagem de 275 mil toneladas de amêndoas. Como a produção nacional está abaixo desse volume, a indústria nacional precisa importar cacau para se manter abastecida e ativa.
Em 2018, o Brasil importou 62,4 mil toneladas de amêndoas de cacau de países do continente africano, que é o maior produtor mundial. Mais de 90% da importação são provenientes de Gana e o restante da Costa do Marfim, de acordo com balanço da AIPC.
O levantamento mostra também que, no ano passado, o Brasil comprou mais de 85 mil toneladas de chocolate, sendo que a maior parte veio da Suíça, e 35,5 mil de derivados de cacau, principalmente da Indonésia, Holanda e Costa do Marfim. Já o volume brasileiro exportado de amêndoas de cacau em 2018 foi de 616 toneladas. Os principais compradores da commodity brasileira são Japão, França e Holanda.
Já as exportações de chocolate apresentaram um volume de 28,8 mil toneladas no ano passado, com destinação majoritariamente para Argentina, Paraguai e Bolívia. “A exportação brasileira de chocolate é muito grande, foi exatamente isso que tornou esse PIB de R$ 24 bilhões”, diz Manfred Muller, coordenador-geral de Administração, Finanças, Pesquisas, Extensão e Desenvolvimento da Ceplac.
“Em termos de qualidade, o continente americano está na frente do africano. Colômbia, Equador, Venezuela têm um cacau geneticamente bem superior ao dos países africanos. E agora o Brasil também está produzindo uma amêndoa muito boa, não só de origem genética, mas principalmente pelo tratamento pós-colheita”, explica.
Expectativa de expansão
O cenário nacional ainda está em fase de recuperação, mas os especialistas e produtores apostam que a cadeia produtiva do cacau já tem condições de retomar o mesmo ritmo de décadas anteriores. A expectativa é que a produção ultrapasse a capacidade de moagem nos próximos cinco anos.
Para atingir a meta, os produtores investem em novas potencialidades de todas as etapas da cadeia, em especial no beneficiamento das amêndoas pós-colheita para fabricação de chocolate de qualidade especial.
Além de desenvolver a cultura desde o campo até a industrialização, o Brasil vem se destacando no crescimento da produtividade dos cacaueiros por hectare e na qualidade das amêndoas.
“A grande vantagem do Brasil na área da cacauicultura é que nenhum país do mundo tem todos os elos da cadeia produtiva do cacau. O Brasil é produtor, é moageiro, tem indústria de processamento e é consumidor de chocolate”, destaca Muller.
Apesar dos problemas com estiagem nos últimos anos, preço baixo e pragas, a Bahia continua com peso importante na produção nacional, em razão do aumento da produtividade por hectare e a promoção da verticalização da cadeia produtiva no sul do estado, onde já existem 70 marcas de chocolate derivadas do cacau de origem.
Mas, quando se fala em produtividade, é no Pará que os dados mais recentes apontam forte crescimento. A participação do estado no cenário nacional passou de 18%, em 2005, para 53% em 2018.
No ano passado, o Pará produziu mais de 116 mil toneladas de cacau, em aproximadamente 180 mil hectares, área plantada que equivale a menos da metade da extensão destinada à colheita na Bahia, que produziu no mesmo período pouco mais de 122 mil toneladas.
Levantamento do IBGE mostra que a alta da produção de cacau no Pará foi de 200% entre 2005 e 2018, com uma média aproximada de 6 mil toneladas por ano. “Se o Pará fosse um país, seria o oitavo maior produtor de cacau do mundo”, diz Fernando Mendes, chefe do Centro de Pesquisas do Cacau, da Superintendência da Ceplac no Pará.
Segundo os especialistas, os cacauicultores do Pará têm encontrado condições favoráveis para produção e recebido incentivos do governo local. Na Bahia, a administração estadual também tem uma proposta de dobrar a produção até 2022, passando das atuais 120 mil toneladas para 240 mil ou até 270 mil toneladas por ano.
“A planta hoje responde aos insumos e ao manejo, e resiste de certa forma à vassoura-de-bruxa. Então, o estado acredita que é possível dobrar a produção em cinco anos. E a Ceplac é parceira no programa, pois já desenvolveu a tecnologia e tem acesso aos produtores”, conta Fernando Ribeiro, assessor técnico e ambiental da Ceplac Bahia.
Por que investir no cacau?
O cacau não está entre as primeiras culturas no ranking do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, o PIB da cadeia produtiva do cacau ultrapassa R$ 20 bilhões, valor gerado principalmente pela indústria processadora das amêndoas e de produção do chocolate. Nas regiões produtoras, a cultura cacaueira mobiliza uma rede grande de mão de obra e apresenta forte impacto social, econômica e cultural.
Em todo o país, atualmente, só a indústria processadora emprega diretamente quase 29 mil pessoas, conforme dados da AIPC e do IBGE. Somente no estado do Pará, a cadeia produtiva tem o envolvimento indireto de mais de 240 mil pessoas e outras 60 mil de forma direta. Na Bahia, a região cacaueira mobiliza pelo menos três milhões de pessoas em 110 municípios.
“O cacau tem um apelo social e um apelo de sustentabilidade, um dos poucos cultivos no mundo que é sustentável mesmo. Ele é ambientalmente favorável, socialmente benéfico e economicamente viável”, ressalta Manfred Muller.