Umesh MUKHI, professor do Departamento de Administração da FGV EAESP. Bacharel em Eletrônica e Engenharia de Telecomunicações pela Universidade de Mumbai, na Índia. Posteriormente, mudou-se para a França, onde obteve seu mestrado em Administração pela Audencia Business School e doutorado na mesma área pela Universidade de Nantes.
Marco Antonio C Teixeira, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV EAESP, onde leciona nos cursos de graduação em Administração Pública e Administração de Empresas, bem como no Mestrado e Doutorado em Administração Pública e Governo e, também, no Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas.
Cuiabá não é mais uma questão de planejamento urbano, de vontade política ou capacidade econômica de financiamento, mas tornou-se um ponto em que o interesse público deve ser imperativo e decisivo para que obstáculos sejam transpostos, de modo a proporcionar a dignidade ao transporte público e condições de deslocamento dignas para o cidadão.
Investiguemos algumas perspectivas a partir das quais o governo estadual deveria reconsiderar sua visão acerca do assunto e sobre o futuro de Cuiabá.
As capitais dos estados brasileiros não podem mais atrasar o planejamento do transporte público, considerando-o uma questão de menor importância ou sucumbindo a um sentimento de serem indignas de modais do porte do veículo leve sobre trilhos. Agora que os trabalhos do VLT já estão atrasados em quase 6 anos, podemos imaginar que a persistência do atraso implicará no retardo do desenvolvimento da cidade em aproximadamente 10 ou 15 anos de planejamento. Isso é exatamente o oposto da tendência que observamos em cidades europeias onde ciclos de prosperidade econômica se refletem em infraestrutura, inclusive no transporte urbano, que normalmente combina VLT, metrô, corredor de ônibus, trens, ciclovias e muito mais.
Podemos ver a questão posta de duas maneiras: o Estado deve assegurar a dignidade e assumir seus deveres para com o bem-estar dos cidadãos. Ao não reconhecer sua incapacidade na implementação do projeto VLT, alegando o eterno problema da corrupção para descontinuar o projeto, o Poder Público deixa de dar segurança aos cidadãos, mostrando assim falta de Liderança, Governança e Visão para um futuro sustentável para os cuiabanos.
Em tempos de retrocesso em matéria de direitos fundamentais (quem imaginaria isso?), não é demais dizer que os cidadãos precisam se sentir respeitados e dispor de meios de transporte dignos. Ora, na cidade de Cuiabá, onde a temperatura pode facilmente ultrapassar 37 graus, com o aquecimento do asfalto e falta de arborização, pode se tornar insuportável andar nas ruas, o que obriga as pessoas a procurarem outros meios de transporte, como bicicletas e carros. Isso implica no aumento da chance de acidentes, do congestionamento no tráfego, da poluição e dos riscos indiretos à saúde da população, fatores que seriam atenuados com um transporte coletivo de energia limpa.
Interessante lembrar que a cidade de Nantes, na França, fez um referendo com os cidadãos quando houve uma controvérsia pública acerca de construir um aeroporto em zona econômica sensível. Ao menos isso mostra um modo democrático de conhecer a opinião pública, ao passo que, em Cuiabá, a questão aqui debatida parece passar ao largo da vontade popular. Assim, à véspera do Dia da Mobilidade, pergunta-se: as lideranças do governo do Estado reconhecem a importância da agenda impulsionada pela sustentabilidade, a qual confere dignidade e esperança? O Estado está preocupado com a opinião do cuiabano em relação ao VLT? E, muito além disso, os governantes realmente se preocupam com a dignidade dos cidadãos e seu direito de viver em um ambiente saudável, buscando um o florescimento de seu bem-estar ao invés de privá-los de meios de transporte por inércia e incapacidade?
Por fim, cabe lembrar que o Brasil permanece como signatário do Acordo de Paris e apoia as 17 metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS) com outros 195 países. Isso traz ao governo brasileiro o desafio de elaborar políticas públicas que colaborem para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e estimule ações ao combate do aumento da temperatura média global, algo que ameaça a existência humana.
A implementação do VLT de Cuiabá pelo governo do Estado do Mato Grosso é parte estratégica para a garantia do cumprimento das diferentes metas estabelecidas no acordo de Paris e reiteradas pelo Brasil no recente encontro que selou um pacto comercial do Mercosul com a União Europeia. Nesse pacto os dois blocos assumem contrapartidas sociais e ambientais presentes no capítulo “Desenvolvimento sustentável”, que também obriga os países signatários a respeitarem os direitos trabalhistas e das comunidades que devem estar protegidas, sejam elas indígenas, quilombolas ou outros grupos sociais.