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CLÁUDIA FUSCO

WandaVision: promessa da família perfeita é a ilusão da heroína imperfeita

Atenção! Esse texto contém spoilers de WandaVision.

“Lar: é aquele que você cria”. O slogan de Westview, o subúrbio fictício do seriado WandaVision, não poderia ser mais apropriado.

A cada episódio, descobrimos como essa colorida vizinhança em New Jersey, cheia de casas perfeitas, roupas vintage e vizinhos previsíveis, parece ser uma criação dos poderes de Wanda, personagem do universo Marvel vivida por Elizabeth Olsen.

A personagem que o público conheceu nos filmes dos Vingadores, da Marvel, ganhou uma série própria para contar parte da sua história. A partir do luto, Wanda teria construído uma realidade na qual seu marido, Visão (Paul Bettany), continua vivo e feliz ao seu lado, sem preocupações maiores do que esconder que é um robô ultrassofisticado ou agradar o chefe ranzinza.

Uma vida feliz e praticamente perfeita. Mas ainda que a vidinha no subúrbio pareça um destino tentador para o casal, ela tem aspectos bastante sinistros.

Mesmo que seja uma criação mágica associada a Wanda, Westview não está livre de preconceitos, propagandas sexistas e um discreto, mas profundo, sistema de regulação da vida alheia. Promessa de vida perfeita e do feminino perdido.

Nos anos 1950, a vida no subúrbio era vista como o ideal americano no pós-guerra. Entre os anos de 1948 e 1958, 85% das novas casas construídas nos Estados Unidos estavam localizadas nesses bairros.

Por consequência, a vida das pessoas se tornava muito parecida, com lares, empregos e oportunidades iguais. Qualquer um que fugisse da norma era alvo de fofoca e sabotagem ativa da comunidade.

Em “WandaVision”, um ótimo exemplo dessa regulação social é a personagem Dottie Jones (Emma Caulfield). Ela não é apenas a “abelha rainha” do subúrbio, mas também uma reguladora da ordem social. Pessoas que saem da norma — especialmente mulheres — caem no seu conceito e perdem direitos dentro da vizinhança.

Não é à toa que Wanda e Agnes (Kathryn Hahn) agem com cautela ao redor dela, e Geraldine (Teyonah Parris) é um dos seus primeiros alvos.

Originalmente, nos anos 1950, mulheres negras sequer eram aceitas na maioria dos subúrbios. A construção e ascensão dos subúrbios não apenas definiu o “modo americano de viver” ao redor de preconceitos raciais e poder econômico.

Essas práticas definiram como as mulheres deveriam se comportar nesse novo cenário, onde a vida particular é exposta, questionada e discutida na esfera pública.

Durante a Segunda Guerra Mundial, pelo menos 30% das americanas trabalhavam e contribuíam para a renda familiar de forma expressiva ou exclusiva. Quando os maridos voltaram da guerra, surgiu a questão: essas mulheres deveriam voltar para o espaço doméstico ou continuar no mercado de trabalho?

A resposta foi uma campanha massiva pelo resgate do “feminino perdido” durante a guerra. Ter uma carreira, por exemplo, não era visto como “feminino”.

A mulher ideal tinha uma casa linda, moderna e espaçosa para uma família grande, e as engrenagens dos subúrbios eram movidas por essas expectativas. Da porta pra fora, só sorrisos

De acordo com Betty Friedan, autora de “A Mística Feminina”, a imprensa americana passou a bombardear mensagens sobre as alegrias da vida de casada, criação de filhos e como apimentar relações sexuais; tudo para delimitar a vida da mulher americana ao espaço doméstico.

O problema é que as mulheres americanas estavam profundamente infelizes com esse modelo de vida, mas não podiam falar a respeito.

Contrariar as expectativas da sociedade é sempre um desafio, mas em um espaço tão regulado como o subúrbio, isso se tornava ainda mais difícil. Em “WandaVision”, Agnes é um exemplo da mulher insatisfeita por obedecer à norma, sempre reclamando do marido (mas presa a ele) e bebendo escondido. Até Wanda é vítima da alta regulação do bairro.

No começo da série, ela faz de tudo para não ser notada como uma bruxa, mas com o passar das décadas, vai ganhando mais autonomia para mostrar seus poderes.

A vida perfeita não preenche o vazio Mas então, qual o sentido de Wanda e Visão buscarem conforto no subúrbio aos moldes antigos, esse modelo de excessiva regulação e controle da vida das mulheres? Há algumas pistas ao longo da série, como a tradição da família Maximoff de assistir a séries antigas, recheadas de felicidade conjugal e familiar. Sem dúvida, era isso que Visão e Wanda desejavam para o futuro.

Porém, no fim, o que fica claro é que essa “vida perfeita” criada não passa mesmo de uma ilusão. Talvez Wanda, assim como as mulheres dos anos 1950, realmente tivesse esperança de que casas bonitas e vestidos rodopiantes preenchessem o vazio da falta de propósito e do luto.

Naturalmente, isso não acontece. É apenas se permitindo sair da ilusão e viver seus sentimentos que Wanda pode se reconciliar com as perdas e ver a beleza que existe fora da cidade que construiu para si mesma. Uma lição para ela e para muitas mulheres que ainda se projetam em estereótipos inatingíveis.

*Cláudia Fusco é escritora, roteirista, professora e mestre em estudos de ficção científica pela Universidade.

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