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INOVADORA

Solução contra lixo plástico que produzimos

Alamy via BBC

Existe um material feito pelo homem que você pode encontrar na terra, no ar e nas profundezas do oceano.

É tão durável que a maior parte do que foi criado ainda está presente em nosso ecossistema.

Uma vez na cadeia alimentar, ele permeia nossos corpos, fluindo do nosso sangue para nossos órgãos, chegando até mesmo à placenta humana.

Estamos falando do plástico, e essa durabilidade é também o que faz dele um material tão útil. Cabos que se estendem pelo fundo do oceano, tubulações de água subterrâneas e embalagens que mantêm os alimentos frescos, tudo depende dessa propriedade.

A reciclagem eficiente do plástico por meios convencionais ainda é difícil, e apenas 9% de todo o plástico já produzido foi reciclado em plásticos novos.

Mas e se houvesse uma maneira de transformar o plástico de volta no material do qual foi feito?

O “próximo grande desafio” para a química de polímeros — área responsável pela criação dos plásticos — é aprender a desfazer o processo e transformar o plástico novamente em óleo.

Este processo — conhecido como reciclagem química — tem sido explorado como uma alternativa viável à reciclagem convencional por décadas.

Até agora, o obstáculo tem sido a grande quantidade de energia necessária.

Isso, combinado ao preço volátil do petróleo bruto, às vezes torna mais barato produzir novos produtos de plástico do que reciclar o plástico existente.

Todos os anos, mais de 380 milhões de toneladas de plástico são produzidas em todo o mundo.

Conheça os desafios enfrentados com a reciclagem do plástico no Brasil

A título de comparação, isso equivale a quase o mesmo que 2,7 milhões de baleias azuis — ou mais de 100 vezes o peso de toda a população de baleias azuis.

Apenas 16% dos resíduos plásticos são reciclados para fazer novos plásticos, enquanto 40% são enviados para aterros sanitários, 25% para incineração e 19% são descartados no meio ambiente.

Grande parte do plástico que poderia ser reciclado — como o polietileno tereftalato (PET), usado em garrafas de refrigerante e outras embalagens — vai parar em aterros sanitários.

Muitas vezes, isso se deve à confusão sobre o que pode ou não ser reciclado e à contaminação com alimentos ou outros tipos de resíduos.

Outros plásticos — como sacos de salada e outros recipientes de comida — vão parar no aterro porque são feitos de uma combinação de diferentes plásticos que não podem ser facilmente separados em uma usina de reciclagem.

O lixo jogado na rua e os plásticos leves deixados em aterros sanitários ou despejados ilegalmente podem ser levados pelo vento ou arrastados pela chuva para os rios, acabando no oceano.

A reciclagem química é uma tentativa de reciclar o que não é reciclável.

Em vez de um sistema em que alguns plásticos são rejeitados porque são da cor errada ou feitos de compósitos, a reciclagem química poderia permitir que todos os tipos de plástico alimentem um sistema de reciclagem “infinito”, que transforma os plásticos de volta em óleo, para que possam ser usados ​​na fabricação de plástico novamente.

A forma como o plástico é reciclado atualmente é mais uma espiral descendente do que um loop infinito.

Os plásticos são geralmente reciclados mecanicamente: são separados, limpos, triturados, derretidos e remodelados. Cada vez que o plástico é reciclado dessa forma, sua qualidade diminui.

Quando o plástico é derretido, as cadeias poliméricas são parcialmente quebradas, diminuindo sua resistência à tração e viscosidade, tornando-o mais difícil de processar.

O plástico reciclado, de qualidade inferior, muitas vezes se torna inadequado para uso em embalagens de alimentos, e a maioria dos plásticos pode ser reciclada um número bastante limitado de vezes antes de se degradar a ponto de se tornar inutilizável.

A indústria emergente de reciclagem química tem como objetivo evitar esse problema, fragmentando o plástico em seus blocos de construção químicos, que podem então ser usados ​​como combustíveis ou para fabricar novos plásticos.

A versão mais versátil da reciclagem química é a “reciclagem da matéria-prima”.

Também conhecida como conversão térmica, a reciclagem de matéria-prima é qualquer processo que quebre os polímeros em moléculas mais simples usando calor.

O processo é bastante simples — vejamos o que acontece com uma garrafa de plástico.

Você a joga fora junto com o lixo reciclável para coleta. Ela é levada, junto com todos os outros resíduos, para uma unidade de triagem. Lá, o lixo é separado, mecanicamente ou manualmente, em diferentes tipos de materiais e diferentes tipos de plásticos.

Sua garrafa é lavada, triturada e empacotada em fardos, pronta para ser transportada até a central de reciclagem — até agora, igual ao processo convencional.

Em seguida, vem a reciclagem química: o plástico que antes compunha sua garrafa pode ser levado para um centro de pirólise, onde é derretido.

Na sequência, é colocado em um reator de pirólise, onde é aquecido a temperaturas extremas.

Este processo transforma o plástico em um gás que é então resfriado para condensar em um líquido semelhante ao óleo e, finalmente, destilado em frações que podem ser utilizadas para diferentes fins.

As técnicas de reciclagem química estão sendo testadas em todo o mundo. A empresa Recycling Technologies, do Reino Unido, desenvolveu uma máquina de pirólise que transforma plásticos difíceis de reciclar, como filmes, sacolas e plásticos laminados, em Plaxx (tipo de óleo).

Esta matéria-prima de hidrocarboneto líquido pode ser usada para fabricar plásticos virgens de qualidade. A primeira unidade em escala comercial foi instalada em Perth, na Escócia, em 2020.

Já a empresa Plastic Energy possui duas usinas de pirólise em escala comercial na Espanha e planeja expandir para a França, Holanda e Reino Unido.

Essas usinas transformam resíduos plásticos difíceis de reciclar, como embalagens de confeitaria, sacos de ração e de cereais matinais em uma substância chamada “TACOIL”.

Esta matéria-prima pode ser usada para fazer plásticos próprios para alimentos.

Nos EUA, a empresa química Ineos se tornou a primeira a usar uma técnica chamada despolimerização em escala comercial para produzir polietileno reciclado, que vai para sacolas e plástico filme.

A Ineos também tem planos de construir várias usinas de reciclagem de pirólise novas.

No Reino Unido, a Mura Technology iniciou a construção da primeira fábrica em escala comercial do mundo capaz de reciclar todos os tipos de plástico.

A usina pode tratar plásticos mistos, plásticos coloridos, plásticos de todas as composições, em todos os estágios de decomposição, até mesmo plásticos contaminados com alimentos ou outros tipos de resíduos.

A técnica “hidrotérmica” da Mura é um tipo de reciclagem de matéria-prima que usa água dentro da câmara do reator para propagar o calor uniformemente. Aquecida a temperaturas extremas, mas pressurizada para impedir a evaporação, a água se torna “supercrítica” — um estado que não é sólido, líquido nem gasoso.

É o uso de água supercrítica, evitando a necessidade de aquecer as câmaras pelo lado de fora, que Mura diz que torna a técnica inerentemente escalonável.

“Se você aquecer o reator por fora, é muito difícil manter uma distribuição uniforme da temperatura. Quanto maior, mais difícil fica. É um pouco como cozinhar”, explica o presidente-executivo da Mura, Steve Mahon.

“É difícil fritar um bife grande por completo, mas se você ferver, é fácil ter certeza de que está cozido uniformemente.”

Os resíduos de plástico chegam ao local em fardos — várias camadas de plástico contaminado, como filmes flexíveis e bandejas rígidas que, de outra forma, teriam ido para incineração ou usinas que geram energia a partir de resíduos.

Os fardos são colocados na instalação de triagem inicial para remover quaisquer contaminantes inorgânicos, como vidro e metal.

Contaminantes orgânicos, como resíduos de alimentos ou do solo, podem passar pelo processo. O plástico é então triturado e limpo, antes de ser misturado com a água supercrítica.

Uma vez que este sistema de alta pressão é despressurizado e os resíduos saem dos reatores, a maior parte do líquido evapora.

Este vapor é resfriado em uma coluna de destilação, e os líquidos condensados ​​são separados em diferentes pontos de ebulição para produzir quatro hidrocarbonetos líquidos e óleos: nafta, gasóleo destilado, gasóleo pesado e resíduo de cera pesada, semelhante ao betume.

Estes produtos são então transportados para a indústria petroquímica.

Assim como acontece com outras técnicas de matéria-prima, não há ciclo descendente, uma vez que as ligações de polímero podem ser formadas novamente, o que significa que os plásticos podem ser reciclados infinitamente.

Com uma taxa de conversão de mais de 99%, quase todo o plástico se transforma em um produto útil.

“O elemento hidrocarboneto da matéria-prima será convertido em novos produtos de hidrocarbonetos estáveis ​​para uso na fabricação de novos plásticos e outros produtos químicos”, diz Mahon.

Mesmo os materiais de preenchimento usados ​​em alguns plásticos — como calcário, corantes e plastificantes — não são um problema.

“Eles caem em nosso produto mais pesado de hidrocarboneto, o resíduo pesado de cera, que é um aglutinante do tipo betume para uso na indústria de construção.”

Os gases quentes e excedentes gerados durante o processo serão usados ​​para aquecer a água, aumentando sua eficiência energética, e a usina será abastecida com 40% de energia renovável.

“Queremos usar o máximo de energia renovável possível e buscaremos, sempre que possível, chegar a 100%”, diz Mahon.

A usina de Teesside da Mura, com conclusão prevista para 2022, tem como objetivo processar 80 mil toneladas de resíduos de plástico que até então não eram reciclados ​​todos os anos — e servirá de modelo para implementação global, com instalações planejadas na Alemanha e nos Estados Unidos.

Em 2025, a empresa pretende fornecer 1 milhão de toneladas de capacidade de reciclagem em operação ou desenvolvimento no mundo.

“[Nossa] reciclagem de resíduos plásticos em matérias-primas virgens equivalentes oferece os ingredientes para criar plásticos 100% reciclados, sem limite para o número de vezes que o mesmo material pode ser reciclado — desvinculando a produção de plástico dos recursos fósseis e inserindo o plástico em uma economia circular”, explica Mahon.

Cientistas como Sharon George, professora de Ciências Ambientais na Universidade de Keele, no Reino Unido, veem com bons olhos a iniciativa da Mura.

“Isso supera o desafio da qualidade ao ‘desfazer’ o polímero plástico para nos oferecer os blocos de construção químicos brutos para começarmos de novo”, diz George.

“Esta é a verdadeira reciclagem circular.”

Ainda assim, nos últimos 30 anos, a reciclagem química revelou sérias limitações. Consome muita energia, tem enfrentado desafios técnicos e é difícil de expandir para níveis industriais.

Em 2020, um relatório da Aliança Global para Alternativas à Incineração (Gaia, na sigla em inglês), um grupo de organizações e indivíduos que promove movimentos sociais para reduzir o desperdício e a poluição, concluiu que a reciclagem química é poluente, consome muita energia e está sujeita a falhas técnicas.

O relatório apontou que a reciclagem química não era uma solução viável para o problema do plástico, sobretudo no ritmo e na escala necessários.

Além disso, se o produto final da reciclagem química for um óleo usado como combustível, o processo não reduzirá a necessidade de plástico virgem, e a queima desses combustíveis liberaria gases de efeito estufa, exatamente como os combustíveis fósseis comuns fazem.

“As ONGs ambientais estão de olho nos métodos de reciclagem emergentes”, diz Paula Chin, especialista em materiais sustentáveis ​​da WWF, ONG de preservação ambiental.

“Estas tecnologias estão numa fase inicial e não são de forma alguma a solução mágica para o problema dos resíduos plásticos. Devemos nos concentrar em aumentar a eficiência dos recursos como uma forma de minimizar o desperdício por meio de uma maior reutilização, refis e sistemas de reparo — e não dependendo da reciclagem como salvador.”

Mas a Mura argumenta que sua usina preencherá um nicho muito necessário.

“A reciclagem [química] é um setor novo, mas a escala em que está se desenvolvendo, especificamente na Mura, mostra a necessidade urgente de novas tecnologias para enfrentar o problema crescente de resíduos de plástico e vazamento ambiental, e uma oportunidade para reciclar um recurso disponível valioso, que atualmente vai ser desperdiçado”, afirma Mahon.

O processo da Mura visa complementar a infraestrutura e os processos mecânicos existentes, e não competir com eles, reciclando materiais que de outra forma iriam parar em aterros, incineradores ou no meio ambiente.

Todos os resíduos plásticos que a empresa processa serão transformados em plásticos novos ou em outros materiais, nenhum será queimado como combustível.

A Mura diz esperar que o uso de água supercrítica para transferência eficiente de calor permita à companhia expandir para níveis industriais, reduzindo o uso de energia e os custos.

Pode ser um fator crucial para o sucesso numa área em que houve tanto fracasso.

Um dos principais motivos pelos quais a reciclagem química não decolou até agora foi o colapso financeiro.

Em um relatório de 2017, a Gaia citou vários projetos que fracassaram, incluindo a instalação da Thermoselect, na Alemanha, que perdeu mais de US$ 500 milhões (R$ 2,5 bilhões) em cinco anos; a Interserve, no Reino Unido, que perdeu US$ 100 milhões (R$ 506 milhões) em vários projetos de reciclagem química; e muitas outras empresas que faliram.

A dificuldade financeira é algo que tem impedido não apenas a reciclagem química, mas todos os tipos de reciclagem de plástico.

“Não faz sentido do ponto de vista econômico. Coletar, fazer a triagem e reciclar embalagens é simplesmente mais caro do que produzir embalagens virgens”, explica Sara Wingstrand, gerente de projetos de economia de novos plásticos na Fundação Ellen MacArthur, ONG estabelecida em 2010 com a missão de acelerar a transição rumo a uma economia circular.

Segundo ela, o único caminho para o “financiamento dedicado, contínuo e suficiente em larga escala” da reciclagem é por meio de esquemas de Responsabilidade Estendida do Produtor (REP) baseados em taxas. A REP uma estratégia de mercado destinada a promover a integração dos custos ambientais associados com os produtos ao longo da sua vida, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Todas as indústrias que introduzem o plástico contribuiriam com fundos para coletar e processar suas embalagens após o uso.

“Sem isso, é muito improvável que a reciclagem de embalagens seja escalonada na medida necessária”, diz Wingstrand.

Mas Mahon acredita que um sistema como o da Mura é outra forma de tornar a reciclagem de plástico viável economicamente, produzindo um óleo que pode ser vendido com lucro.

A Mura anunciou recentemente parcerias com as fabricantes de plástico Dow e Igus GmbH, além da construtora KBR.

“O interessante aqui é que a Mura pode encontrar valor em plásticos que geralmente não são economicamente viáveis para reciclar mecanicamente”, avalia Taylor Uekert, pesquisadora do Cambridge Creative Circular Plastics Centre, instituto de pesquisa para a eliminação de resíduos plásticos ligado à Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Mesmo com a capacidade de “desfazer” todos os tipos de plástico para que possam ser reutilizados novamente, é improvável que todos os problemas relativos à poluição por plástico desapareçam.

Enquanto continuar parando em aterros sanitários e no meio ambiente, o plástico seguirá cumprindo a missão para o qual foi criado: durar.

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