Dois meses após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir que o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é taxativo — o que significa que só é obrigatória a cobertura pelos planos de saúde dos procedimentos listados —, os tribunais inferiores continuam a conceder a consumidores a cobertura pelas operadoras de procedimentos fora da lista. A questão ainda será discutida na próxima semana no Senado, no projeto de lei 2033/22, que pode terminar que o rol seja exemplificativo, ou seja, uma referência.
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Boa parte das decisões menciona na sentença o entendimento do STJ, mas os magistrados avaliam que os casos em discussão se enquadram nas regras de excepcionalidade ou ressaltam que não se trata de decisão vinculante, que precisa ser seguida por outros tribunais.
“Não houve até agora impacto negativo do novo entendimento do STJ nas decisões dos tribunais inferiores. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve o entendimento de cobrir tratamentos fora do rol. Claro que não é qualquer tratamento, mas aqueles prescritos que tenham eficácia reconhecida, com relatório médico”, destaca o advogado Rafael Robba, especialista em Saúde, do escritório Vilhena e Silva.
Apesar de não haver um levantamento global sobre decisões no Tribunal de Justiça do Rio, o desembargador Cesar Cury diz que a tendência é que, em casos-limite, as decisões reconheçam o direito aos procedimentos fora do rol:
“O reconhecimento da taxatividade do rol pelo STJ tem um efeito pedagógico, mas uma baixíssima efetividade. Há uma cultura muita arraigada de preservação do direito à dignidade humana, à vida, à saúde, em detrimento de outras questões de ordem atuarial, regulatória e até mesmo econômica”.
Renato Casarotti, presidente da Abramge, associação de planos de saúde, diz que não havia expectativa de “virada de chave” nas decisões a partir do novo entendimento do STJ:
“A mudança efetiva se dará quando os casos chegarem ao STJ e o novo entendimento for aplicado e a tendência se consolidar. A nova jurisprudência não demora meses, mas anos para ser consolidada”.
Para a advogada Claudineia Jonhsson, sócia fundadora da Araújo e Jonhsson Advogados Associados, alguns juízes, no entanto, passaram a ser mais criteriosos na sua concessão e requisitar mais documentos comprobatórios:
“Apesar da decisão do STJ não ser vinculante, depois dela alguns magistrados procuram no relatório do médico do paciente a justificativa para a indicação, se tem uma doença cujo arsenal terapêutico do rol já foi utilizado ou não tem indicação em razão de alguma peculiaridade”.
Os especialistas apontam como um efeito da decisão do STJ um arrefecimento da postura das operadoras.
“Se apenas uma minoria obtinha a concessão de procedimentos fora do rol de forma administrativa, esse número se reduziu drasticamente”, diz Marina Paulelli, advogada especializada em Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Na expectativa da nova lei
A advogada pondera ainda que os critérios firmados pelo STJ para excepcionalidade, como comprovação de que não há procedimento similar no rol e esgotamento de alternativas também dificultam o ingresso do consumidor na Justiça.
Robba destaca que os magistrados, baseando-se no Código de Defesa do Consumidor (CDC), têm imputado às operadoras o ônus da comprovação de que há alternativa no rol ao procedimento requisitado em juízo:
“Se o consumidor tivesse que fazer essa comprovação dificultaria muito a sua defesa”.
Se o Congresso aprovar que o projeto que pretende tornar o rol exemplificativo, a expectativa, diz Marina, é que o consumidor não precise mais ir ao Judiciário pedir a cobertura de procedimentos fora da lista:
“Se cumprir os critérios que a lei estabelece, isso deveria ser resolvido administrativamente. O objetivo da lei é superar as restrições de cobertura apresentadas pelo STJ”.
Na visão de Casarotti, da Abramge, no entanto, o projeto no Senado traz risco não só para as contas das operadoras, mas à segurança do próprio consumidor.
“O projeto estabelece dois critérios: comprovação científica de eficácia e/ou que tenha sido aprovado por algum órgão de renome internacional. Mas os critérios não são cumulativos. Isso quer dizer que podemos ter que cobrir um procedimento que não tenha sido aprovado em nenhuma parte do mundo e que acabará ficando para o juiz decidir sobre a comprovação de eficácia”.
Alessando Acayba de Toledo, presidente da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab), pondera que um debate sobre o rol que levou cinco anos no STJ pode ser decido no Congresso em menos de um mês:
“Há um viés populista na discussão, às vésperas da eleição. Uma medida que se comemora agora pode ter impacto ruim no futuro, pois as contas não vão fechar e isso vai ocasionar aumento de preço. Pesquisa recente da Anab mostrou que 47% dos brasileiros precisaram fazer ajustes no orçamento para manter o plano, mas há quem não tenha mais o que cortar”.
Fonte: IG ECONOMIA