Engravidar é um grande sonho para milhões de mulheres ao redor do mundo. Seja por conta de se relacionarem com parceiras do mesmo sexo ou por terem parceiros inférteis, muitas dessas mulheres buscam por ajuda profissional para conseguirem conceber. No campo da medicina, a principal alternativa é a inseminação artificial.
Por meio da seleção de gametas geneticamente saudáveis, a inseminação artificial é realizada pela inserção de espermatozoides no útero da mulher. Em 15% a 25% dos casos, a gravidez se torna uma realidade para essas pacientes.
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Por mais que a inseminação artificial seja recomendada pelos médicos e autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), esse método ainda não é financeiramente acessível para a população do país. No Brasil, o custo de uma sessão de inseminação varia entre 2 a 5 mil reais, conforme as necessidades da paciente em questão.
Para muitas pessoas, o sonho de engravidar ultrapassa as regras da medicina e as limitações financeiras. Por isso, na tentativa de driblar os altos valores cobrados pelas clínicas e o desejo incessante pela gravidez, essas mulheres buscam pela opção mais barata e informal: a inseminação caseira.
A inseminação caseira é uma forma de reprodução sem a ajuda de médicos ou da consumação do ato sexual. “Ela ocorre com uma amostra seminal, onde é realizada uma auto inoculação por meio da inserção desse material dentro da vagina”, explica o ginecologista e obstetra Renato de Oliveira.
A maioria das mulheres que buscam por esse tipo de concepção são homossexuais que buscam por um filho, mas não conseguem arcar com os custos de clínicas profissionais, como é o caso de Maria* (35), natural de Taubaté (SP). Desde que se casou com Luzia* (42), em 2018, o casal sonhava em se mudar para a capital para buscar por uma inseminação artificial acessível.
“Foi quando meu amigo me mostrou um grupo no Facebook de inseminação caseira. Na hora, achei loucura e perguntei: ‘como que vou engravidar de alguém assim?’. Mas, quando vi que eram basicamente pessoas de confiança, tentei e consegui”.
Maria conta que encontrou o doador, Júnior* (27), no mesmo grupo. Após conhecer um pouco mais do doador, eles iniciaram as tentativas. Depois de dois meses, o resultado: ela estava grávida. “Foi uma comemoração e tanto”, explica a mulher. “Sei que foi meio arriscado, mas eu queria tanto que nem pensei nisso”.
Além de ser utilizado por casais heterossexuais que sofrem com infertilidade, a fertilização caseira também é procurada por mulheres solteiras que desejam criar seus filhos sozinhas.
Assim como Maria, milhares de ‘tentantes’, nome dado para as mulheres que tentam engravidar de forma caseira, buscam por doadores por meio das redes sociais. No Facebook, principal rede de caça de doadores, os cinco principais grupos de inseminação caseira acumulam mais de 130 mil membros de todo o Brasil.
Alguns grupos exigem exames prévios de HIV e sífilis dos possíveis pais para que a fertilização ocorra. Na maioria das vezes, as tentantes publicam o pedido nos grupos com suas exigências e aguardam por doadores próximos.
Os grupos são geralmente divididos por estado ou região, mas existem doadores e tentantes que viajam por todo país em troca do tão sonhado resultado ‘positivo’. Os doadores não cobram pelo material genético, mas as mães “costumam oferecer um cafezinho e pagam pela locomoção, além do pote e da seringa que vão ser utilizados para a fertilização”, detalha Maria.
A fertilização
Algumas mães buscam por doadores com a aparência similar a dos atuais parceiros, para que não seja necessário explicar para a família sobre como a criança foi concebida.
“Eu mandei no grupo que precisava de um doador um pouco baixinho, com pele bronzeada e de cabelos enrolados ou crespos. Era mais fácil encontrar alguém esteticamente parecido com meu esposo do que explicar que ele não seria pai dos meus filhos. Foi assim que meu bebê saiu tão parecido com o pai, mesmo que não fosse de verdade filho dele”, explica Sandra*, administradora de um grupo de doação no WhatsApp e moradora de Avaré (SP).
Os encontros costumam ser na casa das tentantes, como afirma Sandra: “As mães geralmente chamam os doadores para conversar primeiro em um lugar público. Depois, quando está tudo certo, o doador vai para a casa da mulher, onde ele ejacula em um potinho, objeto onde ela suga o esperma com uma seringa e espera”.
“Nossa dica é que a mãe fique de pernas para cima. Também sempre falo para que o esperma seja recente, então é muito difícil o doador levar o potinho pronto para evitar o constrangimento da masturbação”, diz.
Ao contrário da inseminação artificial, onde é recomendado que um doador não produza mais que 2 gestações de sexos diferentes em uma área de 1 milhão de habitantes, não existe um limite certo para a quantidade de ‘positivos’ que um doador pode ter.
Jefferson*, doador de Marília (SP), afirma ter mais de 100 ‘positivos’, nome utilizado pelos doadores para se referenciarem a seus filhos biológicos. “Eu perdi a conta, na verdade. Comecei isso em 2014, ajudando uma colega de trabalho a engravidar. Depois, foi indo e acabei entrando num grupo de WhatsApp aqui da região”.
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Perguntado sobre qual o motivo por trás de tantas doações, o paulista afirma que, por ter perdido os pais muito cedo, gosta de exercer essa função, mesmo que seja em segredo. “Não sou muito de casar, nem nada, mas eu gosto de doar e ver a felicidade das mulheres quando elas engravidam e podem seguir com a vida sem esse problema todo da infertilidade”.
Jefferson também conta que nenhuma mãe nunca o procurou em busca de pensão alimentícia ou de qualquer outro direito. “Por enquanto, nada. E olha que já faz quase oito anos que estou nessa caminhada. Nenhuma criança foi registrada em meu nome, e eu não pago ‘trezentinhos’ para ninguém no fim do mês”, declara.
Riscos
Por mais que a inseminação artificial seja relativamente sem custos e muito simples de ser realizada, ela também oferece diversos riscos biológicos e legais para todos os envolvidos.
Segundo a advogada Thaís Maia, mestre em bioética e sócia do escritório Maia & Munhoz Consultoria e Advocacia, os riscos jurídicos são enormes nessa situação. “Quando um paciente, um casal, busca uma clínica de reprodução assistida, eles vão ter certeza que esse doador do sêmen não vai ter nenhum direito sobre a eventual prole que venha porque está fazendo tudo dentro da regulamentação”, afirma.
A advogada afirma que, por não existir uma legislação específica para esse método, o pai doador tem total direito de solicitar a guarda da criança, mesmo sem nenhum contato prévio. “Quem doa gametas para os laboratórios sabe que ao fazer isso está abrindo mão de qualquer direito em relação a uma criança que venha nascer desse gameta. A pessoa que busca a inseminação caseira não tem nenhum tipo de segurança, porque é um procedimento que não está sendo feito de acordo com a regulamentação”.
Além da guarda, os filhos do doador também podem sofrer consequências dessa falta de regulamentação, já que o direito brasileiro também garante a obrigação com os pais, como afirma o Estatuto do Idoso. “Os filhos também são responsáveis pelos pais, e esse filho pode ser procurado pelo doador requerendo algum tipo de coisa, baseado no estatuto”.
Os riscos biológicos também ameaçam a saúde e segurança das crianças. Na inseminação artificial, o doador precisa realizar dezenas de exames para comprovar a saúde dos gametas, como o espermograma, o rastreio de doenças genéticas e os exames de ISTs. Nenhum desses processos é garantido com a inseminação caseira.
“Esse sêmen não é tratado, então não existe nenhum tipo de tratamento, de seleção desse sêmen. Muitas vezes a pessoa que se dispôs a ser esse doador demonstra ser saudável, apresenta exames de sangue, mas existem várias outras condições que não aparecem em exames mais simples”, explica a advogada.
O ginecologista e obstetra Renato de Oliveira reforça que, ao contrário da doação de sêmen em clínicas reguladas, a doação caseira é legalmente considerada como paternidade. “O doador na inseminação artificial tem o direito garantido de anonimato. Quem doa sêmen, mesmo que assine um papel garantindo ser apenas um doador, continua sem esse direito de anonimato”.
“Recomendo que pessoas que desejam engravidar ou doar procurem uma clínica séria e devidamente regulamentada, para que possam fazer as técnicas de reprodução assistida com segurança e com uma maior efetividade”, finaliza o médico.
Fonte: IG Mulher