Em uma semana de operação, o crédito consignado a beneficiários do Auxílio Brasil coleciona cerca de duas mil reclamações nas redes sociais, canais oficiais e sites de reclamação, de acordo com monitoramento realizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC).
Entre os dias 11 e 17 de outubro, o Instituto fez um levantamento e encontrou queixas graves contra as três instituições financeiras que operam a modalidade de crédito – Caixa Econômica Federal, Banco Pan e a fintech MeuTudo. O Banco Pan afirma que “por ora, não receberá novas propostas” do consignado a beneficiários do Auxílio Brasil. Confira o posicionamento completo dos bancos no final desta matéria.
Ione Amorim, coordenadora do programa de serviços financeiros do IDEC, que participou do monitoramento, afirma que as queixas começaram com problemas operacionais, mas escalaram para questões mais graves.
No início da semana, quando o crédito consignado foi liberado para os beneficiários, as principais reclamações eram a respeito de problemas no acesso, instabilidade técnica e falta de respostas por parte das instituições financeiras.
No decorrer da semana, outras queixas mais graves começaram a aparecer, como ligações oferecendo a linha de crédito a clientes, o que é considerado assédio ao consumidor pelo IDEC, e venda casada. De acordo com Ione, houve o oferecimento de seguro prestamista de forma associada ao consignado.
“Falta informação, clareza e transparência para a pessoa entender o que está contratando”, afirma Ione, que aponta que os consumidores não estão tendo acesso às informações de seus contratos de forma bem explicada, assim como não há transparência por parte das instituições financeiras quando o crédito é negado ou aprovado em valor diferente.
A Caixa afirma que “toda a jornada de contratação no canal usa linguagem simples e usabilidade simplificada” e que a possibilidade de contratação do seguro prestamista pelo canal Caixa Tem é bem explicada.
Paciência e planejamento são essenciais para não se endividar
Ione afirma que a linha de crédito pode causar grandes dívidas caso não seja utilizada com planejamento. Por isso, o IDEC defende que deveria haver mais orientação e educação financeira na hora de oferecer o crédito.
“O Ministério da Cidadania entende que educação financeira é só colocar um formulário para as pessoas responderem se têm ciência do que é tomar crédito e do comprometimento futuro de renda, mas isso não é educação financeira. Isso está sendo cumprido protocolarmente através de um formulário que às vezes o consumidor nem lê, não quer dizer que ele foi orientado”, avalia Ione.
O portal iG entrou em contato com o Ministério da Cidadania, que não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Já que a orientação não é dada institucionalmente, a especialista aconselha os beneficiários do Auxílio Brasil a não contratarem o crédito por impulso. “Há o efeito de manada de todo mundo achar que está sendo beneficiado com uma coisa muito favorável, quando isso na verdade é apenas crédito com o custo caro. Tem uma taxa de juros elevada que vai comprometer a vida dessas famílias por 24 meses”, alerta Ione.
Na Caixa, por exemplo, os juros são de 3,45% ao mês, o que equivale a 41,4% ao ano.
Para Ione, os beneficiários não devem contratar o crédito apenas porque ele está disponível, mas sim se planejar e aderir à modalidade somente se houver um fim específico e necessário para o dinheiro – como empreender ou resolver uma emergência.
Além disso, Ione aconselha os beneficiários a colocarem os valores na ponta do lápis e contratarem a menor quantidade de crédito possível, dividindo no menor número de parcelas que conseguir. “A gente viu vários relatos de pessoas dizendo, por exemplo, que precisam comprar um medicamento. Isso faz sentido, mas o que vem em mente é que o medicamento não custa R$ 2.400 [valor máximo do empréstimo]. Vamos supor que custe R$ 200, mas a pessoa precisa para alguns meses. Então, que pegue empréstimo de R$ 500 ou R$ 600, ou até R$ 1.000, e pague em 12 parcelas. Tem que ter o mínimo de planejamento”, exemplifica.
A especialista orienta que uma pergunta sempre seja feita: “precisa ser R$ 2.400?”. “Existe essa alternativa [o crédito consignado], mas ela não precisa ser explorada na sua capacidade máxima. A gente vê um risco muito severo de aprofundamento do quadro de endividamento do país”, afirma Ione.
O que dizem os bancos
Procurado pela reportagem, o Banco Pan afirma que segue as regras do Ministério da Cidadania e que pode tomar medidas administrativas em casos de irregularidades.
“O Banco PAN é um dos principais players no mercado de consignado, optou por participar dessa modalidade de empréstimo aos beneficiários do Auxílio Brasil e, por ora, não receberá novas propostas. O PAN informa que cumpre rigorosamente as determinações da Portaria que regulamentou o tema, bem como notificou oficialmente todos os seus parceiros sobre os procedimentos da regulamentação e esclarece que quaisquer desvios e irregularidades identificados pelo Banco na oferta dos produtos estarão sujeitos às medidas administrativas cabíveis” , afirma o banco, em nota.
A Caixa também afirma que cumpre as determinações, e diz repudiar a prática de venda casada. Confira o posicionamento completo:
“A CAIXA ressalta que cumpre rigorosamente a regulamentação da Portaria Nº 816 do Ministério da Cidadania, de 26 de setembro de 2022, vetando abordagens e ofertas proativas do consignado do Auxílio Brasil. Esta orientação tem sido reforçada em materiais disponibilizados e em alinhamento com a rede de agências, correspondentes bancários e lotéricos.
Ratificamos ainda que o banco repudia a prática de venda casada e possui estrito Código de Ética que orienta a atuação de toda sua rede de atendimento no sentido de prestar informações corretas aos clientes, respeitando seus direitos de consumidores. O descumprimento às normas externas e internas é apurado e passível de medidas cabíveis.
Quanto à disponibilidade de contratação do seguro prestamista pelo canal CAIXA Tem, são informadas as opções ‘com seguro’ e ‘sem seguro’, que aparecem desmarcadas para que o cliente faça a opção, além de ser evidenciada a alteração dos valores do contrato. Toda a jornada de contratação no canal usa linguagem simples e usabilidade simplificada, de forma a garantir melhor compreensão por parte do público, em grande parte, vulnerável. No caso do valor da prestação, ela é também definida pelo cliente, tendo como limite o valor máximo de consignação”.
A reportagem tentou contato com a fintech MeuTudo, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.