G1 MEIO AMBIENTE
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A expansão na energia eólica no Brasil foi tão rápida que a maioria dos brasileiros ignora que o país já é sexto maior produtor desta fonte renovável, louvada pela capacidade de redução das emissões de gases de efeito estufa.
Mas o que muita gente também não sabe é que a instalação disseminada de usinas eólicas pelo Nordeste tem sido fonte de dor de cabeça para populações locais e ambientalistas, além de uma ameaça para os ecossistemas, principalmente no bioma da Caatinga.
O setor disparou nos últimos 15 anos, quando o Brasil acordou para o potencial dos seus ventos e enquanto o mundo buscava fontes de energia menos prejudiciais ao planeta. Em pouco tempo, mais de 870 parques eólicos foram espalhados em 12 Estados, com capacidade instalada de geração de 24,1GW, conforme dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). A entidade estima um potencial de 1,5 mil GW, para esta que já é responsável pela segunda maior produção de energia no país, atrás apenas das hidrelétricas, com 12% de participação na matriz nacional.
Em teoria, esse resultado seria motivo de orgulho nacional – reivindicado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em busca de outro foco ambiental para além da Amazônia, e agora igualmente estimulado pela equipe de Lula. O assunto esteve na pauta das negociações na recente viagem do petista à China.
Projeto de companhia francesa embargado na Bahia
Mas o embargo, nesta semana, da megaobra de instalação de um complexo eólico em Canudos, na Bahia, sinaliza que os ventos não estão tão favoráveis assim – pelo menos não do ponto de vista ambiental. A Justiça estadual suspendeu as licenças de instalação e de operação da usina, um projeto da companhia francesa Voltalia, uma das gigantes do setor.
Autores da ação, os Ministérios Públicos Estadual e Federal no Estado deram voz a comunidades locais preocupadas com o impacto do complexo na fauna e na vegetação, a exemplo do que já vem se repetindo em outros Estados da região, como Rio Grande do Norte e Ceará. As promotorias alegaram irregularidades na concessão da licença pelo órgão estadual, incluindo a ausência de um Estudo de Impacto Ambiental.
Consultado pelo MPE e o MPF, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), indicou que existem riscos de colisão de aves ameaçadas de extinção com as hélices do parque eólico e de eletrocussão com as redes de transmissão de energia. Entre as espécies, está a arara-azul-de-lear, cujos deslocamentos abrangem três locais onde a usina deveria ser instalada, a Serra Branca, a Estação Biológica de Canudos e a Fazenda Barreiras.
O pesquisador Felipe Pimentel Lopes de Melo, chefe do Laboratório de Ecologia Aplicada da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é um dos que acompanham este tema há vários anos. “Sem dúvida alguma é uma vitória. As empresas jogam com a fragilidade do licenciamento que se dá, na maior parte das vezes, no nível estadual. Só que os Estados brasileiros não têm a mesma capacidade de fiscalização e licenciamento que o governo federal”, explica. “A gente sabe que a equipe ambiental dos Estados muitas vezes é pequena, com baixa capacidade técnica, infelizmente, além de estarem muito mais sujeitas a influências políticas e influências de ordem pouco republicanas, digamos.”
Baixo impacto ambiental é questionado
Melo indica que, desde o início da atividade no país, nos anos 1990, os parques eólicos são considerados empreendimentos de baixo impacto ambiental, uma regra que jamais foi atualizada depois. Esse enquadramento leva as empresas a precisarem apresentar apenas Relatórios Ambientais Simplificados para solicitar licenciamento, e não estudos mais detalhados.
“Ninguém entende a energia eólica como uma inimiga do ambiente – muito pelo contrário. Ela é uma das cartas na manga da agenda de mudanças climáticas, para uma economia de menos impacto e baixo carbono”, avalia o professor. “No entanto, a gente entende que ela é também um negócio muito lucrativo, em que as empresas agem, muitas vezes, como empresas clássicas do mundo capitalista, tentando minimizar ao máximo os seus custos”, aponta o pesquisador.
Assim, continuam a ser ignorados diversos efeitos negativos da instalação destes parques para humanos, animais ou ambos, como ruído persistente, deslocamento forçado de populações, mediante contratos abusivos com as companhias, risco de colisão de aves migratórias, degradação de habitats naturais e desmatamento, no caso das usinas onshore, instaladas na terra.
Melo ressalta que, no Rio Grande do Norte, os ecossistemas sensíveis como as dunas móveis já foram abalados de maneira preocupante pela atuação das eólicas. Neste Estado, afirma, praticamente não existem mais praias sem a “poluição visual” das hélices no mar (offshore).
“A imagem que se tem hoje nas regiões afetadas pelas usinas eólicas no Nordeste do Brasil é a pior possível. Tem regiões com grandes empreendimentos, com centenas de turbinas, e, ao mesmo tempo, comunidades com insegurança energética vivendo ali”, denuncia, lembrando que movimentos de atingidos pelas usinas eólicas já se organizam na região, a exemplo dos que existem para os afetados por barragens de hidrelétricas. “Se a gente quiser de fato – e a gente quer – ter uma geração de energia mais limpa no Brasil, não podemos ter um setor desses completamente alheio às questões ambientais.”
Ameaça à Caatinga
Outro aspecto delicado é que 85% do potencial instalado e futuro de geração eólica e solar do Brasil ficam no Nordeste, quase todo na Caatinga, a maior e mais diversa floresta seca do mundo – mas também o segundo bioma mais degradado do país, depois da Mata Atlântica. Felipe Melo lamenta que a Caatinga não tenha o mesmo apelo de sensibilização nacional e internacional contra os impactos ambientais deste tipo de empreendimento.
“O estabelecimento das eólicas na Caatinga pode ser um péssimo exemplo para o mundo, que vai sujar a imagem do setor globalmente. Eu acho que é hora de eles acordarem para isso, mas principalmente os governos estaduais e federal precisam fazer a sua parte”, diz.