DA REDAÇÃO / MATO GROSSO MAIS
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Nesta quarta-feira (30), o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, Tema 1.031, com repercussão geral. O processo debate a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, a partir de uma disputa de reintegração de posse entre o povo Xokleng, de Santa Catarina, e o Instituto Estadual do Meio Ambiente (antigo Fatma). Rechaçada pelo Ministério Público Federal (MPF), a tese define que os povos indígenas brasileiros somente têm direito à posse dos territórios ocupados por eles na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Em tramitação desde 2019, o recurso extraordinário discute a posse de uma área que faz parte da Reserva Biológica do Sassafrás, localizada no Município de Benedito Novo (SC). Ao defender que o STF deve aceitar o recurso do povo Xokleng, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que o direito dos povos indígenas sobre seus territórios é “congênito e originário”, não dependendo de titulação ou reconhecimento formal para tal. Ele também ponderou que o processo de demarcação do território está de acordo com a legislação vigente, passou por todas as etapas necessárias e que não há conflito entre a ocupação indígena e a preservação ambiental.
A tese do marco temporal surgiu pela primeira vez durante o julgamento da Petição 3.388, caso que ficou conhecido como Raposa Serra do Sol, em 2009. À época, o STF definiu uma série de parâmetros para a demarcação dos territórios indígenas brasileiros, condicionando-a à ocupação do local à data da promulgação da Constituição ou à comprovação de que houve o chamado “esbulho renitente”, medida que impossibilitou os indígenas de estarem em seus territórios tradicionais diante da expulsão e retirada forçada por particulares.
Após o julgamento, inúmeras ações foram propostas na Justiça a fim de invalidar processos demarcatórios de terras indígenas. Para o procurador-geral, as instabilidades jurídica e social geradas exigem a fixação de uma tese vinculante sobre o tema. “O art. 231 da Constituição Federal reconhece aos índios direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional, cuja identificação e delimitação há de ser feita à luz da legislação vigente à época da ocupação”, lembrou Augusto Aras durante sustentação oral, no início do julgamento do RE 1.017.365, em setembro de 2021.
Legislação – O marco temporal também está em debate no Congresso Nacional. O Projeto de Lei 2.903/2023, em curso no Senado Federal, dispõe sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas, chancelando a tese do marco temporal e limitando o direito dos indígenas à posse dos territórios ocupados em 5 de outubro de 1988. Além disso, a proposta permite a mineração e outras atividades econômicas dentro dos territórios originários, conforme texto aprovado pela Câmara dos Deputados no fim de maio, por meio do PL 490/2007.
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Para a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), além de ser claramente inconstitucional, o projeto em discussão viola diversas normas internacionais ratificadas pelo Brasil. Entre elas, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura aos povos indígenas e tradicionais o direito à consulta prévia, livre e informada sobre quaisquer atos, projetos ou medidas que impactem seu modo de vida.
Em nota técnica encaminhada à Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado, neste mês, a 6CCR reiterou que o direito dos povos indígenas sobre os territórios tradicionalmente ocupados por eles constitui cláusula pétrea da Carta da República, integrando um bloco de direitos e garantias fundamentais que não pode ser objeto sequer de emenda constitucional. O MPF também alertou que, caso seja aprovada no âmbito legislativo, a tese do marco temporal consolidará uma série de violências sofridas pelos povos indígenas durante séculos. O posicionamento consta de duas notas técnicas produzidas pela Câmara de Populações Indígenas do MPF, em março de 2018 e em maio de 2020.
“A Constituição reconhece o direito dos povos indígenas à posse de suas terras a partir de uma ocupação tradicional, como uma norma primária que não se sujeita aos marcos do tempo. Ao dedicar um artigo a essa população, o constituinte determinou que a cultura, o modo de vida, os costumes e as tradições dos povos originários fossem protegidos”, ressalta a coordenadora da Câmara Indígena do MPF, Eliana Torelly.
Impactos – Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a aplicação da tese do marco temporal contraria uma série de normas internacionais que asseguram o direito ancestral e originário dos povos indígenas sobre suas terras, uma vez que ignora os casos em que essas comunidades foram expulsas de seus territórios, muitas vezes com uso da força e da violência. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas determina que essa população tem direito a não sofrer assimilação forçada ou destruição da sua cultura, assim como cabe ao Estado estabelecer mecanismos para reprimir todo ato que tenha por objetivo subtrair-lhes suas terras, territórios ou recursos.
Segundo relatório da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a tese do marco temporal já foi responsável pela paralisação e revisão de diversos processos demarcatórios no país, “impactando diretamente a vida de milhares de indígenas que, tendo seu direito fundamental violado, enfrentam uma série de violências físicas e simbólicas”. Já o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) entende que a flexibilização de direitos originários sobre territórios cria riscos para a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas.