A Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) realiza, neste 8 de março, em Cuiabá, um ato contra a municipalização da saúde indígena.
A medida, ainda em estudo pelo Governo Federal, pretende que a atenção à saúde indígena passe para gerência dos municípios, a começar pelas regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Desde 1999, com a Lei Arouca (n° 9.836), a assistência aos povos indígenas se dá via o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, que visa atender as particularidades das diferentes etnias no que tange à saúde básica.
“Municipalizar para nós é acabar com o subsistema indígena, é receber tratamento como qualquer paciente brasileiro”, explica Crisanto Rudzö Tseremey’wá, presidente da Fepoimt. Ele defende que os povos indígenas precisam de assistência dentro das terras e de políticas que levem em conta as barreiras comunicacionais e culturais com os agentes de saúde.
O Conselho Indigenista Missionário, na mesma linha, argumenta que “para assegurar uma política diferenciada de atenção à saúde dos povos indígenas, precisam ser respeitadas as formas tradicionais de prevenção de doenças e manutenção da saúde, assim como os distintos conceitos de saúde e doença, do adoecimento, da cura, da garantia de condições de vida”.
A discussão se insere dentro de um quadro em que o governo aumentou o repasse de recursos para a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), que em 2017 recebeu 1,6 bilhão de reais, sendo que este investimento foi acompanhado de denúncias da má qualidade do trabalho.
“Há um problema grave no perfil de alguns gestores, indicados politicamente e com total desconhecimento do contexto indígena e de saúde”, explica Ivar Busatto, coordenador geral da Operação Amazônia Nativa, uma ONG que atuou, em Mato Grosso e em convênio com a FUNASA, no atendimento à saúde indígena de 2000 a 2012. “É preciso buscar imediatamente profissionais mais qualificados na gestão, com um perfil adequado e oferecer formação para os que estão trabalhando”, aponta Busatto como saída.
Já o ministro da saúde, Luiz Henrique Madetta, indica como possível solução que os municípios façam diretamente o atendimento básico à saúde nos municípios, sem intermediação da SESAI. Isso exclui toda a política de saúde específica para os indígenas construída ao longo dos anos.
A questão que se coloca é que se os distritos e a SESAI não tem dado conta das suas atribuições, os municípios, que atuam de forma mais ampla, certamente teriam maiores dificuldades de atender às necessidades indígenas.
Entenda os marcos da assistência à saúde indígena
Lei Arouca (n° 9.836), 1999: Determina a criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, com base em 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI´s), e sob responsabilidade do Ministério da Saúde. Estabelece o respeito às formas tradicionais de prevenção de doenças e manutenção da saúde, além de determinar a necessidade de formar profissionais de saúde valorizando tanto a medicina indígena, quanto novos conhecimentos.
Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), 2002: criada pelo Ministério da Saúde, regulamenta o modelo de atenção à saúde dos povos indígenas definindo, por exemplo, a função dos DSEI´s como lugares de: alojamento, atendimento, marcação de consultas, acompanhamento de pacientes e promoção de atividades de educação em saúde.
Criação da Secretaria de Atenção à Saúde Indígena (SESAI), 2010: A gestão da saúde indígena deixa de estar sob domínio da FUNASA e passa para a SESAI, com caráter executivo, ligada ao Ministério da Saúde e vinculada aos DSEIs. Com a SESAI, delineia-se bem a política de saúde indígena e avança-se na maior autonomia orçamentária dos distritos.
Como funciona hoje? A SESAI faz o atendimento básico à saúde dentro das aldeias, com equipes multidisciplinares, com indígenas em seu quadro e apoiada em programas nacionais do SUS. Casos mais graves são encaminhados para outras instâncias.
Problemas: a criação da SESAI tinha o objetivo de formar um quadro estável de profissionais para atender aos indígenas, o que não ocorreu.