JÚLIO CAMPOS
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O desenvolvimento corre sobre trilhos. A velha Europa consolidou-se com uma vigorosa rede de ferrovias que se iniciam na Península Ibérica e se conectam com o Oriente e a Ásia. Os Estados Unidos, desde sempre, fizeram dos caminhos de ferro um instrumento muitíssimo eficiente do desenvolvimento econômico que os consolidou como a maior potência mundial. O homem desafiou o que parecia ser impossível e construiu abaixo do canal da mancha a ferrovia que une a Inglaterra à França, e de lá ao resto do continente europeu, Ásia e Oriente.
Milhões de pessoas e de toneladas de cargas circulam pelas ferrovias, rasgando a complexa geografia mundial, a um custo baixo, incomparável aos modais aéreo e rodoviário e, também, com velocidade superior às hidrovias ou a da indispensável navegação de longo curso.
Não existem argumentos plausíveis contra as ferrovias. São imbatíveis como fomentadoras do progresso. No Brasil, sob o comando vigoroso do Visconde de Mauá, o patriota Irineu Evangelista de Sousa – das maiores figuras de nossa história – e as bênçãos do imperador Pedro II, moderno, visionário e austero patriarca de meio século de trabalho honrado, profícuo e competente, surgiu nosso setor ferroviário, há exatos 167 anos.
Infelizmente, com o advento da indústria automobilística no governo do Estadista Juscelino Kubitschek, na segunda metade da década de 50 do século XX, o Brasil relegou seu transporte ferroviário ao mais completo abandono, extinguindo milhares de quilômetros de trilhos e deixando de servir centenas de pequenas e médias cidades em diversos Estados. Atrasamos nosso desenvolvimento ao optar pelo mais caro e perecível. Atroz engano.
Num equívoco que nos custa caro, priorizamos rodovias sem manter o sistema ferroviário, modais totalmente compatíveis e cuja complementariedade é geradora de ganhos imensos para os setores produtivos, a sociedade civil, os que exportam e os que importam, os que viajam, os que compram e os que vendem. Optamos por um sistema de manutenção cara, sem dar-lhe, todavia, os recursos para sua operação segura e econômica. Mudamos a geografia de um país-continente com indispensáveis estradas, mas não as conservamos nem as ampliamos como devíamos fazer. Governador de Mato Grosso, na década de 1980, construí impressionantes 2.160 quilometros de estradas asfaltadas, inequívoca base da estupenda potência agrícola em que se transformou meu querido Estado. Tive o apoio de dois grandes brasileiros, que não economizaram esforças na busca e conquista de recursos: o presidente João Figueiredo, meu inesquecível amigo, e o genial senador Roberto Campos, mato-grossense respeitado em todo o mundo. Não se priorizavam as ferrovias, o tempo era escasso, era preciso integrar com a rapidez do vento todos os quadrantes do novo Estado que surgia. Pudesse, teria plantado ferrovias como meus conterrâneos plantam soja, arroz, as mais variadas culturas, desenvolvem a agroindústria e conquistam mercados mundo afora.
Com o crescimento de nossa economia, notadamente nos últimos 50 anos, descobrimos que ele teria sido vertiginoso se pudesse, também, correr sobre trilhos.
Há uma ferrovia exitosa e tecnicamente perfeita, a Ferronorte. Precisamos ligar Rondonópolis, uma das mais ricas cidades do Brasil, à velha e moderna Cuiabá, e prosseguir até Lucas do Rio Verde, jovem cidade plantada no coração de Mato Grosso e importante centro para o escoamento de nossa produção agrícola. Existem os recursos, falta boa-vontade ou visão. Ou, desgraçadamente, faltam ambos. A empresa Rumo, de capital nacional e reconhecida seriedade e competência técnica, administra a Ferronorte e pleiteia a construção desses dois trechos, relativamente pequenos, que nos ligarão ao monumental Porto de Santos (SP) e aos eficientes portos de Paranaguá (PR) e São Francisco (SC), facilitando o escoamento de nossa crescente produção agrícola e industrial aos grandes mercados consumidores internacionais, como a China, a Europa e demais continentes.
Apoiamos a construção da Ferrogrão, um projeto de estrada de ferro de capitais privados que ligará a cidade de Sinop (MT) e o Porto de Miritituba, em Itaituba (PA), na margem direita do rio Tapajós. O governo federal, de forma surpreendente e absurda, quer investir R$ 2,2 bilhões numa ferrovia particular, de 933 quilometros, deixando de fomentar um projeto generoso, de rápida execução, racionalmente superior à Ferrogrão no presente momento.
Mato Grosso, a potência econômica que se ergueu aos olhos admirados do mundo e sob os aplausos de todo o Brasil, não pode admitir uma aventura, um erro estratégico, um descaso para o que é mais viável e factível. Os senadores Jayme Campos (DEM) e Wellington Fagundes (PL) já deixaram clara a posição do povo de Mato Grosso. Falta o competente ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, abortar o duvidoso e apostar no certo. Não é pedir muito. Mato Grosso merece muito mais.
(*) Júlio Campos foi prefeito, deputado federal constituinte, senador da República e governador do Mato Grosso. É engenheiro agrônomo e empresário.