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O Boletim Focus desta semana trouxe a 12ª revisão consecutiva do mercado para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022. O movimento diverge do observado nas maiores economias mundiais, segundo um levantamento do Banco Central.
Apresentado pelo presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, em agosto, os dados baseados no Focus e na mediana de estimativas reunidas pela Bloomberg apontam que apenas a América Latina e o Brasil tiveram alta ao longo do ano no PIB projetado para 2022.
As projeções de PIB para a zona do euro, os Estados Unidos, o Japão, a China e o conjunto de países emergentes e desenvolvidos em agosto são inferiores às de fevereiro deste ano.
Por trás desse cenário, especialistas apontam uma combinação de fatores, como a eclosão da guerra na Ucrânia, uma piora de quadros inflacionários, surpresas com a economia brasileira e erros de avaliação no mercado.
O caso do Brasil
As revisões para o PIB brasileiro acabaram sendo maiores inclusive do que as feitas para América Latina, de 1,7 ponto percentual ante 0,7 p.p., respectivamente.
Juliana Inhasz, professora do Insper, ressalta que revisões são comuns, em parte porque os dados demoram para ser disponibilizados, mas também porque as projeções dependem da percepção sobre a situação econômica.
No caso do Brasil, ela atribui as revisões primeiro a um mercado potencial alto, que puxa as percepção de uma melhoria via mercado consumidor.
Além disso, cita uma perspectiva negativa para as economias desde 2020 apoiada em um risco político alto, que criou um cenário pessimista no mercado. “O que vê agora é que parte desse pessimismo não se materializou”, levando às revisões, diz a professora.
“O viés negativo era muito alto, e começa a se inverter porque os indicadores têm sido mais importantes que vieses ou situação política”, afirma.
Inhasz não acredita que o Brasil tenha sido beneficiado especificamente pela alta do petróleo, já que a produção costuma ser de um tipo mais barato, mas que pode ter ocorrido um impacto indireto pelas “políticas para reduzir impacto negativo da alta do petróleo, que ajudaram bastante”.
“Também tem questões de conduções de políticas para sair da pandemia. Há uma crítica sobre como outros países na América Latina conduziram isso, e isso cria também a percepção de que em alguns aspectos a condução brasileira não foi tão ruim”, afirma.
Já Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama, opina que os economistas estavam equivocados nas projeções no início do ano porque “não estavam captando exatamente o novo momento que estávamos vivendo, com reformas micro e o mercado de trabalho com uma expectativa melhor que efetivamente se concretizou”.
Na visão dele, as projeções focaram no lado de demanda, e não de produção, e por isso não captaram inicialmente a melhora indicada pela economia.
Ele acredita que reformas microeconômicas feitas pelo governo se uniram a uma retomada da economia com reabertura tardia, com junção da retomada tanto do setor de serviços quanto do mercado de trabalho.
Além disso, o economista destaca que o Banco Central foi rápido em perceber que a inflação estava saindo do controle, subindo juros antes da maioria dos países, o que acabou sendo positivo.
Hoje, a inflação caiu do pico em torno de 12% e o mercado já projeta um valor terminal no ano em torno de 6%, o que “mostra a qualidade do trabalho feito pelo BC”.
Espírito Santo vê espaço para novas revisões por parte do mercado. A Órama, por exemplo, projeta um crescimento de 2,7% em 2022, e o economista espera uma convergência das projeções para “algo em torno de 2,5%, talvez 3%”.
Mudança de cenário
Juliana Inhasz afirma que os países da América Latina sofreram mais com o processo de readaptação econômica durante a pandemia, com demora para reabrirem.
Isso criou um espaço para uma percepção negativa quanto à recuperação de suas economias, com previsões baixas para os PIBs.
Entretanto, o mercado “se surpreendeu porque a necessidade de reabertura, com as pessoas voltando a circular, criou espaço grande para a recuperação delas”.
“Esses países tinham e ainda têm uma demanda reprimida grande, e agora retomam o crescimento com um impulsionamento, o que melhora as previsões, até pela base ruim em 2020 e 2021”, explica a professora.
Já no caso dos países desenvolvidos e alguns emergentes, a situação foi diferente. “Por eles terem mais estrutura, imaginava-se que eles sofreriam menos, mas isso não ocorreu, e agora pagam um preço caro pelo aumento da inflação, até por eles terem tido condições de darem auxílios maiores”.
O quadro inflacionário nas grandes economias é apontado Espírito Santo como o grande motivo para os movimentos diferentes nas revisões.
Ele lembra que as inflações atingiram os patamares mais altos em 40 anos, e que os bancos centrais em um primeiro momento se “equivocaram, achando que a inflação era somente algo transitório, quando não era”.
“Ao perceberem tardiamente que se equivocaram, começaram a subir as taxas de juros em uma velocidade maior do que se suponha. Nessa magnitude para onde estão indo, certamente tem um efeito ruim sobre a atividade, uma forte desaceleração ou mesmo recessão”, afirma o economista.
Nesse sentido, Espírito Santo ressalta que não há como ver uma melhora dos quadros econômicos nesses países no curto prazo, o que leva à revisão de projeções para baixo.
Inhasz observa que a guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro, impactou as economias desenvolvidas devido à dependência maior do gás russo, no caso da Europa, mas também do petróleo como um todo para a atividade econômica.
Com as commodities chegando a níveis recordes de preços, as economias foram prejudicadas pela piora do quadro inflacionário. Ela acredita que a guerra “acentua o problema, não cria. O elefante branco já existia, a guerra infla ele”.
No caso da América Latina, a alta nos preços das commodities, mesmo sendo um vetor de inflação, teve impacto positivo.
“Normalmente esses países produzem commodities, e isso os beneficiou de cara, mas esse aumento de commodities pode não se perpetuar, pelo contrário. Com o mundo em recessão, as commodities sofrem e vai ter revisão de expectativas”, alerta Espírito Santo.
Para 2023
O economista-chefe da Órama destaca que um mundo crescendo menos é ruim para o Brasil, já que o país é produtor de commodities.
“Com a desaceleração vendemos menos, a preços menores, e isso é ruim. O problema maior é saber a magnitude do que vai ocorrer lá fora, se vai ser desaceleração pequena, algo até razoável, ou se teremos algo mais severo, uma recessão, algo que se dissemine”, diz.
Nesse sentido, ele considera ser importante para o Brasil “fazer o dever de casa”, reduzindo seu risco fiscal.
“É preciso saber que não dá para continuar com o teto cheio de goteira como âncora. Se a gente conseguir sinalizar para o mercado que vamos rever, reconstruir o teto, vir com uma nova âncora que seja crível, o país tem muito diferencial no ano que vem, e essa é a grande diferença de abordagem”, explica.
Ele lembra que a economia já deve chegar para 2023 melhor pelo desempenho acima do esperado em 2022, e que “se a gente souber aproveitar o momento político e implementar essa mudança no fiscal, essa é a nossa grande vantagem”.
Inhasz também espera que a economia brasileira tenha dificuldade no próximo ano, com redução de consumo de commodities nos mercados desenvolvidos.
“Se a economia depende do setor externo e precisa se recuperar, pode acabar tendo um crescimento menor do que o potencial em um cenário do resto do mundo crescendo menos”, afirma.
Para ela, nesse cenário, o crescimento em 2023 ficaria “aquém do possível”, algo já indicado pelas projeções do mercado no Focus, abaixo de 1%.
“O cenário de 2022 é relativamente bom, mas tem um problema grande para resolver, que é como criar capacidade de crescimento no mercado interno sem depender do externo”, avalia.
Mesmo assim, ela acredita que é possível que 2023 possa ter um desempenho melhor, já que, dependendo do resultado das eleições, o próximo governo pode ter “políticas expansionistas, mas com custo ao longo do tempo. É preciso ficar atento a isso”.