As restrições sanitárias que o Brasil adotou a partir de março de 2020 para tentar desacelerar a disseminação do novo coronavírus entre a população resultaram em mudanças comportamentais. Algumas foram sendo deixadas de lado à medida em que o tempo passava e o número de casos graves de covid-19 diminuía, mas outras parecem ter ganhado força, como o maior interesse das pessoas pelo chamado Turismo de Proximidade, caracterizado por viagens domésticas rodoviárias de até 300 quilômetros.
Identificada pelo Ministério do Turismo (MTur) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda no ano passado, a tendência segue firme e se associa a outras duas práticas turísticas em crescimento no país: o campismo e o caravanismo.
Segundo pesquisa feita por especialistas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e técnicos do MTur, o turismo de proximidade ajudou na retomada das viagens de lazer, enquanto a procura por trailers e motorhomes aumentou durante a crise sanitária, conferindo aos viajantes mais liberdade para estabelecer roteiros e cronogramas de viagem.
No relatório a que a Agência Brasil teve acesso antecipadamente, os especialistas apontam que, após uma ação de sensibilização, o número de acampamentos turísticos registrados no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur) cresceu 36%, passando de 465 estabelecimentos para 632 entre dezembro de 2021 e o fim de junho de 2022.
Os acampamentos turísticos e os estacionamentos aptos a receber campistas e caravanistas são considerados áreas de apoio fundamentais à estruturação dessas atividades turísticas. E, mesmo que parte dos empreendimentos que se registraram no Cadastur durante os primeiros seis meses deste ano já funcionasse antes do Ministério do Turismo empenhar esforços para convencê-los a fazer isso, a conclusão de que houve um crescimento é corroborada pelo presidente da mais importante feira de campismo e caravanismo do Brasil, a Preview Expo Motorhome, Alexandre Boff.
Interesse crescente
Em entrevista à Agência Brasil, Boff disse que, enquanto há dez anos os poucos fabricantes de motorhomes produziam cerca de dez veículos mensais, hoje há pequenos e médios produtores espalhados por todo o país e a produção mensal nacional passa de 500 unidades. Segundo ele, o interesse de parte dos brasileiros por essas verdadeiras casas sobre rodas cresce há décadas, mas ganhou impulso em meio à pandemia.
O relatório produzido pelos especialistas da UFSC e do Ministério do Turismo aponta que a maioria dos fabricantes de motorhomes, trailers e reboques do país ainda se concentra na região Sul, onde a prática do campismo e, principalmente, do caravanismo é mais comum. Os especialistas também avaliaram a infraestrutura de transportes existente em 30 rotas turísticas consideradas estratégicas e que, somadas, abrangem 128 cidades de todos os 26 estados, mais o Distrito Federal.
A análise da infraestrutura contemplou, entre outras coisas, as condições dos terminais rodoviários existentes ao longo das rotas turísticas, bem como os serviços existentes nestes terminais.
De posse de todas as informações, especialistas da UFSC e do MTur elencaram o que consideram ser os principais desafios à popularização do campismo e do caravanismo, como a necessidade de mais investimentos na criação de estruturas de apoio aos viajantes – uma das principais demandas dos representantes do setor.
Uma das sugestões dos especialistas é que o poder público estabeleça compromissos a serem cumpridos por empresas concessionárias de rodovias e parques nacionais. Especificamente em relação à implementação de Pontos de Apoio aos Viajantes (PAVs) rodoviários, os técnicos destacam oito critérios que consideram importantes que sejam contemplados em futuros projetos: acolhimento, conectividade, acessibilidade, facilidade de pagamentos, eficiência energética, sustentabilidade, valorização da cultura e das comunidades locais e facilidades para quem viaja com animais de estimação.
Ainda em relação à infraestrutura viária, o relatório agrega a sugestão de que os pontos de apoio e espaços destinados a viajantes e turistas sejam sinalizados de forma distinta dos reservados a caminhoneiros, por questões técnicas e legais.
Os especialistas também apontam a importância de que sejam disponibilizadas linhas de crédito e financiamento para a aquisição e adaptação de veículos recreativos, barracas e equipamentos de apoio – seja para uso particular ou para alugar.
Eles sugerem que esses recursos podem vir do Fundo Geral do Turismo (Fungetur), um mecanismo de crédito com taxas pré-definidas e menores que as de mercado que o Ministério do Turismo oferece a quem presta serviços turísticos e está registrado no Cadastur.
Carência de informações
Outro aspecto destacado é a necessidade de resolver a inconsistência de dados sobre campismo e caravanismo. Segundo os autores do relatório, a carência de informações confiáveis “prejudica a compreensão e a caracterização dos dois segmentos e, consequentemente, dos desafios, necessidades e possibilidades para o desenvolvimento e a estruturação, bem como a formulação de políticas públicas e ações de incentivo a estas práticas”.
Por fim, os especialistas endossam propostas que os representantes do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai já discutiram em novembro de 2021, durante uma reunião para tratar de ações conjuntas a serem implementadas ao longo do chamado Corredor Rodoviário Bioceânico, que interliga os cinco países, conectando os oceanos Pacífico e Atlântico de forma a fomentar o comércio e o turismo rodoviário.
Além da realização de um seminário internacional e da criação de um grupo técnico composto por representantes dos cinco países, o relatório cita a necessidade de os governos estimularem a capacitação dos prestadores de serviços turísticos ao longo do Corredor Bioceânico no idioma espanhol, a divulgação de atrativos e destinos turísticos e as facilidades para trânsito de pessoas e veículos.
Edição: Kleber Sampaio
Fonte: EBC Economia