Servidores e médicos que atendem nas unidades de saúde de Cuiabá procuraram o Ministério Público para denunciar a falta de medicamentos, itens básicos e problemas estruturais. Segundo a denúncia, faltam até analgésicos comuns, como dipirona, em quantidade suficiente para atender os pacientes que estão com dor. Ao menos quatro depoimentos foram prestados denunciando um cenário que os servidores citam como o pior momento da saúde do município, inclusive com morte registrada devido à situação na Saúde.
Os depoimentos motivaram a inspeção realizada pelo Gaeco em parceria com os Conselhos Regionais de Medicina (CRM) e Farmácia (CRF), no último dia 6 de dezembro.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Cuiabá informou que investiga as denúncias feitas e que, quanto à falta de remédios, houve desabastecimento em todo o país, mas que a situação já foi regularizada.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Cuiabá informou que investiga as denúncias feitas e que, quanto à falta de remédios, houve desabastecimento em todo o país, mas que a situação já foi regularizada.
Segundo ela, há mais de um ano ocorre falta de dipirona em quantidade suficiente para atender os pacientes do município.
“Às vezes chega uma caixinha. Uma caixinha não dá para cinco dias, a gente dando vinte para cada um”, contou.
Segundo ela, 175 itens podem ser pedidos na farmácia do Programa de Saúde da Família (PSF), considerados essenciais. Entretanto, apenas 26 são encontrados na unidade, ou seja, menos que 15%.
A servidora ainda contou sobre o caso de uma paciente, de 16 anos, atendida na unidade, com sintomas de tumor cerebral, mas os servidores não conseguiram realizar uma ressonância ou atendimento com um neurologista.
“Só nos últimos dias, assim que a coisa agravou muito rápido, que a gente conseguiu internar ela numa UPA e de lá foi para o HMC e aí morreu”.
Uma médica, que também atua na Saúde pública de Cuiabá, destacou haver um problema generalizado, mas a preocupação maior é com a falta de medicamentos. Segundo ela, há até mesmo falta de soro e glicose nas unidades.
“A minha preocupação maior é com relação a medicamentos. A gente tem muita falta de medicamentos básicos, medicamentos para pressão usados para controle de pressão arterial, de sedativos, de medicamentos psicotrópicos para ajudar o paciente a sair da ventilação mecânica e despertar, antibióticos também. Até falta de soro a gente tem lá, de glicose. Então, assim, é bem caótica a situação atualmente”, relatou.
Segundo a médica, vários óbitos nas UTIs da capital foram relacionados a essa falta de medicamentos. Ela conta que o desabastecimento causou a morte de um paciente hipertenso por colapso cardíaco.
Um terceiro servidor ouvido pelo Ministério Público chegou a comparar as Upas de Cuiabá e Várzea Grande, na região metropolitana. Segundo ele, apesar de estruturas semelhantes, a diferença entre as farmácias é muito grande.
“Não tem nem o que discutir. Lá, a gente tem seis tipos de antibióticos, todos os analgésicos, todos os anti-inflamatórios e tem em grande quantidade”. Questionado sobre a situação da capital, respondeu: “Cuiabá não tem nada, não tem nada!”.
Uma quarta servidora que atua na atenção primária destacou a falta de medicamento também para tratar hipertensão e diabetes. Além disso, as unidades não conseguem realizar pequenos curativos e nem mesmo tratar pequenos acidentes porque não há gazes e ataduras.
“Desde que estou na UPA, sempre falta. Já faltou AAS [ácido acetilsalicílico], por exemplo”, afirmou no depoimento.
Outro lado
A Secretaria Municipal de Saúde disse que está apurando os casos denunciados pelos servidores. Reforça que a falta de dipirona não aconteceu somente em Cuiabá, questiona a conduta dos servidores que prestaram depoimento e reconhece haver problemas que crônicos que precisam de solução na Saúde.
Veja a íntegra:
A Secretaria Municipal de Saúde – SMS esclarece:
Está apurando as denúncias supostamente feitas por médicos relacionadas às unidades de saúde do município. Se os profissionais tinham conhecimento de irregularidades, deveriam ter comunicado diretamente à gestão da SMS, por meio do diretor técnico da unidade ou Ouvidoria.
Falta de medicamentos como dipirona de fato aconteceu, mas não foi exclusividade de Cuiabá, foi no país inteiro. Mas o que faltou foi a dipirona comprimido, usada para dispensação aos pacientes. A dipirona injetável, utilizada em unidades de urgência/emergência e em hospitais, não faltou em momento algum.
Causa estranheza à gestão da SMS que médicos da Atenção Básica relatem casos de mortes de pacientes por falta de medicamentos ou por falta de exames de alta complexidade, como a ressonância citada na denúncia, uma vez que pacientes graves não são atendidos nas unidades básicas de saúde (os chamados “postinhos”) e estas unidades não têm fluxo para solicitar esse tipo de exame.
A SMS tem apurado já há algum tempo várias condutas e posturas de profissionais por práticas de conduta vedada ao servidor público, como, por exemplo, entrega de atestado falso, além de ter passado a cobrar com rigor a produtividade dos profissionais. Isso causa um grande descontentamento por parte destes profissionais.
A Secretaria reconhece que existem vários problemas crônicos para serem solucionados, mas que está trabalhando incessantemente para solucioná-los o mais rápido possível.
Inspeção
Os depoimentos motivaram a inspeção do Gaeco. A ação visitou unidades de saúde para apurar denúncias de ausência de medicamentos e insumos nas unidades, quadro insuficiente de médicos e outros profissionais, não utilização do ponto biométrico, falta de informações sobre plantões médicos e discordâncias com o Portal da Transparência, entre outras irregularidades.
Após a inspeção, estão sendo elaborados relatórios para serem adotadas medidas administrativas e/ou judiciais cabíveis para a garantir à população o atendimento mínimo da saúde pública.