O casamento civil tem ganhando repercussão e adesão entre os casais homoafetivos tanto para celebrar o amor quanto para garantir os direitos ao companheiro, em uma sociedade em que o preconceito ainda predomina. O amor e respeito entre estes casais têm chamado a atenção e sensibilizado até mesmo a família. Então, o amor é superar o medo, o preconceito e firmar em público aquilo que se deseja para todo um sempre.
Mesmo com a regulamentação da união estável e do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, conforme a Resolução n.175, de 14 de maio de 2013, aprovada durante a 169ª sessão plenária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – próximo a completar 6 anos, a relação ainda é alvo de preconceitos e críticas.
Cada vez mais casais surgem sem medo dos preconceitos, tabus e da ‘boca do povo’ e proclamando o direito à união estável e ao casamento gay assegurado a Lésbiscas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (LGBTs).
A jornalsita Bruna Maciel, por exemplo, desde os 15 anos se reconheceu como lésbica. A mãe e a irmã aceitaram prontamente a sua orientação sexual, porém o pai e irmão ainda não compreendem a sua personalidade. Com isso, ela nunca sonhou em se casar, porque em algum momento da vida, as pessoas podem ter lhe colocado essa proibição, mesmo sem conhecer sua doçura, amor pela arte e o olhar apaixonado que tem sobre a vida.
No entanto, como nada acontece por acaso e, no fundo, as coisas têm seu plano secreto, Bruna, que queria ter cursado publicidade, não sabia que um erro de seu amigo que a inscreveu no curso de jornalismo, não esperava que iria se apaixonar pela profissão. E mais: não imaginava encontrar o grande amor de sua vida nesse ramo.
A garota? A garota dos sonhos é a também jornalista Priscila Mendes. Ambas se conheceram na faculdade, mas a relação começou um bom tempo depois. “Me apaixonei pela Pri desde que começamos a conviver diariamente. Ela é uma pessoa incrível de um coração sem tamanho. Ótima jornalista. Aprendo com ela diariamente, aliás, todos os dias o ofício dessa profissão. Então, eu acho um barato dividir a minha vida com ela”, afirma Bruna.
Com o tempo, o relacionamento foi se firmando, as conversas foram surgindo, como por exemplo, desejo de seguir em frente e construir uma família. Assim, o assunto casamento chegou.
Conforme Priscila, com o resultado das eleições presidenciais de 2018 se aproximando e a possibilidade de que a interpretação da lei sobre a união de casais homoafetivos pudesse ser mudada, dependendo do candidato eleito, Priscila, que sempre sonhou em se casar, não pensou duas vezes para levar Bruna em um local romântico e pedir a companheira em casamento, com direito a declarações, flores e até mesmo a aliança.
A resposta não podia ser diferente. Bruna disse sim e os questionamentos de como pudesse ser a união começaram.
Priscila já havia feito vários planejamentos de como se casar. O problema é que ela nunca pensou que fosse com uma mulher, já que em 15 anos de sua vida os relacionamentos que manteve foi com homens.
E há exatos 4 anos, percebeu que tinha interesse por mulher e acabou se identificando como bissexual.”Quando começamos namorar tinha pouco tempo que eu tinha segurança nisso. Sabia que não era passageiro e decidi viver integralmente esse amor. Tive outros dois relacionamentos anterior a Bruna que foram por pouco tempo. Mas, com ela eu sabia que não era passageiro. É como uma questão de autoconhecimento e conversamos como seria isso, já que queríamos uma relação profunda como qualquer casal, postar fotos, andar de mãos dadas ou viver publicamente, fato que antes a Bruna nunca tinha vivido”.
Antes mesmo de marcar a data do casamento, Priscila também pensou em como levar o fato até os pais. Então chamou pai e mãe separados e contou. “Bruna ficou nervosa, mas contei. Meu pai já é idoso e entendeu rapidamente. Já minha mãe, por ser mais nova, ela tinha um sonho de ver a filha se casar e ter netos. Mas, com o tempo após saber de fato que se tratava da Bruna que ia com frequência na minha casa, ela já foi perguntando quando de fato adotaríamos uma criança”, lembrou.
Então, o sonho de Priscila e de sua mãe foram reconfigurados e a data do casamento no civil foi realizada no dia 28 de dezembro, que marcou exato um ano de relacionamento do casal. A cerimônia foi realizada no Cartório Xavier de Matos pelo juiz de paz Edézio Arruda de Jesus.
Já a festa que não foi planejada anteriormente, por conta de questões financeiras, acabou acontecendo no dia 7 de janeiro.
Tudo foi organizado com muito amor e carinho, por pessoas que compartilharam do momento do casal e que compreendem o amor independemente de como ele seja e que respeitam e torcem pela relação. “Um amigo deu doce, outro canta, um toca. Bonequinho de biscuit que ficou exatamente nossa personalidade, amigos que penduraram flor na árvore, ajudaram com decoração, passaram dias em casa colando fitas de cetim e renda nas garrafas.
Uma que fotografou e até cuidou do momento em que parávamos para jantar, outro que preparou cerimonial com os nossos momentos engraçados. Foi uma choradeira que só esse casamento e da forma mais completa de amor, que no caso o amor entre nós e dos amigos por nós”, emocionou.
Ingridy Peixoto e Paula Evelyn se conheceram em 2014, quando cursavam jornalismo na Universidade de Brasília (UnB).
O amor não foi à primeira vista, mas quando começou o namoro, as duas sabiam que queriam levar para o resto de suas vidas. Ingridy é mato-grossense e decidiu ir para a capital federal para estudar. Lá, conheceu Paula e, juntas, começaram uma história de amor. Meses depois, Ingridy voltou para Cuiabá, após passar em um concurso da Assembleia Legislativa.
Já Paula mora em Ponta Grossa (PR), onde faz mestrado. As duas também decidiram se casar em dezembro de 2018, porque tiveram medo de que a partir deste ano perdessem o direito, por conta também das declarações do novo presidente Jair Bolsonaro (PSL). “Como não existe uma lei que garanta esse direito, sentimos que estávamos vulneráveis. Além disso, o casamento nos traz benefícios que não teríamos se a união não fosse formalizada. Garante que possamos visitar uma a outra se adoecermos; que uma possa representar a outra pra resolver coisas burocráticas caso uma de nós esteja impossibilitada; a questão do plano de saúde, de herança, enfim. Para casais héteros, já existe essa dificuldade caso a união não seja formalizada. No nosso caso é ainda pior porque existe discriminação. Às vezes, mesmo estando casadas tentam dificultar nossa vida. Um exemplo é caso do procurador de Santa Catarina, que se dedica a tentar anular casamentos entre pessoas do mesmo gênero”, pontuou Paula.
Mas, Ingridy lembrou que onde sentiu maior preconceito foi dentro da própria casa e, por isso, não teve coragem de contar para a família. “Comecei a ter dúvidas sobre minha sexualidade na minha adolescência. Nem eu mesma me aceitava por conta da criação que tive. Aprendi em casa que ser ‘sapatão’ era algo ruim. Me deprimi muito. Foi só quando eu fui embora para Brasília que consegui me aceitar. Depois a minha mãe descobriu que eu namorava a Paula e voltei a ficar deprimida”.
Já Paula conta que o período de sua adolescência foi complicado e os pais procuravam não se envolver. Mas, este fato não os impediam de que “perseguissem eventualmente”.
“Faziam comentários preconceituosos e bisbilhotavam minhas conversas na internet e também minha correspondência. Nunca neguei nada. Quando meus pais resolveram encarar a realidade foi tenso. Minha mãe me desejou morta e perguntou porque a psicóloga que me atendia na época não tinha resolvido esse ‘problema'”, relata Paula.
“Antes da Ingridy, tive 4 namoradas, mas meus pais nunca as conheceram. Embora eu sempre tenha rejeitado o armário, meus pais faziam questão de não se envolver. Só se envolviam pra tentar censurar. A Ingridy foi a primeira namorada que meus pais se atreveram a pronunciar o nome. Mesmo assim, isso só aconteceu depois que estávamos namorando há um ano e eu estava numa crise depressiva. Eles se sentiram culpados pelo meu estado emocional e resolveram parar com a discriminação e aceitar que a Ingridy fazia parte da minha vida. No começo, a aproximação foi cautelosa. Meus pais se referiam a Ingridy como a ‘amiguinha da Paulinha’. Ainda que ela dormisse na minha casa, na minha cama. Só em 2018 meus pais passaram a chamá-la de nora”, afirmou.
Já quando decidiram se casar, a mãe da Ingridy pontuou que a filha deveria pensar melhor, já o pai não se posicionou e a família de Paula a recebeu. “Minha família não criou caso com o casamento. Minha mãe ficou muito interessada em saber como eu organizaria tudo, já que o casamento foi organizado às pressas e longe da família. Meus pais combateram as ideias do Bolsonaro durante a eleição. Então, acho que já esperavam que a gente se casasse. Ninguém pareceu surpreso quando eu contei”, disse Paula.
A cerimônia aconteceu no dia 14 de dezembro, em um cartório da cidade de Ponta Grossa. Agora, o casal mora longe uma da outra, porém afirmam que se adaptaram a mudança.
“Conseguimos nos ver com uma frequência boa e confiamos muito uma na outra. Estamos sempre viajando para nos ver, o que também nos custa tempo e dinheiro, especialmente agora que ela está no Paraná e não mais em Brasília. Ainda assim, é inevitável sentir saudade”, conta Ingridy.
Reconhecido pelo seu bom humor e cerimônias completamente humanizadas, o juiz de paz Edézio Arruda de Jesus, lotado no Cartório Xavier de Matos, contabilizou apenas 18 casamentos homoafetivos em 2018 e 1.939 héteros.
O local agrega discurso de amor, benção, violinista que toca música romântica enquanto os noivos entram na sala de casamentos e ouvem todo o sermão. Conforme o juiz, os números de fato foram surpresa para ele, que esperava com a interpretação da mudança na lei sobre o casamento homoafetivo, alta procura por esses casais.
O perfil dos casais que o procuram tanto no cartório como para realizar cerimônias são de pessoas que já moram juntos e decidem pôr no papel para sentir uma maior segurança caso um dos dois chegue a faltar. “Desde a regulamentação de 2013, fizemos apenas 57 casamentos. É pouco o número. Pra mim, nunca foi diferente participar de um momento especial como este, eu e minha esposa temos vários amigos que são gays. Eu tenho que tomar apenas alguns cuidados na forma da nomenclatura. Mas, continua de fato sendo uma família e o maior patrimônio”, apontou.
Em casamentos ‘comuns’, um dos discursos bem falados é “declaro marido e mulher”. No caso de dois homens ou mulheres, a fala não é bem recebida e sim: “declaro casados ou casadas”. Algumas passagens bíblicas também deixam de ser ditas, mas outras que envolvem o amor permanecem, exemplifica Edézio. “Mas, sempre foco que casamento é contrato livre e aberto que ambos ou ambas não podem dar mais importância ao cachorro, carro e outros bens. Também deixo claro a diferença entre a paixão e o amor, que você sente falta e decide construir uma vida a dois”, afirmou
Na avaliação do juiz, o casamento veio para acabar com o preconceito e, por isso, as pessoas devem amar o próximo como a si mesmo, sem apontar erros, defeitos ou se achar melhor. “De que adianta tantas ações e julgar o próximo? Acredito que casamento é um patrimônio com amor. Então, a escolha precisa ser respeitada e amada. E eu não tenho preconceitos, faço com amor e todos que quiserem casar é só ir na nossa comarca porque lá tudo é realizado sem diferenças”, finalizou.