Escuto com frequência em meu consultório pacientes com dúvidas sobre como lidar com aplicativos de relacionamento, como o Tinder, Happn e agora o Dating (do Facebook).
Independente se são homens ou mulheres, as dúvidas são muito parecidas: por que só aparecem para mim pessoas que não têm nada a ver comigo? Como me posicionar, me descrever, no perfil/ biografia? Até que ponto devo falar tudo o que quero e o que estou buscando?
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Essas dúvidas estão relacionadas com suas próprias inseguranças e não com o uso do aplicativo. Por isso, agrupei as questões relacionadas ao uso e eficiência dos aplicativos, que surgem no consultório, em 3 grandes temas:
1. Assumir as próprias escolhas; 2. Excesso de preocupação com o julgamento alheio; 3. Crença no destino. Há um ponto comum para que estas três questões sejam respondidas e satisfeitas. Precisamos ter como objetivo ser o sujeito da própria vida.
A 1a questão diz respeito à coerência das pessoas com seus próprios desejos e com a sua expectativa, ou seja, como você se define e o que coloca como filtro na busca de um parceiro. Em geral as pessoas estão inseguras com aquilo que desejam para suas próprias vidas e, portanto, um pouco indecisas quanto as suas escolhas.
As questões mais comuns são relacionadas ao medo de assumir aquilo que se está buscando: fazendo um filtro muito restrito conhecerei pessoas legais? Ou estarei me limitando? Devo deixar bem genérico ou específico? Devo colocar exatamente o que eu quero?
Para responder estas perguntas, devemos ter a seguinte clareza: estou usando uma ferramenta intermediária (neste caso um aplicativo) porque quero encontrar alguém, quero ter um relacionamento “X” (definir qual tipo de relacionamento se deseja já é um importante passo em direção ao que se busca).
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Um grande mito deste nosso século é o da onipotência: podemos e devemos ser felizes sozinhos, sem depender de nada nem de ninguém. Uma mentira, pois o ser humano é um ser sociável, que precisa se relacionar. Este conceito, além de sem fundamento e mentiroso, faz com que as pessoas sintam-se frustradas, uma vez que não conseguem se identificar ou realizar o que propõe o conceito.
Voltemos aos aplicativos de encontro. Derrubemos o mito e assumamos que é legítimo o ser humano buscar alguém, ter desejo e necessidade de viver em conjunto, de compartilhar sua vida com alguém, da maneira como eles (casal) queiram definir este relacionamento. Neste caso, o aplicativo pode ser entendido e usado como um facilitador para isso.
Uma vez assumida esta questão, devemos nos perguntar: que tipo de pessoa eu quero pra minha vida? Que tipo de projeto de vida eu tenho, eu quero um casamento? Eu quero só um relacionamento e não necessariamente morar junto? Eu só quero sair com algumas pessoas e me divertir? É importante que tenha filhos? Que não tenha filhos?
Por mais surpreendente que possa ser, quando as perguntas voltam para a pessoa no consultório, a maioria das respostas é: eu não sei o que eu quero!
Estas reflexões são muito importantes para definir o seu FILTRO, mas não o filtro do aplicativo, o seu, o filtro essencial da sua vida.
Há aplicativos que têm filtros bem definidos e detalhados, principalmente os aplicativos pagos. Nos gratuitos, os filtros são bem básicos, como idade, gênero e localidade. Então, ter clareza do seu “filtro interno” será essencial para ao menos afastar aquilo que você tem certeza que nao quer e para ajudar a atrair o tipo de pessoa e de relacionamento que você busca para sua vida. Não ter vergonha de assumir aquilo que se quer é fundamental!
Recentemente, um paciente levantou a seguinte questão durante uma sessão:
– “Eu quero encontrar alguém, mas eu não gostaria que esta pessoa tivesse filhos nem que tivesse sido casada”.
– “Pois bem – disse eu – assuma e coloque isso no seu filtro e na sua biografia, deixe claro este seu desejo”.
– “Não, eu não posso fazer isso. As pessoas podem achar que eu sou uma pessoa egoísta, que sou uma pessoa insensível… Que eu não gosto de crianças, que eu não gosto de me relacionar…”
Esta pergunta leva à 2a questão que envolve a importância excessiva que se dá ao julgamento dos outros: se me virem no aplicativo, o que vão pensar de mim? Vão me julgar por estar lá? Vão me julgar pela forma como me descrevo no perfil? Vão achar que sou uma pessoa que não conseguiu encontrar alguém ou que sou muito carente?
Estes questionamentos têm a ver com um valor moral que envolve a vergonha do uso, o julgamento do outro, a sensação de fracasso por estar buscando alguém em um aplicativo.
Uma vez que o 1o passo já foi dado, ou seja, assumir que está em busca de alguém e que o aplicativo é um facilitador, o passo seguinte é assimilar a seguinte ideia: não vou me importar excessivamente com o julgamento dos outros porque isto é algo que eu estou decidindo para a minha vida e eu não me importo com o que as pessoas pensam. Mesmo porque as pessoas sempre vão pensar alguma coisa.
Então, não assumir isso pra si por causa do julgamento do outro coloca o outro como mais importante do que seu próprio desejo e aí você vai encontrar uma pessoa que não é o que você quer, mas talvez uma pessoa que é o que os outros querem para você. A chance de dar errado é enorme.
Voltando ao paciente que gostaria de conhecer uma pessoa que não foi casada e sem filhos, mas tem dificuldade de assumir isso e colocar em seu filtro, imaginemos que foi exatamente o que aconteceu (já que isto não foi assumido e, portanto, não há como o parceiro/ parceira saber). Os conflitos logo aparecem na relação, como por exemplo: parceira(o) sem agenda por causa dos filhos, programas de final de semana que só que envolvam as crianças, impossibilidade de viagens, etc), Sabem qual o discurso deste paciente no consultório?
– “Ah, o aplicativo não serve, só me faz conhecer pessoas que não têm nada a ver comigo, que não curtem o tipo de programa que gosto de fazer e nao têm o mesmo plano de vida que eu”.
De novo, não assume que foi a sua escolha (ou não escolha) que definiu e aceitou esta pessoa e esta relação.
Então, antes de buscar um relacionamento, vamos dar um passo para dentro. Não é um passo para trás, mas para dentro para conhecer, entender os desejos, a busca interna e só depois comunicar, colocar no externo.
A 3a questão que aparece no consultório é: usando um aplicativo, não estou interferindo no destino? Não deveria deixar essas coisas acontecerem mais naturalmente? Conhecendo uma pessoa pelo aplicativo, esse encontro será natural?
A ideia de interferência no destino é uma crença pessoal. Caso sua crença lhe indique que interferir no destino não é positivo, então assuma isso. Espere que as pessoas apareçam e entrem naturalmente em sua vida. Talvez o aplicativo não seja a melhor solução. Faça isso sem expectativas, aceite o tempo do destino, do universo ou do nome que você queira dar à sua crença.
Voltamos, então, ao ponto comum: ser o sujeito da própria vida, ser protagonista de suas escolhas e responsável por suas ações antes de passar a responsabilidade para o outro (que pode ser o aplicativo). Sempre lembrando que não há certo ou errado. O certo é o que cada um deseja para sua própria vida, o errado é viver angustiado.
O aplicativo é uma ferramenta que depende de você e poderá auxiliá-lo (a) desde que VOCÊ saiba o que quer.
Se você fala para alguém que quer viajar, mas não sabe o destino, você vai acabar indo pra qualquer lugar. Mas se você fala: eu quero viajar e o meu destino é a praia, vai ser traçado um roteiro que vai te levá-lo (a) até ali. A praia pode não ser exatamente como você sonhou, mas é uma praia.
Com o parceiro é a mesma coisa. Este parceiro ou parceira ideal, perfeito, não existe. Nem no aplicativo, nem no mundo. Mas a gente precisa conhecer este ideal, que está dentro de nós, pra poder chegar o mais próximo possível do que existe.
Assumir o que queremos é assumir a direção da nossa vida.
Fonte: IG Mulher