“Desde criança eu sempre tive muita bochecha, e isso se estendeu até minha adolescência. Naquela época, surgiu o Facebook e com ele eu comecei a receber montagens de fotos minhas ao lado do personagem Fofão. Isso me abalou muito na época, e fiquei muito mal. Até que um tempo depois eu fiquei sabendo da existência da cirurgia que diminuía as bochechas, a bichectomia.
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Me lembro de ter ficado muito feliz quando eu descobri sobre a cirurgia, porque eu pensei que um dia eu poderia resolver essa questão que me incomodava tanto. Com o passar dos anos, eu conseguir atingir uma condição financeira para, enfim, fazer a bichectomia.
Antes do procedimento, dei uma pesquisada e vi alguns estudos dizendo que a bichectomia poderia acelerar o processo de envelhecimento do rosto. Por isso, eu perguntei para a dentista que iria realizar a cirurgia a repeito desse efeito colateral. Ela me disse que isso era um mito e que os artigos científicos que diziam isso eram completamente ultrapassados. Acreditei nela.
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Mesmo com a cirurgia marcada, eu ainda me sentia insegura. Acho que era a minha instituição dizendo que tinha algo errado. A médica até mesmo chegou a abaixar o preço da cirurgia. A princípio, ela estava cobrando R$ 2.500, mas quando expressei as minhas inseguranças ela abaixou o preço para R$ 800. Esse foi o valor cobrado fora as medicações. Quando a dentista diminuiu o valor, acreditei que tinha feito isso porque eu realmente precisava fazer.
Quem realizou a cirurgia foi a dentista e um farmacêutico. Entretanto, quando a médica começou a fazer a incisão do lado direito, voltei a me sentir insegura, mas ela já tinha começado. Ela retirou uma bola de lado direito do meu rosto, mas quando passou para o lado esquerdo, ela não estava conseguindo concluir o procedimento. Eu sentia tanta dor nesse momento que parecia que a minha cabeça iria explodir, ela me anestesiou outra vez, o que me fez sentir um choque no lado esquerdo da minha língua. A dor ainda continuava.
Por mais que doesse, pensava que eunão podia desistir. Pensava: ‘Mmeu Deus, já foi o lado direito. Se eu não aguentar, o meu rosto vai ficar deformado’. Aguentei toda a cirurgia. No meio da bichectomia, a dentista passou o procedimento para o farmacêutico. Ele ficou uns 40 minutos mexendo na minha boca para no final a dentista fechar a minha boca com os pontos.
Quando eu conversei com a médica sobre a cirurgia, ela me garantiu que não haveria nenhum risco e que serial algo muito simples e indolor. O que aconteceu foi o completo oposto. Eu senti muita dor durante todo o procedimento e me senti assustada quando ele acabou. Os dois disseram que tinha sido um secesso.
Procurei me cuidar muito bem do pós-operatório, até para tentar diminuir o inchaço e as dores que eu estava sentido. Voltei a questionar a médica para saber se era normal continuar sentido dor e dormência na lingua. Ela sempre dizia que era assim mesmo.
Em casa, eu também voltei a pesquisar mais sobre os resultados da bichectomia e comecei a me deparar com inúmeros relatos ruins sobre a cirurgia. Foi a partir desse momento que eu comecei a perceber que o procedimento tinha sido uma péssima ideia.
Com uma semana de pós-operatório o meu rosto começou a desinchar e eu percebi que parecia que o meu rosto estava derretendo, principalmente o lado direito. O meu rosto começou a ficar cada vez mais marcado e com linhas de expressão, como se eu tivesse envelhecido.
Questionei novamente a dentista sobre o resultado e ela ainda me dizia ser normal e que só depois de três meses de pós-operatório o meu rosto ficaria com o resultado final. Entretanto, em 15 dias, as coisas ficaram cada vez piores.
Na mesma época eu também encontrei uma página no Instagram chamada ‘Vítimas da Bichectomia’. Na página eu me deparei com inúmeros relatos de pessoas sofrendo justamente o que eu já estava vendo no meu rosto. Entrei em desespero. Eu queria morrer, senti que era o pior momento da minha vida.
Tentei falar novamente com a médica, mas ela disse que o que estava acontecendo no meu rosto era reflexo por eu não estar dormindo bem, sendo que a única coisa que eu conseguia fazer naquele momento era dormir.
Passaram-se meses e eu ainda sentia dores no lado esquerdo do meu rosto, que continuava inchado e desproporcional ao lado direito. Além, dos problemas estéticos, a cirurgia também afetou a minha saúde física. Eu não conseguia abrir a minha boa nem para comer direito.
Precisava de uma segunda opinião sobre o que estava acontecendo. Procurei um especialista em face e ele logo me informou que não era nada normal o que estava acontecendo comigo. Ele pediu uma tomografia para avaliar melhor a situação e me encaminhou para um fisioterapeuta especialista em buco-maxilo.
A tomografia revelou que eu tinha um acúmulo de saliva do lado esquerdo do meu rosto. A minha saliva não estava sendo drenada para fora do buco-maxilo. O médico me avisou que se com a fisioterapia eu não melhorasse, eu teria que fazer uma nova cirurgia para colocar um cateter e criar um novo caminho para que minha saliva fosse extravasada para fora. Essa cirurgia custava em torno de R$ 4 mil.
Retornei com a dentista que fez a bichectomia e contei tudo o que estava acontecendo comigo. Ela falou que, se eu quisesse, ela mesma poderia fazer a cirurgia do cateter. Contudo, eu não sentia mais confiança no trabalho dela e apenas solicitei o meu prontuário, que eu sabia que não existia, já que eu percebi no dia da cirurgia que ela não havia feito um.
E para a minha surpresa, eu recebi um novo prontuário cheio de mentiras. Ela havia manipulado as informações para retirar a responsabilidade dela do que havia acontecido. Inclusive, esse documento não tem a minha assinatura.
Com a fisioterapia consegui melhorar gradualmente a abertura da minha boca. Mas a questão estética só piorava, o que acabou afetando muito o meu psicológico. Mesmo com o tratamento, eu ainda tinha um rosto derretido, com bigode chinês e papada. É como se faltasse uma parte do meu rosto, principalmente quando estou de perfil. Ficou um buraco enorme no meu malar.
Entrei em depressão devido à minha aparência. Eu me sentia feia. Perdi toda a minha confiança e alegria. Passei a ter medo de ser vista por pessoas que conheciam a minha aparência de antes da bichectomia, ao ponto de ter crise de pânico. Cheguei a me mudar para uma cidade onde ninguém me conhecia para poder me esconder.
Passei muito tempo trancada em casa e, depois de uns meses, tive a ideia de fazer um grupo de apoio para pessoas que estão vivendo a mesmo situação que eu. Mandei mensagem para a administradora da página ‘Vítimas da Bichectomia’ e criei um grupo de apoio no WhatsApp.
Muitas mulheres e homens de diferentes idades, que também foram vítimas desse procedimento, entraram no grupo. Até mesmo meninas de 18, 19 anos estavam sofrendo com envelhecimento precoce; outras apresentaram problemas funcionais também.
Criar esse grupo me ajudou, porque eu consegui ajudar outras pessoas que estavam passando pelo mesmo desespero que eu, que também me motivou a estudar cada vez mais sobre a bichectomia. Alguns dias depois de criar o espaço, me convidaram para ser administradora do grupo no Facebook.
Eu sofri muito, tive depressão, saí da minha casa, larguei meu trabalho, fiquei com a minha aparência deformada por causa dessa cirurgia. Mas a minha essência não mudou. O que eu puder fazer para poder avisar as pessoas para não passarem pelo que eu passei, eu vou fazer.
Espero que um dia essa cirurgia seja proibida de ser feita, para fins unicamente estéticos e que só seja realizada em casos realmente indicados. Também desejo que os profissionais irresponsável sejam responsabilizadas e paguem pelo que fazem.
Todos os dias eu recebo relatos de pessoas com depressão, pessoas que já tentaram suicídio. Eu mesma já tentei suicídio porque não aguentava mais. Tem gente que não dá a devida importância para a situação, mas o que aconteceu comigo e com outras pessoas não é como um corte de cabelo ruim. O cabelo cresce de novo. O rosto, não.”
Fonte: IG Mulher