Como lidar com altos índices de indisciplina e abandono escolar? A resposta para esse questionamento não é simples e demanda uma série de ações. Uma delas pode ser oferecida pelas técnicas do Judiciário voltadas à pacificação social. Em Mato Grosso, o caso da Escola Alda Scopel, em Primavera do Leste foi apresentando durante o Seminário Estadual “Promoção e Cultivo da Paz – Práticas Restaurativas no Estado de Mato Grosso”. O evento é promovido pelo Núcleo Gestor da Justiça Restaurativa (NugJur) começou na manhã desta quinta-feira (22) e segue até sexta (23), no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
As facilitadoras do Nugjur, Marina Soares Vital Borges e Maria Eterna Pereira da Silva mostraram como a parceria com o Judiciário na realização dos Círculos de Paz está ajudando a melhorar o ambiente escolar. Os casos de violência e indisciplina em sala de aula são sintomas de problemas de saúde, resultantes de diversos fatores sociais e emocionais. Os dados apontam que 67% dos alunos afirmam que já sofreram bullying, 62% vivenciam algum conflito, 48% conhecem colega que tentou suicídio e 33% conhecem alguém que pratica automutilação.
A Justiça Restaurativa vem apontando que o caminho é mudar a cultura da punição pela da restauração e entender o que a escola quer e precisa. “Ter um espaço seguro de conversa e diálogo é importante. A ansiedade por falar é tão grande que eles procuram alguém na biblioteca, coordenação. Como a atividade na escola é tão grande, se ouve o adolescente e nem sempre se faz o encaminhamento. Essa é uma possibilidade de construir uma política que melhore”, afirmou Maria Eterna.
Ela pondera ainda que não há saltos para as mudanças e o trabalho é processual e progressismo. “Não é do dia para a noite, é uma transformação paulatina”, conclui. Na mesma linha, Marina Borges explica que é grande a ansiedade de professores e diretores em ter soluções para os problemas que aumentam no ambiente escolar. Lembrou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) traz inovações e isso nem sempre é compreendido no ambiente escolar quando se leva em consideração realidade de violência na qual a comunidade escolar está inserida.
Anny Rodrigues, psicóloga que atua nas áreas da Educação e do Judiciário, tem atuado na busca por pacificação no ambiente escolar e considera que a Justiça Restaurativa
traz uma nova perspectiva sobre como lidar com as demandas que envolvem conflitos e violência.
“Era muito comum pensarmos que punição é a melhor forma de educar, mas quando tratamos violência com punição, geramos um ciclo que em vez de melhorar o ambiente, o piora, o adoece. A justiça restaurativa acolhe e tenta entender o cerne do que está provocando os conflitos e através da mediação, tenta minimizar os impactos que os conflitos causam no ambiente e encontrar mecanismos para que os conflitos não se tornem atos de violência. Quando abrimos espaços para o diálogo, em muitos casos se torna possível melhorar o ambiente e reduzir os ciclos de violência”, assevera.
Integração com comunidades indígenas – O cacique de uma aldeia da etnia indígena haliti-paresi, de Campo Novo do Parecis, Rony Walter Azoinayce, foi um dos palestrantes do evento e, ao lado da facilitadora do Nugjur, Thais Cunha de Oliveira, falou sobre o “Resgate das origens da Justiça Restaurativa junto à comunidade indígena Parecis”.
A palestrante relatou como foi a aproximação e o aprendizado com a realização dos cursos de formação na aldeia da etnia. “As crianças são ensinadas em português e na língua indígena e os desafios que advém desse processo quando passam a lidar com mais frequência com não-índios são muitos”, destacou.
Exemplo desses desafios foi abordado pelo cacique. Ele conta que foi muito difícil a adaptação quando decidiu avançar nos estudos até ingressar na universidade. Alvo de comentários racistas e discriminação, ele aprendeu a ter resiliência com os ensinamentos tradicionais de sua etnia.
“Recebi muita chacota e fiquei muito triste, retornei revoltado e com o coração estraçalhado. Eu me questionei se não deveria ficar na aldeia e desistir de estudar, mas meu avô me ensinou que deveria seguir meu objetivo de vida e fui para a escola de não-índios”, relatou.
Entre os ensinamentos explicou a simbologia do arco e da flecha. “É preciso força para alcançar o objetivo de vida. O arco representa o coração, aquilo que impulsiona. A flecha é o objetivo de vida que o coração o impulsiona. A gente precisa usar a ancestralidade que cada um tem, saber impulsionar dentro da gente, para nos restaurar como homem, como mulher e alcançar objetivos que tenham relação com o bem, não só meu, mas de todo o povo”, afirmou.
O desembargador Mario Kono, coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC), participou do painel como ouvinte e disse ter ficado encantado com as apresentações e potencialidades de trabalho.
“São iniciativas muito boas, é um processo de transformação pelo qual passa o Judiciário e a sociedade como um todo, abrindo a visão para novas formas, não só da solução de conflitos, como na prevenção deles. Hoje foi falado em educação, escolas, sistema reeducativos e agora, aqueles que foram excluídos como os indígenas. Temos que realmente trabalhar e fomentar a cultura de pacificação social e todas essas iniciativas estão de parabéns”, contou.
#Paratodosverem. Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Descrição de imagens: Imagem 1: Foto colorida do palestrante cacique Rony falando ao público. Ele usa indumentária que caracteriza sua etnia, como capa de couro de onça e cocar de penas coloridas na cabeça. Ele está próximo a um púlpito e, à sua frente, a plateia sentada no auditório. Imagem 2: Foto colorida das palestrantes Marina Soares Vital Borges e Maria Eterna Pereira da Silva segurando o certificado de participação. Entre elas está a juíza Myrian Pavan. Imagem 3: Foto colorida do desembargador Mario Kono em entrevista à imprensa. Ele usa terno e camisa azul. Imagem 4: Os palestrantes Thais de Oliveira e cacique Rony aparecem no palco do auditório do evento. Ela está no púlpito e ele ao lado.
Andhressa Barboza
Coordenadoria de Comunicação da Presidência do TJMT
Fonte: Tribunal de Justiça de MT