A comunicadora Dina Batista Carmona, 38, trabalha há dez anos criando conteúdo na internet com foco em moda e lifestyle, mas decidiu adotar um novo direcionamento ao próprio trabalho para abordar a invisibilização das mulheres nortistas. Oriunda de Belém do Pará, ela começou a encabeçar projetos nas redes sociais para aproximar a diversidade do Norte do país ao restante do Brasil – desde a cultura e biodiversidade aos povos que habitam a região.
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Dina teve esse estalo em meio à pandemia da Covid, no período de isolamento social, quando passou a se aprofundar em descobertas sobre a própria região. Em entrevista exclusiva ao iG Delas, ela conta que sentiu a necessidade de ajudar a ampliar as vozes de nortistas de diversas identidades culturais também para continuar o legado da própria família.
Dina é filha de João Batista, advogado e deputado estadual que foi morto por pistoleiros em 6 de dezembro de 1988 por defender a reforma agrária (ou seja, a reorganização de terras rurais). Naquele mesmo mês, o seringueiro e ativista Chico Mendes também foi assassinado.
João foi morto com oito tiros dentro de um carro onde estavam a esposa e os três filhos – incluindo Dina, então com quatro anos. A própria comunicadora foi atingida com um tiro no joelho, que por sorte saiu do corpo dela na mesma hora.
“Por muito tempo não consegui falar sobre o assunto pelo trauma de ver meu pai ser alvejado no colo da minha mãe à queima roupa. Foi muito bárbaro. Nenhum mandante foi preso e o pistoleiro morreu depois em uma rebelião. É uma dor muito profunda. Ficava me perguntando o porquê disso acontecer com a minha família”, conta Dina.
Para dar continuidade ao caminho trilhado pelo esposo, Sandra Batista, mãe de Dina, se aliou ao Partido Comunista do Brasil, que tem a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas como parte de suas demandas centrais. A participação mais ativa da mãe causou medo na comunicadora, que tinha receio de também perdê-la.
No entanto, com o passar dos anos, Dina compreendeu que Sandra atuava para dar continuidade ao legado do advogado. Hoje, a reforma agrária é uma das principais demandas que ela aborda em seu conteúdo: “Para mim, abordar isso hoje é me empoderar dessa ancestralidade e da minha própria história. A luta do meu pai e do Movimento Sem Terra pela reforma agrária, que não existe até hoje, é tão viva, mas tão invisibilizada”, afirma.
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“Me sinto muito responsável em poder continuar a luta do meu pai, e minha maneira de fazer isso é atingir mais pessoas com a internet. Passei por uma transformação interna para poder ajudar a minha comunidade”, acrescenta.
Foco nas mulheres
Em suas reflexões, Dina percebeu que em todos esses anos abordando moda, seja em blogs ou como colunista de portais de notícia, ela não relacionava a identidade regional ao assunto. “Aqui tem muita sabedoria popular, o que foi muito transformador para mim. Me empoderei como mulher nortista na pandemia”, diz.
Esse apagamento que ela mesma cometeu em seus conteúdos a fez ir além para pensar a maneira como a população é excluída de debates sobre seu próprio território – ou são incluídas de maneira simplista e com estereótipos do olhar de pessoas de outras regiões, o que resultou em desinformação ao longo dos anos.
Potencializar a história das mulheres locais tornou-se uma missão importante para pensar projetos digitais. “Quis contar histórias de mulheres que têm essa ligação com a nossa cultura e ancestralidade, sem caricaturas. Hoje, esse é um dos meus principais valores”, pondera a criadora de conteúdo.
A comunicadora considera que as mulheres desempenham papéis de poder fundamentais na região. “A mulher nortista é que comanda a família. Todo mundo tem uma forte matriarca, uma figura resiliente e de muita luta diante dos desafios da vida. Esse matriarcado é muito forte, é uma identidade muito típica daqui”, diz.
Dina explica que ela, junto de suas compatriotas, são frequentemente deixadas de lado ao se pensar a diversidade de povos brasileiros, o que as deixa com pouca ou nenhuma representação fidedigna de quem são.
“A gente não tem essa identidade. As pessoas não nos conhecem, não sabem nada sobre nós”, diz Dina. Para reverter esse cenário, ela criou em 2020 a série audiovisual Mulheres Fortes do Norte, exibida no canal do Instagram dela. “Essas mulheres precisam saber que têm um papel fundamental no país – não só como fornecedores de matéria-prima e protetoras da biodiversidade, mas por suas existências”, acrescenta.
A criadora de conteúdo reconhece que algumas de suas conterrâneas, como Gaby Amarantos e Fafá de Belém, conseguiram alcançar um grande destaque nacional. “Somos muito gratas pelas jornadas delas, mas nós não estamos sendo representadas. A gente não está em grandes campanhas, em peças de publicidade a nível nacional e nem mesmo somos vistas na internet. Nunca somos incluídas no diálogo sobre nós mesmas”, pontua.
Invisibilização do Norte
Para Dina, sanar a falta de representação de nortistas e gerar a aproximação das discussões da região amazônica com o resto do Brasil, principalmente do eixo Rio-São Paulo, são pontos primordiais de seu trabalho. “Seja em matérias jornalísticas ou em campanhas publicitárias, as pessoas do Norte não são chamadas para falar sobre a própria região em que residem. Precisamos falar sobre nossos hábitos, culinária, cultura, costumes e ancestralidade para participar do debate”, explica.
Para Dina, a percepção do restante do Brasil com relação à região é de reduzi-la às riquezas naturais e à biodiversidade da floresta. Assim, nega-se a adentrar nas particularidades dos povos que moram na mata.
“O Norte e a Amazônia são vistos pelo Brasil de cima, mas dentro dela habitam povos que cuidam da floresta. Essas pessoas nunca são incluídas na comunicação de campanhas sobre preservação, por exemplo. Quem fala sobre isso são pessoas que nunca pisaram aqui, que sequer conhecem os povos indígenas, ribeirinhos e caboclos ou a cultura ancestral. A floresta não é vista pelo que está acontecendo dentro delas”, pontua.
Por outro lado, a comunicadora vê que há um entendimento de que o Norte do país é composto apenas pela floresta ou por um tipo de população, geralmente a indígena. Com o apagamento desses habitantes nas mídias, ela vê a internet como um espaço para fazer uma revolução digital e fazer com que essas pessoas sejam donas de suas próprias narrativas.
“Até hoje as pessoas perguntam se aqui tem Wi-Fi, por exemplo. Existe informação em todos os lugares. Então, não é só um preconceito. É uma indiferença, como se realmente não existíssemos. Estamos cansados de militar, mas dizemos que, aqui, precisamos sempre defender a nossa realidade”.
Justamente para ampliar as vozes nortistas, Dina se juntou ao influenciador digital manauense Vito Israel para criar o podcast Papo no Tucupi, que dá protagonismo ao povo amazônico. A primeira temporada do projeto está disponível em todas as plataformas de streaming. Em novembro, o projeto promove a Expedição Alter do Chão, que trará dez personalidades do Brasil para explorar um dos principais destinos turísticos do país.
Preservação da cultura nortista
Em meio à campanha eleitoral de 2022, a criadora de conteúdo afirma que é preciso pensar nas necessidades urgentes relacionadas à floresta, como a demarcação de terras e o combate às queimadas e às grilagens. No entanto, é preciso ir além e criar medidas que amparem os povos nortistas.
Dina aponta que a indiferença acerca da cultura nortista também permeia parte da população nativa – principalmente as gerações mais jovens, que veem os saberes geracionais como “ultrapassado” ou “desinteressante”. Com isso, a comunicadora se preocupa que esses saberes não sejam passados para frente e acabem esquecidos.
“Nosso maior desafio além da floresta é preservar nosso patrimônio imaterial. Gostaria que se olhasse para essa cultura e regionalidade ancestral para que ela não acabe”, diz.
Ela também afirma a necessidade de se criar projetos para empreendedores da floresta. Assim, além dos cuidados com a mata, garante-se renda e qualidade de vida para seus residentes: “Imagine se tivéssemos um projeto de empreendedorismo para o ribeirinho, por exemplo, que cultiva a copaíba com um olhar ancestral”, pondera.
O desejo principal, no entanto, é de pertencimento e da possibilidade de uma existência plena. “Aqui, nós temos uma diversidade enorme de produtos naturais, gastronomia, culturas, destinos deslumbrantes e saberes. A proximidade com a floresta amazônica proporciona um contato muito diferente. Temos o privilégio de morar na maior floresta do mundo, e é claro que devemos nos empoderar disso”, finaliza.
Fonte: IG Mulher