A gravidez foi uma surpresa para a historiadora e professora universitária Aline Ferreira* (40). Aos 30 anos, a docente sofria de hipomenorreia, que é a condição de escassez do sangue menstrual. “Eu menstruava muito pouco, e, às vezes, mal sangrava. Por isso, não percebi que estava grávida até o terceiro mês da gestação”.
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Durante o início da gravidez, Aline* estava em Salvador (BA), cursando uma pós-graduação. “Foi um período muito difícil. Estava muito sozinha, e, por isso, acabei me afogando no álcool. Não passava um dia sem beber. Foi bem triste mesmo. Mas, quando descobri que estava grávida, parei de imediato. Sabia que não podia, mas não sabia o verdadeiro porquê”.
O parto de Pedro Lucas*, seu filho, foi prematuro, e o bebê ficou internado por alguns meses. Após analisarem a má formação de alguns órgãos e as visíveis alterações faciais, os médicos de Ferreira alertaram a família: o recém-nascido sofria de Síndrome Alcóolica Fetal (SAF).
Depois de cinco meses, Pedro Lucas* faleceu por complicações renais. “Me senti muito, muito, muito culpada. Sabia que eu não imaginava que carregava meu filho na época, mas queria muito voltar no tempo e não ter bebido o que bebi. Levou muito tempo para eu me perdoar”, revela a mãe.
Síndrome Alcóolica Fetal (SAF)
A Síndrome do Alcóolica Fetal (SAF) é o mais grave transtorno de doenças relacionadas ao álcool na gestação, e é causada pela ação tóxica da substância no organismo fetal em desenvolvimento.
“O álcool atravessa facilmente a placenta e é dificilmente metabolizado pelo feto que ainda não desenvolveu as enzimas adequadas ao seu metabolismo, acumulando-se, portanto, no líquido amniótico resultando em uma ação muito prolongada do álcool no feto”, explica Conceição Segre, livre docente em Pediatria Neonatal e conselheira científica do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA).
Além disso, o álcool desenvolve a diminuição da oxigenação fetal, disfunção hormonal, retardo de crescimento intrauterino e malformações fetais. O sistema nervoso é particularmente atingido pela substância, bem como o coração, os membros e os órgãos genitais.
A SAF é classificada como o principal transtorno causador de retardo mental e de anomalias congênitas não hereditárias em todo o mundo. De acordo com a maioria das pesquisas, entre 1 a 3 bebês são diagnosticados com a síndrome a cada 1000 nascidos vivos.
Para a ginecologista e diretora técnica da Clínica Curci, Carolina Curci, os primeiros diagnósticos de bebês com SAF observam alterações na face, como olhos pequenos, lábios superiores muito finos, nariz curto, pálpebras baixas e dismorfia facial. No corpo, é possível observar defeitos em órgãos, como problemas no coração, rins e ossos.
“Também existem sintomas cognitivos e neurológicos, como a dificuldade de concentração, pouca memória, falta de coordenação motora, pouco equilíbrio e impulsividade”, explica a médica. “Pacientes que nasceram com síndrome alcoólica fetal também podem apresentar uma série de tendências, como abuso de álcool, agressividade, depressão, anorexia e dificuldade de julgamento de certo e errado.”
O diagnóstico precoce pode ser feito pelo histórico materno de ingestão de álcool durante a gravidez, o que, segundo Conceição Segre, nem sempre é facilmente obtido. Na maioria das vezes, a SAF é reconhecida pelo quadro clínico do bebê. A médica explica que, com o passar do tempo, as alterações faciais vão diminuindo, tornando o diagnóstico mais difícil.
Segundo Segre, existem testes modernos que possibilitam um diagnóstico ainda mais precoce, realizado com as fezes do recém-nascido. O teste busca por resíduos de éster etílico de ácidos graxos no excremento do bebê, para assim contabilizar a quantidade de álcool ingerida pela mãe durante a gestação. No entanto, as clínicas do Brasil ainda não contam com essa tecnologia disponível.
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O risco da SAF aumenta conforme a ingestão de álcool na gravidez. “A ingestão no primeiro trimestre de gestação implica em risco 12 vezes maior de acometimento fetal; se a gestante continuar a ingerir bebidas alcoólicas no primeiro e no segundo trimestres, o risco se eleva a 61 vezes; e se o consumo ocorrer durante toda a gestação, o risco é 65 vezes maior”, explica.
A médica detalha que o grau de acometimento fetal é considerado mais grave se a ingestão de bebida alcoólica ocorrer no início da gestação, quando a mulher nem mesmo sabe que está grávida. Portanto, qualquer quantidade de álcool ingerida em qualquer fase da gestação pode atingir o feto.
Até o momento, não existe uma quantidade contabilizada de álcool saudável para consumo por gestantes. A prevenção, para qualquer mulher que deseja engravidar ou já está grávida, é a total abstinência da substância desde o início da gestação até o período da amamentação.
A Síndrome Alcóolica Fetal não tem cura. A pediatra Carolina reflete que os cuidados devem ser desenvolvidos por uma rede de apoio, com obstetra, pediatras, psicólogos, psiquiatras, fisioterapeutas e fonoaudiólogos. “É uma equipe multidisciplinar de tratamento específico”, finaliza.
Fonte: IG Mulher