Tem gente que, simplesmente, não consegue dizer ‘não’, seja em relações familiares, amorosas ou no trabalho. O comportamento é arriscado e pode levar a prejuízos materiais e emocionais. A especialista Flavia Amorim, do Instituto de Comunicação Não-Violenta Brasil, conversou com o iG Delas e esclarece a chamada ‘Síndrome de Boazinha’.
IG Delas: O que é a ‘Síndrome da Boazinha’?
Flavia Amorim: Temos uma história, contada já há mais de 8 mil anos, de que o mundo é dividido entre pessoas boas e pessoas más, os que estão certos e os que estão errados e nesta dualidade a mensagem que fica é a de que precisamos ser bons ou seremos punidos. Isso se traduz na nossa criação familiar, quando um pai repreende a filha falando “Para de pedir, isso é falta de educação” e ela aprende que precisa se calar para ter o amor da mãe ou na nossa formação profissional, onde muitas vezes a mensagem recebida é que aquele local quer pessoas que priorizem a empresa, o grupo, os outros, mesmo que isso signifique um impacto negativo em suas próprias necessidades. A quem se identificar com o tema vale a leitura do livro de Harriet B. Braiker “A síndrome da boazinha”.
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Qual a importância do NÃO na vida das pessoas?
Quando falamos NÃO para algo ou alguém estamos dizendo SIM para uma necessidade nossa. O não nos apoia a cuidar dos nossos limites e a mostrar ao outro quais são esses limites. Além disso, vivemos em tempos corridos e mesmo em contextos em que queremos muito fazer algo é preciso reconhecer nossos não’s para prevenir estados de estafa ou sobrecarga.
Como as pessoas podem se prejudicar profissionalmente por não conseguirem dizer não?
Recentemente o burnout foi reconhecido como uma doença ocupacional, a sobrecarga de atividades e preocupações também pode atingir uma proporção que ameaça a saúde mental e emocional e a negligência de suas próprias necessidades podem chegar a um ponto que te levam a raiva, apatia e desgosto da vida.
Quando não consigo dizer não no trabalho tenho o risco de acessar esta sobrecarga e o risco de quebrar a confiança com meus colegas, pois em vez de falar não, falo sim e depois não consigo entregar o que foi prometido. No final das contas, colhemos impactos em nossa saúde e acabamos por ter também relações extremamente machucadas, não vale a pena no longo prazo.
Nas relações pessoais (em relacionamentos amorosos e familiares, com amigos e na sociedade), qual a importância do Não para a construção de relacionamentos duradouros?
Tem uma frase que usamos bastante em nossos treinamentos de Comunicação Não-Violenta (CNV): “A motivação pela qual alguém faz algo às vezes é mais importante do que a ação em si.” Se estamos fazendo sim a algo que nosso parceiro ou parceira nos pede, mas falamos sim por medo de perder o relacionamento, culpa ou até mesmo vergonha, isso vai aos poucos nos distanciando.
Este padrão faz com que muitas vezes pessoas da nossa vida levem um susto quando decidimos terminar um relacionamento ou nos afastamos de algum parente/ amigo. Foi o acúmulo de “nãos” que criou um distanciamento silencioso, onde uma das partes achava que estava tudo bem e a outra parte se sentia cada vez mais só e angustiada.
Como trazer o Não para dentro do contexto corporativo de forma positiva?
A forma mais positiva de trazer o seu não é deixando transparente o que você está dizendo. “Neste momento não posso pegar esta demanda, estou com 4 propostas para enviar até as 14h.” ou “Para este projeto são demandadas habilidades de Excel que eu não tenho, acredito que posso contribuir mais no desenvolvimento das apresentações, com isso vou negar esta possibilidade”.
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Outro caminho é estar aberto a pensar alternativas. Talvez você não consiga hoje, mas pode negociar para amanhã o prazo ou verificar se há alguém que possa apoiar. O “não” não precisa ser o fim da conversa, pode ser somente a negativa daquele caminho.
Importante destacar que existem contextos que envolvem situações de abuso, assédio ou até mesmo preconceito, nestes contextos é muito importante a empresa também apoiar o “não” daquela pessoa que passou por isso, sem que ela precise de justificar. Faz parte da criação de um ambiente de segurança psicológica, proporcionar para as pessoas a opção de falarem o ‘não’, sem medo da punição.
Como trazer o não para relações profissionais sem parecer uma pessoa que não cumpre ordens ou que não sabe receber e cumprir regras?
Vale destacar a importância de ser capaz de sustentar conversas difíceis. A CNV traz conceitos e ferramentas que apoiam a criar uma qualidade de conexão nas relações em que ambas as partes se compreendem e sabem que se importam. Quanto melhor as relações, mais fácil será dar e receber nãos sem que isso chegue como preguiça ou irresponsabilidade.
Qual a relação podemos fazer entre pessoas que têm dificuldade em dizer NÃO e ambientes corporativos tóxicos?
É de extrema importância reconhecer como aquela organização lida com o não. Pedir que as pessoas sejam sinceras, cumpram os combinados, performem da melhor maneira, mas que não sejam “difíceis’, sejam sempre “proativas”, pode ser a receita para diversos problemas. A autora Amy C. Edmondson narra no seu livro “A organização sem medo”, diversos relatos de empresas de diferentes portes e segmentos que tiverem verdadeiras catástrofes acontecendo por ter ali uma cultura onde as pessoas não se sentiam seguras em expressão preocupações, problemas, feedbacks. Poder falar não é uma das bases de um ambiente com segurança psicológica e a CNV apoia líderes a aprenderem a escutar e lidar com este não e liderados a expressar com mais autorresponsabilidade e clareza interna os seus limites.
Fonte: IG Mulher