ADRIEN STEPHAN
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Em meados de fevereiro de 2022, fui procurado por um casal em verdadeiro estado de pânico. Eles foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio culposo contra seu filho recém-nascido, com menos de 30 dias de vida. Naquele primeiro contato, narraram sucintamente que o filho morreu durante a amamentação em um sábado à tarde, porém, não sabiam explicar o motivo.
Confesso que em primeira impressão, fiquei um pouco impactado e até relutante com o pedido de ajuda dos dois, tendo em vista que a minha esposa estava grávida na época e isso me deixou bastante sensibilizado, inclinando-me a rejeitar o caso. Ainda assim, decidi analisar o processo, mas somente por consideração da indicação. Durante a análise das provas contidas nos autos da ação penal, eu não tive a menor dúvida: esse caso será condenado sem a mínima misericórdia!
No processo haviam três depoimentos de testemunhas afirmando a mesma coisa: a morte do recém-nascido ocorreu porque os pais estavam drogados e embriagados!
Além do mais, eram testemunhas de peso! Sendo um morador que vivia temporariamente com o casal, o antigo patrão do genitor e uma pessoa que prestou socorro. Em contrapartida, o casal não tinha nenhuma testemunha.
Conclusão: só um milagre os salvaria!
Com essa “sentença pessoal” em mente, disse ao casal que não iria pegar o caso e os incentivei a buscarem auxílio na competente Defensoria Pública, vez que eles conseguiriam uma boa defesa de forma gratuita. Passado alguns dias, durante uma conversa com minha esposa, onde ela me explicava a importância de restrições alimentares durante a amamentação, pois tanto os nutrientes quanto as toxinas eram transferidos ao bebê pelo leite, tive um “feeling” com o triste caso do recém-nascido.
Abri novamente o processo para analisar a necropsia do recém-nascido e verifiquei que o laudo médico constatou que se tratava de um bebê bem nutrido, sem sinais de maus-tratos. Ainda, órgãos como fígado e rim (responsáveis por metabolização de toxinas) estavam em perfeito estado, assim como coração e pulmão.
Diante dessas informações, me fiz alguns questionamentos:
como o bebê que faleceu amamentando um leite supostamente contaminado com álcool e drogas tem um laudo onde não detecta um grau mínimo de toxinas? Sobretudo em seu pequeno e sensível fígado e rim.
Ora, estando o leite contaminado minutos antes da necropsia, não seria lógico detectar rupturas e agressões em órgãos tão frágeis e sem formação completa?
Como um leite intoxicado revelaria um recém-nascido bem nutrido (levando em consideração que o leite materno era sua única dieta)?
Com isso em mente, entrei em contato com o casal, informando que gostaria de defendê-los, pois ali estava ocorrendo uma grande injustiça, com grande possibilidade de passar despercebido aos olhos da Justiça. A oferta foi aceita pelo casal.
Apesar de não ter nenhuma testemunha para ajudá-los, contamos com o valioso auxílio de Deus e da ciência. Preparamos-nos para a audiência elaborando perguntas chaves para as testemunhas, sendo o suficiente para desmascará-las a confessarem que passaram toda a investigação e processo penal mentindo.
Especulamos que os motivos foram pessoais, pelo desejo perverso de ver o casal preso para não pagar pendências financeiras.Testemunhas desmascaradas. Necropsia corretamente interpretada. Resultado: O casal foi absolvido e recebeu o PERDÃO JUDICIAL, sendo EXTINTA A SUA PUNIBILIDADE. E a Justiça foi feita!
Gostaria de finalizar esse artigo com um trecho da carta de um grande jurista brasileiro e ferrenho defensor dos Direitos Humanos, Dr. Heráclito Fontoura Sobral Pinto, que possui os seguintes escritos:
“O primeiro e mais fundamental dever do advogado é ser o juiz inicial da causa que lhe levam para patrocinar. Incumbe-lhe, antes de tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela é realmente defensável em face dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me convenço de que a justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua disposição”.
Como advogado militante, concordo em gênero, número e grau com a reflexão acima.
Em virtude disso, concluo com a minha reflexão: para o honesto exercício da advocacia, o advogado está obrigado, em caráter irrevogável, irretratável, irrenunciável e ad eternum, a detectar a justiça, sendo essa sua função institucional e escopo máximo da sua existência. O fiel cumprimento da lei e a busca pela verdade devem ser os principais motivos de batalha para o advogado.
Pedro Adrien Stephan é advogado, defensor dos Direitos Humanos e CEO do escritório de advocacia Nunes & Stephan Advogados Associados