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INSEGURANÇA

Lei que flexibiliza concessão de títulos fundiários vai legalizar grilagem na Amazônia Legal, alerta MPF

DA REDAÇÃO / MATO GROSSO MAIS
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Pedro Guerreiro / Ag. Pará

O Ministério Público Federal (MPF) alerta que a Lei 14.757/2023 – que flexibilizou as regras para a concessão de títulos de terra pública – vai gerar insegurança jurídica e colaborar para o acirramento dos conflitos no campo e para a grilagem de terras na Amazônia Legal.

A norma extingue as chamadas cláusulas resolutivas, que são condições impostas a pessoas que receberam títulos de assentamento concedidos pela União até 2009, para ocuparem terras públicas destinadas à reforma agrária, com finalidade agrícola e social.

Entre as cláusulas, estavam a proibição de venda por dez anos, respeito à legislação ambiental e uso da terra para agricultura, entre outras. Caso essas condições não fossem cumpridas, o título era anulado e a terra devolvida ao poder público.

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Com a Lei 14.757/2023, aprovada em dezembro, pessoas que não cumpriram essas condições passarão a ter direito sobre as áreas ocupadas irregularmente. Segundo o procurador regional dos Direitos do Cidadão de Rondônia (PRDC), Raphael Bevilaqua, a norma obriga a União a entregar milhões de hectares de áreas públicas na Amazônia Legal, que hoje são de sua propriedade, em benefício de latifundiários e especuladores imobiliários.

“Com a extinção das cláusulas que condicionaram a transferência desses imóveis ao atendimento de certas finalidades públicas, haverá a venda de bem público a particular com dispensa de licitação, por valor inferior ao de mercado, sem a exigência de qualquer contrapartida. Isso equivale a entregar milhões de hectares de imóveis públicos a quem não deu função social à terra, promovendo uma verdadeira antirreforma agrária no Brasil”, destaca Bevilaqua. O dispositivo havia sido vetado pelo presidente da República, mas o veto acabou sendo derrubado, no último dia 9, pelo Congresso Nacional.

Segundo o PRDC de Rondônia, a lei fere uma série de disposições constitucionais, como o direito à reforma agrária e o princípio da função social da propriedade. Além disso, ela causa insegurança jurídica em relação a essas áreas públicas, muitas delas já em processo de destinação para a reforma agrária. Segundo o procurador, só em Rondônia, mais de 50% das áreas em disputas possessórias e destinadas à reforma agrária são públicas e apropriadas indevidamente com base em títulos nulos. Tramitam no estado pelo menos 130 ações judiciais relacionadas ao descumprimento de cláusulas resolutivas, sendo que ações dessa natureza também foram ajuizadas pelo Incra e pela União em outras unidades da federação.

São casos em que os imóveis que foram vendidos pelo Incra nunca foram efetivamente ocupados por que os adquiriu, mas sim por terceiros sem qualquer relação com o contrato original, ou foram vendidos a outras pessoas antes do cumprimento das cláusulas resolutivas. Há também casos de terras ocupadas por grupos de trabalhadores que atualmente reivindicam de forma individual ou coletiva a propriedade dessas áreas, por usucapião ou com pedidos de regularização fundiária, bem como requisições para incorporação ao Programa Nacional de Reforma Agrária, entre outras situações.

Antirreforma agrária – Outro ponto da lei apontado por Bevilaqua como preocupante é o que prevê, para essa regularização, a atualização dos laudos que atestam o grau de utilização da terra e de eficiência na exploração de acordo com as condições atuais da propriedade, sem a necessidade de vistoria. No entanto, os índices de produtividade que balizam a aferição do cumprimento da função social da terra estão desatualizados – desde 1975 – e seriam incapazes de refletir o que seria a produção razoável a se exigir de um imóvel de grandes dimensões nos dias atuais. Dessa forma, segundo o procurador, a desapropriação para fins de reforma agrária ficará prejudicada.

O PRDC de Rondônia lembra que a floresta amazônica possui 143 milhões de hectares de terras ainda não destinadas ou que apresentam incertezas sobre sua destinação. Isso representa 28,5% do total da Amazônia legal e é o equivalente aos territórios de França, Alemanha e Espanha somados. Toda essa área é potencialmente afetada pela nova lei.

“Não foram preservadas pela Lei sequer as situações em que o domínio esteja sendo questionado nas esferas administrativa ou judicial, que sejam objeto de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, nem as áreas sobre as quais recaiam interesses públicos ou sociais, chancelando um verdadeiro saque ao patrimônio público nacional”, afirma o PRDC.

Todas essas ponderações em relação à Lei 14.757/2023 constam de documento encaminhado por Raphael Bevilaqua ao procurador-geral da República a quem cabe analisar se é o caso de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da norma.

Títulos – Entre 1970 e 1980, o Estado Brasileiro promoveu titulações de terras usando diversos tipos de contratos para assegurar a manutenção da atividade agrária (destinação social da terra), o cumprimento das condições de pagamento e a proibição temporária de venda do imóvel rural.

Como fruto dessa prática, áreas da Amazônia passaram a ser exploradas por todo tipo de empreendedores que, muitas vezes, nem sequer tinham qualquer relação com a atividade agrícola: comerciantes, especuladores da Bolsa de Valores, bancos comerciais, fundos de investimento, multinacionais automobilísticas, entre outros. Só em Rondônia, 1,58 milhão de hectares foi destinado a apenas 1,1 mil licitantes.

Nesse contexto, as cláusulas resolutivas serviam para extinguir de forma automática os contratos daqueles que não cumprissem as condições estabelecidas. Hoje, esses contratos existem apenas fisicamente e não têm validade no mundo jurídico, o que resulta num mercado bilionário ilegal de títulos podres, que causam conflitos judiciais e mortes violentas.

Os estados de Rondônia e Pará são os líderes nacionais no número de mortes em conflitos agrários. Segundo o MPF, quase 77% das áreas com disputas fundiárias/possessórias em Rondônia são de terras públicas apropriadas indevidamente por pessoas com base nesses títulos nulos. O MPF defende que essas terras podem ser destinadas para a reforma agrária, sem que haja pagamentos indevidos de indenizações – usando recursos públicos apenas para pagamento de eventuais benfeitorias e não o pagamento pela terra, que é da União.

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ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO

  • 5 de junho de 2024 às 11:36:51