Discussões e atritos são comuns dentro de qualquer relacionamento amoroso. Afinal, trata-se de uma convivência entre duas pessoas que são diferentes na forma de agir, sentir, pensar e ser. No entanto, não saber como se comunicar de forma acolhedora nesses momentos pode resultar em momentos desgastantes e de brigas intermináveis para o par – algo com o que a comunicação não-violenta, ou CNV, pode se tornar útil e melhorar a relação.
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A comunicação não-violenta é um conceito que visa reconsiderar os padrões de linguagem para adotar uma forma de falar mais fluida, empática e honesta. Comumente conhecida por ser usada em ambientes corporativos, usá-la pode ser uma forma de conseguir expor melhor os sentimentos, principalmente os incômodos, e otimizar a busca por uma resolução justa com as percepções e visões das pessoas envolvidas.
No caso de um relacionamento, o padrão de comunicação violento não aparece apenas quando se trata de uma discussão. “É comum que nas discussões de relacionamento, as DRs, as emoções fiquem mais intensas e tanto o que dizemos quanto a forma como dizemos podem dificultar que as pessoas envolvidas nos compreendam. É quando ambos entram no modo reativo que as conversas tendem a ficar desafiadoras. Mas a violência pode ser bem mais sutil e aparecer em momentos comuns da rotina”, ressalta Flávia Amorim, sócia e facilitadora do Instituto CNV Brasil.
Ela aponta que, em momentos de atrito, existe a intenção de incitar sentimentos de medo, culpa ou vergonha no outro por meio de estratégias violentas para conseguir algo.
“Imagine que você queira passar mais tempo com seu namorado ou namorada. É comum que, em vez de declarar o que queremos, façamos críticas ao comportamento que não queremos que a pessoa tenha. Então, acabamos dizendo coisas como: ‘Você é muito distante e frio comigo’, ou ‘Você passa tempo demais com seus amigos, você não se importa comigo’”, exemplifica Amorim.
No entanto, ela afirma que a comunicação não-violenta permite que a abordagem quanto a essas frustrações seja mais construtiva e confortável para as pessoas. “A Comunicação Não-Violenta permite contar das nossas motivações e fazer pedidos sobre o que queremos, falando para a outra pessoa como ela pode contribuir com as nossas vidas”, diz.
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“Quando fazemos as coisas a partir da motivação de tornar a vida da outra pessoa melhor, e sabendo que há espaço para dizer não, saímos de uma lógica de que é preciso perder para a outra pessoa ganhar, e passamos a querer contribuir para a vida uns dos outros. Um casal que busca praticar a comunicação não-violenta está interessado em tornar a sua relação mais fluida e mais fácil, e quer encontrar mais bem-estar e satisfação na companhia um do outro”, acrescenta.
Por que a comunicação de um casal fica violenta?
A comunicação de um relacionamento não é violenta logo de cara. Isso porque, no início da relação, as pessoas estão na fase de encantamento, o que faz com que as diferenças sejam pouco perceptíveis pelo casal. Até a composição química do cérebro é alterada nesse momento, graças à maior presença dos hormônios ocitocina e vasopressina.
“Nesse momento, focamos em como a pessoa nos faz sentir e como é bom estar perto dela. Só que, com o passar do tempo, a presença desses hormônios diminui, a convivência aumenta e o foco muda. As diferenças dos nossos hábitos ficam em evidência. E é aqui que a comunicação tende a mudar”, explica Amorim.
Nesse momento, se passa a ter expectativas de que o comportamento do outro mude para a maneira como se julga “correta”, além do aumento do desejo de manifestar os incômodos. Amorim aponta que, desde cedo, as pessoas são ensinadas, de maneira equivocada, que “a violência educa”, o que resulta no comportamento agressivo para tentar resolver problemas.
“Não estou falando apenas de xingamentos e tons de voz alterados, mas também de toda fala que gera culpa, vergonha ou medo. Acreditamos que ao fazer a outra pessoa se sentir mal, ela vai aprender a agir diferente, o que é uma forma bastante violenta de educar”, aponta.
O uso de estratégias violentas para se comunicar acontece por alguns fatores, sendo os principais: o fato de não aprendermos a pedir exatamente o que queremos e, com isso, a dificuldade de legitimar as próprias necessidades.
“Ao longo da vida, desenvolvemos crenças de que pedir é errado, é incomodar ou demonstrar carência, por exemplo. Quando não fazemos pedidos específicos, acabamos entrando na lógica de criticar o comportamento do outro como uma tentativa de conseguir o que queremos. Fomos educados para ser boas meninas e bons meninos e não dar trabalho, então temos dificuldade de reconhecer o que precisamos”, reforça.
Essa ausência de conhecimento sobre as próprias necessidades e do medo de fazer pedidos resulta numa responsabilidade atribuída ao outro de adivinhar. Além disso, tende-se a reforçar o descontentamento com uma determinada ação em vez de pensar que a outra pessoa pode compreender e mudar o que não faz bem. “Esses fenômenos comuns nas nossas relações acabam gerando desentendimento, brigas repetidas e, por fim, feridas, dores e distanciamento”.
Como identificar padrões de comunicação violenta
Amorim aponta que existem quatro padrões de linguagem que caracterizam a comunicação violenta.
- Diagnóstico: quando o comportamento do outro é rotulado. Exemplo: “Ela é muito preguiçosa” ou “Ele sempre esquece o que eu peço para ele”
- Exigência ou ameaça: quando se dá ordens e não se faz pedidos negociáveis, implicando consequências caso algo não seja executado da forma desejada. Exemplo: “Eu queria tanto que você fosse no jantar dos meus pais comigo. Se você não for, não sei se vou me esforçar para estar naquele evento que você quer estar no final de semana”.
- Punição ou recompensa: quando se espera que o outro faça algo em retorno de outra ação feita. Exemplo: “Eu fiquei o dia inteiro fazendo o que você queria, agora é a minha vez”
- Negação de responsabilidade: quando se preocupa mais em apontar as ações do próximo do que pensar nas próprias. Exemplo: “Mas você também não me lembrou que o nosso aniversário de casamento era hoje!”
“Essa maneira de falar mais afasta do que aproxima e tem custos para a relação. Temos que usar de outras formas para contar da nossa experiência e para escutar com curiosidade sobre a experiência da outra pessoa”, afirma Amorim. ao buscar outra maneira de falar ou escutar, se abre espaço para pensar de forma conjunta para solucionar conflitos.
A profissional reforça que, por mais que a comunicação não-violenta seja uma técnica para beneficiar casais a melhorar a convivência, a técnica não deve ser vista como uma forma de “consertar” relacionamentos que têm padrões mais abusivos.
“É importante tomar um cuidado quando falamos de relacionamentos abusivos para não confundir essa violência que está diluída na maneira como aprendemos a nos relacionar com ações de abuso que geram feridas emocionais, traumas e até mesmo tragédias. Ao acreditar que está em um relacionamento abusivo, o recomendado é buscar acompanhamento psicológico para saber como romper com o ciclo de abuso”, indica.
Como implementar a comunicação não-violenta no relacionamento
Para auxiliar na melhoria de conflitos dos casais, é possível implementar a comunicação não-violenta das seguintes maneiras.
- Faça observações: se atenha aos fatos que realmente aconteceram em vez de julgamentos sobre o outro para facilitar o reconhecimento das ações e diminuir ações reativas.
- Atenção às próprias necessidades: conte suas motivações mais profundas sobre o que é pessoalmente importante para você. Exemplo: “Contribuição e apoio com as atividades da casa são importantes para mim”.
- Atenção aos próprios sentimentos: “Eles são mensageiros das nossas necessidades que estão ou não atendidas. Então, se percebo que estou impaciente e ansiosa, é porque tem algo que é importante para mim que não está sendo cuidado”, aponta Amorim.
- Faça pedidos: faça isso para que a outra pessoa saiba como contribuir para algo que é importante para você. Verbalize o pedido de forma específica. Exemplo: “Podemos combinar os dias da semana em que você fica responsável por descer com o cachorro?”
Lembre-se de sempre ouvir a perspectiva do outro com curiosidade e de se fazer as seguintes perguntas:
- O que é mais importante para a outra pessoa ali?
- O que a pessoa gostaria que eu fizesse para contribuir para o que ela precisa?
“Vá para a conversa para conversar, não para corrigir, justificar ou educar a outra pessoa. E lembre-se que queremos um diálogo, não dois monólogos. Todas as partes precisam trazer o que é importante para cada uma após ouvir a experiência da outra”, finaliza Amorim.
Como a comunicação não-violenta pode melhorar a relação
A empresária Nolah Lima, 33, afirma que percebeu as falhas de comunicação no parceiro, principalmente, quando algo não acontecia como ele esperava. Depois, ela passou a perceber as próprias atitudes violentas, como não escutar o parceiro quando ele compartilhava desafios do trabalho ou partir para soluções sem dar espaço para que ele falasse.
No caso de Liliane Sant’Anna, 34, empresária, os desentendimentos eram muito raros, mas ela passou a notar que a forma de comunicar determinados sentimentos estava machucando. “Isso acontecia com um silêncio que induzia a culpa no outro depois de algo que não saiu como o outro gostaria ou um discurso de ‘não era para ter agido assim’, por exemplo. Parecia muito educado e calmo, mas a intensidade de medo, culpa ou vergonha eram enormes depois dos acontecimentos.
Tanto Nolah como Lilian conheceram o conceito de comunicação não-violenta como forma de aprimoramento pessoal e profissional. Mas, com o tempo, notaram que era possível aplicá-la no dia a dia. “Meu marido não quis fazer as aulas, mas só de eu mudar a forma como me expressava e ao compartilhar com ele o que ia aprendendo, ele foi pegando o jeito. Hoje, muitas vezes, ele é mais cuidadoso que eu”, afirma Nolah.
Lilian se deu conta do mesmo: ao mudar a forma como interpretava as situações e comunicava o que queria e sentia, viu mudanças no direcionamento da conversa com o parceiro. “Foi um processo mais fluido e gentil quando comecei a trazer para esse contexto. Meu relacionamento já tinha mais de 10 anos quando conheci a CNV, mas, por incrível que pareça, com ela encontramos caminhos para nos conhecer mais profundamente. Nos abriu a possibilidade de entender o que nos motivava a querer determinadas coisas”, conta.
Para Nolah, a capacidade de conversar sobre temas difíceis e atritos do cotidiano com menos reatividade fez o processo valer a pena para ela e o parceiro. “Ainda temos conflitos que não são legais, mas hoje somos capazes de conversar sobre como conversamos e de cuidar da relação. Ainda mais com uma filha pequena, foi ainda mais importante ter os conteúdos aprendidos para lidar com conversas difíceis e deixar a relação mais leve”, conclui.
Fonte: IG Mulher