O governo aproveitou uma brecha aberta pela lei que criou o programa Casa Verde Amarela e passou a permitir, a menos de um mês das eleições, o uso de emendas parlamentares para distribuir “vouchers” para o pagamento da entrada nos financiamentos habitacionais a pessoas que pretendem adquirir uma casa no programa habitacional.
As emendas dos parlamentares, na prática, serão destinadas diretamente aos mutuários. Ou seja, o deputado ou senador indicará uma verba para sua região e as prefeituras locais indicarão, baseadas em seus próprios critérios, os empreendimentos e as famílias que serão contempladas com estes recursos.
A medida foi regulamentada na quinta-feira (8) com uma portaria do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), fazendo com que políticos possam beneficiar suas bases eleitorais e atender famílias com renda de até R$ 4,4 mil mensais.
Assim, este valor orçamentário permitirá que muitas pessoas fiquem dispensadas de arcar com o valor de entrada dos financiamentos do programa Casa Verde e Amarela.
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Essa verba, além disso, vai servir de complemento ao desconto a fundo perdido que o FGTS já concede aos beneficiários do Casa Verde e Amarela em todo país e que pode chegar R$ 47,5 mil, dependendo da renda da família. Em média, o desconto gira em torno de R$ 22 mil. Ou seja, depois de ter a entrada do financiamento pago pela emenda parlamentar e do desconto do subsídio do FGTS, o mutuário assumirá apenas a parcela mensal do financiamento, reduzida com os valores do Fundo.
“A subvenção econômica mencionada será concedida de forma cumulativa aos descontos ofertados pelo FGTS. Dessa forma, as famílias beneficiárias terão as condições de financiamento significativamente facilitadas”, disse o ministério em nota.
No extinto Minha Casa Minha Vida, criado na gestão petista e substituído pelo governo de Jair Bolsonaro pelo atual programa, isso não era possível. A legislação permitia apenas que estados e prefeituras fizessem o complemento de financiamentos habitacionais para a baixa renda com recursos próprios.
No máximo, parlamentares poderiam destinar suas emendas para obras e melhorias no entorno, como acesso aos conjuntos habitacionais ou para saneamento básico, por exemplo.
Estreia no Amapá
O primeiro estado a se beneficiar é o Amapá, que apresentou uma emenda de R$ 9,16 milhões para a capital Macapá, através de uma emenda de bancada. O valor já foi empenhado a favor da Caixa Econômica Federal, praticamente a única a operar o programa, e será desembolsado ainda neste mês de setembro.
A verba ficará disponível pelo prazo máximo de dois anos, contados a partir da conclusão das obras de construção do empreendimento.
O deputado federal Acacio Da Silva Favacho Neto (MDB-AP) confirmou ao GLOBO que a emenda de R$ 9 milhões foi uma indicação dele e do senador Randolfe Rodrigues (Rede), feita após reuniões com o setor da construção civil no estado do Amapá. O deputado garante que, até o fim do ano, pretende injetar mais R$ 20 milhões no programa por meio de emenda individual e de bancada.
“A ideia é expandir para outros municípios do estado, pois muitas famílias não têm condições de dar uma entrada no financiamento de uma casa porque já estão endividadas. Essa emenda é para eles darem uma entrada no imóvel deles. Qualquer cidadão pode acessar os recursos, se enquadrando nos critérios da Caixa”, diz o deputado, que acrescenta que “o setor da construção civil em outros estados está mobilizado para conseguir emendas de outros parlamentares”.
Segundo o tesoureiro do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Amapá, Silvino Neto, que participou das negociações com o Ministério do Desenvolvimento Regional e parlamentares, cada família ganhará um voucher de R$ 30 mil e ficará isenta da entrada exigida nos financiamentos.
“É dinheiro direto na veia de quem quer comprar um imóvel e não consegue. O uso de emendas parlamentares no programa de habitação social é interessante e deve ocorrer em outros estados porque o déficit é alto”, disse Silvino.
Segundo o ministério, o volume de recursos para 2023 vai depender da “quantidade e valores das emendas parlamentares que serão indicadas”.
Apesar de reconhecer que a medida tem potencial para facilitar o acesso à casa própria, integrantes do próprio governo admitem que o uso de emenda parlamentar no programa de habitação social do governo abre brecha para atender interesses de políticos e, eventualmente, ampliam até o espaço para desvio de recursos.
Sem critérios, isso poderá gerar uma segunda Codevasp, disse um executivo do setor, ao se referir ao desvio de recursos na estatal, com as emendas de relator, chamadas de orçamento secreto.
Setor fraco
Neste ano, o FGTS reservou R$ 8,5 bilhões para desconto. Entre janeiro e setembro, foram desembolsados R$ 3,9 bilhões, beneficiando 172.737 famílias, segundo dados oficiais. No total, os financiamentos somaram R$ 19,6 bilhões.
Para o executivo, que não quis se identificar, a medida não faz sentido, pois existem 83 mil obras do Minha Casa Minha Vida paralisadas em todo o país devido à falta de recursos orçamentários. Para 2023, do volume considerado necessário de R$ 1,5 bilhão, o Ministério da Economia liberou apenas R$ 780 milhões.
Procurada, a Caixa informou em nota que a portaria do Ministério é recente e que o banco ainda vai editar uma norma com os procedimentos:
“Cabe esclarecer que o Agente Operador do FGTS será o gestor operacional dos recursos destinados a essa subvenção econômica, e que regulamentará os procedimentos operacionais complementares, por meio de Manual de Fomento – Habitação, a ser divulgado, oportunamente, por meio de Circular CAIXA”.
Ao ser indagado se a medida não poderia abrir caminho para benesses e desvio de recursos, o ministério não respondeu. Em nota, afirmou que apenas regulamentou o uso das emendas e que elas são de caráter obrigatório:
“A portaria apenas regulamenta o procedimento para o uso das emendas parlamentares no programa Casa Verde e Amarela. Destacamos que as emendas parlamentares aportadas ao Orçamento Geral da União possuem caráter de execução obrigatória, conforme disposto na Constituição Federal, razão pela qual o Ministério do Desenvolvimento Regional editou o ato em questão”.
Fonte: IG ECONOMIA