A regulamentação das apostas esportivas no Brasil ganhou força nas discussões do Governo Federal neste mês de maio. Após seguidos escândalos de manipulação no futebol, um projeto de lei deve dar início à regularização do setor no país. CEO da SIGA (Sport Integrity Global Alliance), o português Emanuel Macedo de Medeiros esteve no Brasil na última semana para colaborar com o debate. O especialista em integridade no esporte pede urgência na regulamentação das apostas.
– Sem a abertura regulada do mercado, nós abrimos a porta ao jogo clandestino, ao jogo ilegal, à infiltração das máfias e o que isso representa de negativo para a sociedade e para a economia. Portanto, regulação adequada, moderna e eficaz é essencial. Antes tarde do que nunca. Isso significa que o Brasil em muitos aspectos está há cinco ou mais anos atrasado – disse Medeiros, em entrevista ao ge.
As casas de apostas de cota fixa foram autorizadas a operar no Brasil em 2018, após a sanção do então presidente Michel Temer da Lei 13.756. Passados quase cinco anos, a legislação ainda não foi regulamentada, ou seja, não foram formuladas regras para seu funcionamento.
– É um debate que é fundamental para o futuro do futebol nesse país. É quase paradoxal e incompreensível que esse debate ainda esteja em curso quando já vi ser concluído uns 20 anos atrás nas principais nações e ligas. Eu urjo os governos e todas as partes interessadas a pôr de lado aquilo que os divide. Só assim que se consegue fazer a diferença e imprimir reformas que implicam também um choque cultural. Ganhar por ganhar não é do esporte. Ganhar por dignidade, isso sim é do esporte – disse o CEO da SIGA.
No início deste mês, o Ministério da Fazenda entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o texto da medida provisória (MP) que visa regulamentar as casas de apostas no Brasil. Uma MP tem validade imediata e precisa ser aprovada pelo Congresso por maioria simples em até 120 dias para ter efeito permanente.
Na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira, pediu ao Governo Federal um projeto de lei com regime de urgência para regulamentar as apostas, e não mais uma MP. Um projeto de lei com urgência constitucional tranca a pauta de votação depois de 45 dias e começa pela Câmara. A aprovação exige maioria absoluta, ou seja, 257 deputados.
– Acredito que o Governo tem as melhores intenções. O ímpeto reformista que o Governo, o Congresso e o Senado têm demonstrado são bons indicadores que o momento da reforma chegou. É preciso que essas reformas sejam adequadas e eficazes para os desafios que temos pela frente. Que o Brasil aprenda com as melhores soluções, mas também com os erros cometidos por outros – disse Medeiros.
O especialista em integridade no esporte dá como mau exemplo de regulamentação a dos Estados Unidos, que priorizou os dividendos econômicos. Emanuel Macedo de Medeiros ressalta que a credibilidade do esporte tem de ser colocada em primeiro lugar para evitar escândalos de manipulação de resultados ou de lavagem de dinheiro pelos operadores de apostas pela internet, hoje sediados fora do Brasil, não raras vezes em paraísos fiscais.
– Como é que entidades que não estão licenciadas no Brasil podem oferecer serviços de apostas esportivas neste território nem com critério, nem com preocupação para salvaguardar os menores de idade, que são extremamente vulneráveis e sensíveis e merecem uma proteção reforçado? Não se sabe a origem do dinheiro, não se conhecem os últimos beneficiários, os donos, qual é a empresa, quem é que está por trás dessa empresa, quem são os acionistas, os verdadeiros donos dessas empresas que estão situadas em offshores. Os interesses econômicos não podem se sobrepor à verdade do esporte, porque sem verdade não há esporte, e sem esporte todo esse setor não existe. Os torcedores não acreditam nele, os patrocinadores não acreditam nele. Isso é algo que a SIGA e todas as organizações que fazem parte de nossa coalisão não se conformam – disse Medeiros.
Ao regulamentar o funcionamento das casas de apostas no Brasil, o Governo pretende impedir e até criminalizar os serviços de operadores sediados em paraísos fiscais. Esse é um caminho para evitar o jogo ilegal e proteger consumidores, os apostadores, contra situações de vício.
– Está em jogo a credibilidade de todo um setor econômico que tem taxas de crescimento anuais sem precedentes, com enorme potencial, mas com enormes desafios. Quando se fala em apostas esportivas, normalmente se associa aos piores receios e aos escândalos (de manipulação de resultados) que têm vindo a público. Mas sempre pensei que as batalhas são ganhas por antecipação. Isso significa que temos que ter um quadro legislativa e regulamentar adequado, moderno, ágil e eficiente – disse Medeiros.
A SIGA Latin America, expansão continental da SIGA, vai ajudar no papel de convidada o grupo de trabalho formado pelo Ministério do Esporte e pelo Ministério da Justiça para discutir a regulamentação das apostas e o combate à manipulação de resultados.
– A SIGA integra a convite do Governo um grupo de trabalho que irá colaborar na feitura das portarias que iram regulamentar o setor das apostas. Depositamos confiança por parte das pessoas do Governo que estão liderando esse processo e reafirmamos a nossa disponibilidade e nosso compromisso de colaborar de forma positiva para que se chegue a um bom porto – disse o CEO da SIGA.