O GLOBO
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Com dificuldades na relação com o Congresso neste início de mandato, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva também enfrenta uma série de disputas veladas em sua equipe, o que, na avaliação de interlocutores do presidente, tem afetado a montagem de uma base coesa. Uma delas envolve dois dos principais responsáveis pela articulação política do Palácio do Planalto, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), que têm se desentendido nos bastidores. O fogo amigo também atinge outros ministros, como o da Casa Civil, Rui Costa, alvo constante de queixas na bancada petista; o da Fazenda, Fernando Haddad; e até a do Meio Ambiente, Marina Silva.
A origem da disputa entre o ministro das Relações Institucionais e o líder do governo é atribuída por aliados próximos de Lula a um desejo que Guimarães nutria de ocupar o posto que ficou com Padilha. Auxiliares do ministro afirmam que, ainda na transição, o deputado trabalhou para que o colega assumisse a pasta da Saúde e a articulação do governo ficasse sob seu comando. Agora, entendem que Guimarães utiliza a pressão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para enfraquecer Padilha no governo.
Petistas admitem que a relação entre os dois “não é redonda” e que as divergências afetam o andamento do cotidiano da articulação política, um trabalho que precisa ter uma operação conjunta para dar certo. Aliados dão como exemplo a escolha dos integrantes da CPI mista dos Ataques Golpistas. Sem uma estratégia definida para influenciar as indicações de partidos da base na Câmara, a presidência do colegiado acabou nas mãos do deputado Arthur Maia (União-BA), considerado um nome não alinhado ao Palácio do Planalto.
Fator de desconfiança
Auxiliares de Padilha citam como fator de desconfiança o que chamam de “excesso de alinhamento” de Guimarães com Lira, que tem feito críticas públicas ao trabalho do ministro da articulação política. No embate sobre o rito das medidas provisórias, por exemplo, enquanto o Planalto evitava tomar lado na disputa, o líder do governo defendeu abertamente a tese do presidente da Câmara de ignorar as comissões mistas, se opondo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Do lado de Guimarães, colegas do parlamentar relatam que, em conversas reservadas, ele costuma se queixar de que Padilha seria lento e pouco objetivo no trato com a Câmara. Por isso, não consegue capitanear a organização da base. A avaliação no entorno do deputado é que o ministro utiliza o cargo para trabalhar pela própria candidatura ao governo de São Paulo, em 2026.
Questionado pelo GLOBO, Guimarães minimizou as dificuldades na articulação política e as classificou como “normais de início do governo”. Ele negou problemas na relação com Padilha.
— Converso com ele umas dez vezes por dia, portanto não tem areia na nossa relação — afirmou o deputado.
As rusgas internas fizeram com que Padilha fosse a público para afirmar que não há clima de desunião no time da articulação política.
— Não tem intriga, não tem futrica, não tem nada que vá gerar qualquer tipo de desunião nos três mosqueteiros do presidente Lula e no D’Artagnan — disse o ministro, em entrevista na semana passada, comparando-se ao espadachim da obra de Alexandre Dumas.
Rui Costa vira alvo
Outro fator, na visão de deputados petistas, que atrapalha a formação da base na Câmara é o que chamam de “falta de sensibilidade política” do ministro da Casa Civil. Rui Costa só começou a reservar espaço em sua agenda para receber parlamentares recentemente, após críticas à sua postura. Embora a relação com o Congresso não esteja entre as suas atribuições, as nomeações de cargos precisam necessariamente passar por sua pasta.
Na quarta-feira passada, precisou se retratar nas redes sociais após chamar a capital federal de “ilha da fantasia”, o que motivou críticas públicas de políticos do Distrito Federal, incluindo deputados do PT. O ministro costuma repetir a aliados ter encontrado dificuldade em lidar com o ambiente de intrigas em Brasília, mas diz que dará a resposta com trabalho.
Além da bancada petista, Costa enfrentou problemas recentemente com Haddad durante as discussões sobre o novo arcabouço fiscal. Enquanto o ministro da Fazenda queria regras mais rígidas de controle da dívida pública, o chefe da Casa Civil defendia mais espaço para investimentos. As divergências escalaram ao ponto de Lula precisar intervir, prevalecendo a visão da equipe econômica.
O clima de disputas internas no governo se acirrou no mês passado após a decisão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) de negar a licença para a Petrobras realizar estudos para a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. Enquanto parlamentares da região Norte, incluindo o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), criticaram a decisão, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, saiu em defesa da avaliação feita pelo órgão ambiental. O caso serviu de estopim para o senador deixar a Rede, partido fundado pela titular da pasta.
Embora Lula tenha chancelado a decisão do Ibama, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, articulam abertamente para reverter a situação. A leitura no Planalto é que Marina obteve uma vitória momentânea ao barrar o projeto, que deverá ser aprovado depois de adequações nos estudos apresentados pela estatal.
O maior problema do governo, no entanto, está na Câmara, onde tem acumulado derrotas. A primeira delas foi a derrubada de trechos dos decretos que alteraram o marco regulatório do saneamento. Além do mérito, parlamentares, capitaneados por Lira, reclamavam de o governo ter lançado mão de um decreto, que entra em vigor imediatamente, e não de um projeto de lei, que requer discussão no Congresso. A matéria ainda precisa ser apreciada pelo Senado.
Entre os reveses do governo também está a aprovação do projeto do marco temporal, que estabelece que indígenas só terão direito a terras já ocupadas por eles, ou em disputa, em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que o assunto não será apreciado a toque de caixa na Casa comandada por ele.
Bola dividida
Governo Lula enfrenta disputas dentro da equipe.
- Padilha x Guimarães
Padilha x Guimarães — Foto: Editoria de Arte
O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e o líder do governo na Câmara, José Guimarães, têm se desentendido nos bastidores. A origem estaria no desejo de Guimarães de ocupar o cargo do ministro. Um fator de desconfiança é a proximidade entre o líder do governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Já Guimarães costuma se queixar de que Padilha seria lento e pouco objetivo no trato com a Câmara.
- Rui Costa x Haddad
Rui Costa x Haddad — Foto: Editoria de Arte
Na discussão do novo arcabouço fiscal, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) queria regras mais rígidas de controle da dívida pública, enquanto Rui Costa (Casa Civil) defendia mais espaço para investimentos. O presidente Lula precisou intervir e prevaleceu a visão da equipe econômica.
- Marina x Randolfe
Marina x Randolfe — Foto: Editoria de Arte
A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) apoiou a decisão do Ibama de negar licença para a Petrobras fazer estudos para a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. O episódio serviu de estopim para o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) deixar a Rede, sigla fundada por Marina. A postura da área ambiental também desagradou o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia)
Derrotas na Câmara
- Decretos do saneamento
Decretos do saneamento — Foto: Editoria de Arte
- Demarcação de terras indígenas
Demarcação de terras indígenas — Foto: Editoria de Arte
A Câmara também aprovou projeto que estabelece que indígenas só terão direito a terras já ocupadas por eles, ou em disputa, em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que o assunto não será apreciado a toque de caixa naquela Casa.
- MP dos Ministérios
MP dos Ministérios — Foto: Editoria de Arte
Em cima do prazo final para a votação da medida provisória que reestruturou os ministérios, a Câmara esvaziou as pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, reverteu a extinção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e barrou a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Banco Central para o Ministério da Fazenda.
- Mata Atlântica
Mata Atlântica — Foto: Editoria de Arte
A Câmara inseriu na MP da Mata Atlântica dispositivos que fragilizavam o combate ao desmatamento. Os trechos foram vetados pelo presidente Lula.