TRT mantém aplicação da CLT a contrato de brasileiro que trabalhou em cruzeiros

Ao trabalhador brasileiro contratado no país para atuar dentro de navios estrangeiros, em águas nacionais e internacionais, aplica-se a legislação trabalhista brasileira sempre que essa for mais favorável do que as normas territoriais estrangeiras.

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT) manteve sentença proferida na 3ª Vara do Trabalho de Cuiabá, que reconheceu a competência territorial brasileira e aplicou a CLT ao julgar processo ajuizado por um trabalhador que prestou serviços em navios de cruzeiros marítimos.

Na ação, ele requereu o pagamento de verbas referentes a três períodos: o primeiro iniciado ao embarcar, em setembro de 2015, no porto de Istambul (Turquia) e concluído em março de 2016, quando desembarcou no Rio de Janeiro; o segundo, em setembro do mesmo ano, no porto de Genova (Itália), até abril do ano seguinte, ao desembarcar em Santos, no litoral de São Paulo; e, o último, iniciado em  Veneza (Itália) no primeiro semestre de 2017 e encerrado em novembro daquele ano, ao desembarcar em Salvador, na Bahia.

Condenada a pagar, entre outras verbas, o 13º salário proporcional, horas extras e adicional noturno, a companhia turística recorreu ao TRT mato-grossense afirmando ser inaplicável a legislação trabalhista nacional. Isso porque os contratos somente eram assinados na embarcação, portanto submetidos às normas do acordo coletivo de trabalho firmado entre a empresa e a Associação Italiana de Proprietários de Navio, em atenção às diretrizes impostas pela ITF – Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte. No mesmo sentido, argumentou que a norma especial deve prevalece sobre a norma geral, além de ser mais benéfica ao trabalhador do que a lei brasileira.

A empresa alegou também que o Brasil tem jurisdição apenas na faixa de 12 milhas náuticas, ao passo que os contratos foram celebrados a bordo de embarcações de bandeira panamenha, ancoradas em portos europeus, e que a maior parte do contrato foi prestada em águas internacionais. Desse modo, sustentou não haver qualquer elemento de conexão entre a atividade prestada pelo trabalhador à companhia internacional e a legislação brasileira.

Ressaltou, por fim, que a aplicação da legislação brasileira “redundaria, ao fim, em discriminação com efeitos negativos em relação ao empregado brasileiro, e verdadeira discriminação a todos os outros trabalhadores das mais diversas nacionalidades”.

Julgado pela 2ª Turma do Tribunal, o recurso teve como relator o desembargador João Carlos de Souza, que de início apontou a existência de duas questões distintas a serem analisadas: uma relacionada a possibilidade de se poder submeter o caso ou não à jurisdição brasileira e, outra, quanto à legislação aplicável à matéria.

Jurisdição brasileira

Sobre o primeiro tema, o relator apontou o artigo 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que estipula que “é competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação” e o artigo 21 do Código de Processo Civil (CPC) que prevê ser da autoridade judiciária brasileira a competência para processar e julgar as ações em que “no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação” e “o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil”.

Quanto ao local da contratação, a companhia reconheceu que custeou o transporte aéreo do trabalhador até os países de embarque. Além disso, duas testemunhas confirmaram que o contrato era enviado por e-mail para o futuro tripulante, que os imprimia, assinava, escaneava e remetia de volta. Após isso, recebia as passagens e a carta de embarque.

“Assim, ainda que os contratos de trabalho tenham sido formalmente assinados a bordo do navio, considero que o vínculo subjetivo entre as partes se consolidou no Brasil. Ora, o reclamante viajou para Turquia e Itália com a certeza dos contratos de trabalho, cuja ausência de termo escrito no Brasil não prejudica a sua constituição, já que ele pode ser entabulado verbalmente (CLT, art. 443)”, frisou o relator, indicando ainda o artigo 435 do Código Civil: “reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto”.

Após concluir que a contratação se efetivou no Brasil, o desembargador afirmou não haver dúvida sobre a jurisdição brasileira para o exame do caso, indicando o artigo 651 da CLT, que trata da competência da Vara do Trabalho conforme o local da prestação dos serviços, estendendo-se “aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário”. Ademais, salientou que uma das empresas acionadas pelo trabalhador é sócia-proprietária da outra, também parte no processo, sediada em São Paulo.

Legislação a ser aplicada

Quanto à legislação aplicável, o relator observou que, a princípio, o Direito Internacional Privado regulamenta que o trabalho marítimo é regido pela lei do pavilhão ou da bandeira do navio, conforme o Código de Bustamante (Decreto 18.871/1929), que promulgou a Convenção de Direito Internacional Privado de Havana.

“Essa regra, porém, não é absoluta”, prosseguiu, indicando sobressair ao caso o artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/1942), que dispõe que as obrigações são regidas pela lei do país em que se constituírem. No caso, a relação de emprego constituiu-se no Brasil.

Além disso, a Lei 7.064/1982, referente aos trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, estabeleceu, em seu artigo 3º, que é assegurado ao empregado a “aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto, nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas em relação a cada matéria”. Cabia, assim, às empresas demonstrarem a existência de outra legislação mais favorável que a brasileira, o que não fizeram.

Por fim, o relator registrou outros dispositivos a serem considerados: os artigos 651 da CLT e o  198 do Código de Bustamante, segundo o qual é territorial a legislação referente à proteção social do trabalhador”.

Com base nesses fundamentos, a 2ª Turma, por unanimidade, acompanhou o voto do relator, mantendo a sentença que reconheceu a competência da jurisdição brasileira para o exame da causa e a incidência da legislação trabalhista nacional.

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