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ALMT - Posto TRE - Abril

VANDERLUCE MOREIRA

Os desafios do ensino na fronteira oeste

Reprodução

O Campus Pontes e Lacerda – Fronteira Oeste do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso está localizado num rico espaço cultural. Se na sua Fronteira Oeste da qual empresta o nome faz divisa com a Bolívia, também está num espaço de proximidade com Vila Bela da Santíssima Trindade, a primeira capital de Mato Grosso.  Está cidade é muito conhecida porque a constituição de seus habitantes assemelha-se à colonização do Brasil, em sua miscigenação cultural advinda da mescla do índio, do europeu e posteriormente por seres humanos que foram escravizados e expatriados de sua terra, de África, para trabalharem pelo enriquecimento da coroa portuguesa e de seus braços disseminados em nosso país. O Campus, situa-se ainda numa região onde há algumas etnias indígenas.

Então, se de um lado há a perspectiva de encontro, de diálogo com o outro, o estrangeiro, o boliviano, porque há algumas décadas a noção de fronteira enquanto limite foi dissolvida para dar lugar a um conceito mais amplo e significativo, de espaço de  coexistência do diverso, de intercambio de culturas, de línguas. Por outro, há o encontro com os remanescentes dos quilombos, pessoas que foram relegadas à própria sorte, mas foram aguerridas, resistiram e se reinventaram através do encontro com outro. Fundaram um novo sistema de crenças pautado no sincretismo religioso, na mescla do catolicismo, com religiões de matriz africanas e nos rituais indígenas.  Os habitantes de Vila Bela da Santíssima Trindade inovaram na religião e na cultura: as danças do chorado e do congo, com alto grau de drama e poeticidade despertam comoção, compaixão, beleza e fruição estética no contemplador.

Os vila belenses transformaram um passado de lutas e resistências num terreno  cultural fértil e  valorizam suas tradições, seus saberes e se abrem para a interação  ao turismo,  pois, além da riqueza histórica, o município é conhecido também por suas belezas naturais, suas serras, chapadas e cascatas. Esse berço da cultura enriquece ainda mais com o convívio com os chiquitanos, indígenas oriundos de diversas etnias da Bolívia que se assentaram em Vila Bela fugindo das mazelas de seu país de nascimento. São pessoas pacatas e trabalhadoras  que contribuíram para a formação cultural da região da fronteira Oeste do Estado de Mato Grosso, assim como os povo da etnia Katitaurlu que vivem nos municípios de  Vila Bela e de Pontes e Lacerda, na região conhecida como Sararé. Além disso, há nessa região a presença de emigrantes vindos de todas as partes deste vasto Brasil e das cidades circunvizinhas que formam este mosaico da cultura que, assim como enriquece os saberes, e o modo de vida das pessoas, também amplia exponencialmente os desafios no âmbito do ensino, o qual deve primar por atender esses indivíduos em suas heterogeneidades e diversidades. Este berço da cultura pode aquecer ainda mais, pois tem se tornado parte do cotidiano dos Pontes Lacerdenses encontrar migrantes venezuelanos transitando pelas ruas da cidade, e por uma questão humanitária não se pode ser indiferente à situação destes refugiados.

Portanto, o Campus Pontes e Lacerda – Fronteira Oeste situa-se num repositório  da cultura de diversos povos e de suas atividades e manifestações tais como: música,  rituais religiosos, língua falada e escrita, mitos, hábitos alimentares, danças, invenções, pensamentos, formas de organização social, dentre outros. Sendo assim, o maior desafio do Campus Pontes e Lacerda – Fronteira Oeste é ofertar uma educação intercultural pautada na formação integral dos estudantes nesta região de fronteira.

 Nesse sentido, o Campus precisa atentar-se para a pluralidade cultural. Na esfera do ensino, isso significa pensar novas formas de conhecer, reconhecer, e valorizar as identidades plurais. Para isso é necessário refletir sobre suas políticas e práticas curriculares. Significa, também, pensar sobre estruturas discriminatórios que por muito tempo tem negado o direto a voz a diversas identidades culturais, as quais são silenciadas e/ou apagadas em manifestações e conflitos culturais, na busca de homogeneizá-las numa perspectiva de uma cultura única. Na perspectiva intercultural ou multicultural o encontro de culturas se dá de modo harmônico. Com o objetivo de oportunizar a integração e a convivência de pessoas num mesmo espaço sem que uma cultura sobrepuje a outra, porque não existe a crença na existência de uma cultura melhor do que a outra.  Nesse sentido, é a inclusão social das dinâmicas de classe, raça, gênero, orientação sexual, religião e nacionalidade.

Somente  existem culturas diferentes que podem coexistir no mesmo espaço, e este intercambio de culturas para além de proporcionar aprendizados promove o estreitamento de fronteiras, estabelece redes de diálogos, de ensino, de pesquisas e extensão, na medida que sempre se pensará que o “eu” se forma na interação com outro, porque nenhum indivíduo não se significa sozinho, mas na relação com o outro.  E, comunicar é uma necessidade do homem, quando ele não possuía uma linguagem articulada desenhava e pintavam nas paredes das cavernas.

 Esse espaço cultural fértil, no qual o Campus Fronteira Oeste está sediado se caracteriza também como um terreno oportuno para seus estudantes e servidores desenvolver habilidades de aprendizado de uma segunda língua, o Espanhol em sua modalidade oral e escrita. Isso posto que, transitam num espaço de convivência com falantes nativos, numa relação comunicativa direta com a língua a ser aprendida. Para ampliar ainda mais este contato há ainda a possibilidade de elaborar projetos de intercâmbios com o país vizinho e nesse sentindo, promover de fato a internacionalização.  Ainda no campo da linguagem, existe a contingência do contato com os remanescestes indígenas, que certamente corroboram para a ampliação do léxico, pois é possível observar em alguma medida a mescla de seus dialetos à linguagem da fala cotidiana da população, numa clara manifestação de que a língua é viva e evolui no espaço e no tempo.

Vale destacar que, as relações interculturais são caracterizadas pelo respeito à diversidade ainda que reconheça que, nesse processo conflitos possam eventualmente surgir. A interculturalidade compreende que é por meio do diálogo e do respeito do convívio com o diferente, contrariando posições de fantasias de uniformização da cultura e da identidade, revê posicionamentos e conceitos e reconhece que conflitos podem surgir. Entretanto, acreditam que eles podem ter uma resolução pacífica e enriquecedora na convivência com o diverso.

Diante do exposto nessas linhas nas quais tentamos refletir sobre os desafios do ensino na área fronteiriça  na qual o IFMT campus Pontes e Lacerda – Fronteira Oeste está localizado, com vistas buscar alternativas para  superar ou amenizar  os  problemas historicamente constituídos, tanto aos servidores como os estudantes, depreendemos que mesmo que em certa medida, a instituição tenha conseguido êxito no ingresso de estudantes oriundos de outras etnias  ainda pode melhorar sua permanência e êxito. Notamos que, neste âmbito, ainda há situações a serem superadas, e isso não se restringe somente ao IF de Mato Grosso. É uma questão que permeia as instituições da Rede Federal de Ensino que estão sediadas em região de fronteira. Embora a questão do ingresso se apresente de modo desafiador, parece-nos que ela ainda não é a mais preocupante, posto que depois de amenizadas as preocupações com o ingresso destes estudantes, surgem questões que demandam mais tempo e ocupações, referimo-nos à questão do êxito e da permanência.

Portanto, uma alternativa para o Campus Pontes e Lacerda – Fronteira Oeste frente aos desafios de estar sediado numa região com uma diversidade cultural rica, a exemplo das comunidades quilombola e indígena, seria ofertar cursos de Educação de Jovens e Adultos Técnica e de qualidade para os povos tradicionais. Na perspectiva da educação e do trabalho, com o objetivo de corrigir disparidades e dívidas históricas dessas pessoas que ao longo de suas vidas não foram assistidas por políticas públicas que possibilitassem seu acesso, permanência e êxito nos lócus escolares na sua juventude. Este ensino, deve sobretudo, primar pela valorização desses cidadãos, à medida que lhes oportunizará ensino de qualidade. Logo, promoverá enriquecimento pessoal, profissional, político, científico e cultural e criará condições para o exercício da cidadania.

Em relação aos cursos técnicos de nível médios, subsequentes e superiores o Campus, no sentido de mitigar disparidades, poderá organizar um trabalho entre departamento de ensino, coordenação de extensão e pesquisa e setor pedagógico junto à direção de relações internacionais do IFMT no sentido de ampliar suas relações com as instituições bolivianas e também com Campus Cáceres do Instituto Federal de Mato Grosso, que também está situado numa região fronteiriça, bem como com outros campi da rede federal de ensino que também estão localizados em área de fronteira no sentido de formar grupos de trabalho, e encontrar ações que viabilizem uma melhor inserção desses campi com os países    vizinhos. Tais como: possibilidade de reservas de vagas para estudantes de nacionalidades vizinhas, ofertar cursos técnicos binacionais, estabelecer estratégias de integração pedagógica, celebrar convênios de ensino, pesquisa e extensão, dentre outros.

Em sentido lato, os campi devem oportunizar mobilidade acadêmica entre estudantes, docentes e técnicos e como consequência abrir espaço para o desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão, ações indissociáveis na rede de educação federal. Deste modo, a colaboração entre países vizinhos é uma excelente oportunidade para promover a integração cultural, o qual ampliará o desenvolvimento dessas nações. Essa parceria renderá bons frutos, pois assim poderão desenvolver projetos conjuntamente e formar uma extensa rede de ensino, pesquisa e extensão.

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