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“Não podemos romantizar a denúncia”, diz atriz de “Bom Dia, Verônica”

Julia Lindenberg interpreta Hilda na segunda temporada de
Fabio Audi

Julia Lindenberg interpreta Hilda na segunda temporada de “Bom Dia, Verônica”

A atriz Julia Lindenberg integrou o elenco da segunda temporada da série  “Bom Dia, Verônica”, série policial que aborda as violências de gênero que se tornou um sucesso no mundo todo. Julia deu vida à Hilda Soares de Souza, uma ex-modelo e professora que cria coragem para denunciar um líder religioso por estupro e abuso sexual, mas que acaba desacreditada e com o caso abafado.

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Baseado no livro de Raphael Montes e Ilana Casoy, envolvidos na realização da trama no streaming, o seriado se tornou uma das séries de língua não inglesa mais assistidas da Netflix. O sucesso é tanto que “Bom Dia, Verônica” entrou para o top 10 mundial e teve mais de 34 milhões de horas assistidas.

Para Julia, a repercussão mundial é especial não apenas pelo trabalho como atriz, mas pela forma como a trama joga luz ao feminino e a inserção das mulheres na sociedade. Ela vê no enredo um oportunidade de comunicar, por meio de paralelos, o que é a violência contra a mulher e dissecar suas sutilezas.

“A série aborda isso brilhantemente: o pontapé do abuso, onde tudo se alicerça e mascara a realidade, se dá num discurso que enreda o psicológico e faz uso de um poder pra isso. Que essa visibilidade da série possa gerar entendimento a muitas mulheres no mundo”, diz ao iG Delas. O convite para fazer a personagem apareceu no pior momento da pandemia, o que despertou nela um “furacão de emoções” – que foi intensificado depois de ler o roteiro.

“Eu havia feito teste para a personagem Gisele, interpretada pela Camila Mardila, de quem sou muito admiradora. Fiquei atualizando o email freneticamente. Até que o roteiro chegou e eu li. Paralisei. Imediatamente fui lavar louça para me organizar. Tive noção da dificuldade que seria chegar na Hilda e do respeito que me exigiria passar pelos atravessamentos do real que se dão na história dela”, lembra.

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A atriz chama atenção para o significado do nome Hilda. “Significa ‘a combatente’, ‘a guerreira’. É a essência dela”. Além dos abusos sexuais que sofre do falso líder religioso Matias Cordeiro (Reynaldo Gianecchini) sob o pretexto de “receber a cura” para um quadro de saúde irreversível, ela também é tratada com descrença pelo sistema judiciário, que a culpabiliza.

“Você ainda é virgem? Não deve ser virgem, jamais com os vídeos e as fotos que você posta nas redes sociais. Como é que a senhorita quer que alguém acredite na sua história?”, diz um homem no julgamento de Matias. “Mas é o meu trabalho. Você não pode fazer isso comigo”, responde Hilda, referindo-se à carreira de modelo.

Julia afirma que a cena mais forte de sua personagem é quando relata o estupro que sofreu para Verônica Torres, a protagonista interpretada por Tainá Müller. “Eu tirei minha roupa. Quando ele começou a tirar a dele achei estranho, fiquei nervosa. Ele subiu em cima de mim. […] Ele fez sexo comigo”, diz a personagem, aos prantos. “Ele não fez sexo, não. Isso é estupro. Você foi estuprada”, responde a delegada.

“É um relato sem flashbacks. Tudo que a Hilda passou não é visto, então o trabalho foi construído em cima de memórias e do corpo. Que corpo era o da Hilda modelo, o que se tornou após descobrir um tumor irrecuperável e que corpo é esse agora que carrega as memórias e as cicatrizes desse estupro, dos abusos e do silenciamento, inclusive pelo sistema judiciário? Tudo tinha que estar vivo na minha pele. Quando a cena chega no espectador, ele não vê objetivamente o que se deu, mas ele sente”, analisa a atriz.

Julia encara a personagem de “Bom dia, Verônica” como uma forma de espelhar a maneira cruel e constante como as violências atravessam os corpos femininos. “Não acho que a Hilda tinha ideia que, ao denunciar, seria destruída como foi. O silenciamento se articula, da mesma forma que outras violências, como um invisível muito cruel que se materializa na carne da mulher silenciada”, diz.

Para a atriz, esse é um momento com o qual muitas espectadoras mulheres vão conseguir se reconhecer. “Nunca esquecemos a primeira vez em que a dureza imposta pela regência patriarcal da nossa sociedade se materializa objetivamente na nossa vida. Ela [Hilda] fala realmente por todas nós”, acrescenta.

Ela traça um paralelo com a própria profissão, afirmando que o meio de atrizes também é repleto de homens em posições de poder que usam desses privilégios para atrair, coagir, abusar e violentar.

Fabio Audi

“Não acho que a Hilda tinha ideia que, ao denunciar, seria destruída como foi”, reflete Julia Lindenberg sobre a personagem

“Há em curso uma denúncia gravíssima de um ‘mestre’ da minha área. Um ‘mago’ que igualmente fazia uso da sua influência para confundir meninas e mulheres sob a desculpa do ‘é arte’. Eu as apoio com toda minha força. Veja só: mago, uma palavra que remete à fantasia, que tira o chão, que coloca aquilo que não é tangível, apaga arestas… Temos que estar atentas sempre, infelizmente”, narra a atriz.

Feminista, Julia quer que Hilda inspire outras mulheres a pedir ajuda, mas reconhece que a tarefa não é tão fácil quanto parece. Isso porque existem fatores que impedem que as mulheres reconheçam e ajam. “Seria de uma irresponsabilidade tremenda dizer: ‘Falem!’. A primeira temporada de ‘Bom dia, Verônica’ explicita o quão difícil é pedir ajuda, e a Hilda também tem na sua carne as repercussões de como pode ser dizer algo que muitas pessoas não querem ouvir. Não podemos romantizar”, declara a atriz.

A atriz indica que mulheres que se reconheça como uma vítima de violência doméstica ou abuso sexual busque por coletivos feministas para receberam amparo. Ela considera que essas organizações são capazes de atender de forma ágil e segura com apoio jurídico, psicológico, socioassistencial, médico ou de rede de apoio e acolhimento online.

“Desejo profundamente que um dia tenhamos um sistema oficial que proteja as mulheres. Não é sempre assim. Ser mulher na nossa sociedade exige estratégia e até formá-las a gente sofre muito. Converse com outras pessoas sobre isso. Faça laços com mulheres, mais de uma, em que vocês confiem. Por todo canto podemos esbarrar com situações como essas. Lembrem-se das estratégias: alicercem-se entre si”, indica.

Esse papel de amparo é o que Julia espera para sua personagem. Apesar de não ter uma terceira temporada confirmada, ela gostaria de ver Hilda retornando em “Bom Dia, Verônica”. “Penso que a via de Hilda renascer é justamente se sentir legitimada a entrar num exército da Verônica, a ajudando a salvar outras mulheres. Acho que a Hilda renasceria se conseguisse virar uma ativista, onde colocasse sua força motriz para salvar a vida de outras mulheres”, conclui a atriz.

Fonte: IG Mulher

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