A quantidade de pedidos de registro de candidatura nas eleições de 2022, com 29.172 submissões processadas até a manhã desta segunda-feira, superou os números do pleito de 2018. O crescimento, porém, é de meros 0,3%, e tem embutido nele tendências divergentes: o número de postulantes ao cargo de deputado federal aumentou enquanto o diminuiu o daqueles para deputado estadual.
Segundo cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO, há vários fenômenos que influenciam o volume de candidaturas, mas há dois em particular que ajudam a explicar essa disparidade. Por um lado, o chamado orçamento secreto fez a disputa para a Câmara Federal se acirrar. Por outro, novas regras para coligações desestimularam inchaço na corrida pelas Assembleias Legislativas. O fato de os números totais da eleição eleição praticamente não terem crescido já é algo fora do comum na história recete do país. Em 2018 foram 29.085 pedidos de registro de candidatura, só 87 menos que a do pleito atual. Desde 1998, as eleições gerais sempre vieram crescendo de 10% a 20% em número de candidatos a cada quadriênio. Essa estagnação não era de todo esperada e surpreendeu alguns especialistas.
“Em realidade, com a aprovação do fundo público de financiamento da campanha eleitoral, que foi muito grande, poderíamos esperar que houvesse um crescimento grande do número de candidatos”, afirma José Álvaro Moisés, professor titular de ciência política na USP.
“A única hipótese que me ocorre é que, como o fundo está sob controle das oligarquias partidárias, elas tendem a direcionar os recursos para quem já tem mandato ou já faz parte dos partidos há mais tempo; desse modo, os novatos podem ter se sentido prejudicados e não quiseram competir. Em todo caso, não tenho certeza”. Como os cargos locais são a porta de entrada para para políticos neófitos, faz sentido que esse impacto tenha mais efeito sobre as candidaturas a deputado estadual, pois muitos candidatos menores acabariam tendo de bancar do próprio bolso suas campanhas justamente em um ano de crise econômica. Há também um outro fator que pode ter inchado as candidaturas à Câmara Federal, que proliferaram neste ano.
“Isso está associado à ampliação de poderes da Câmara, introduzida recentemente, com o orçamento secreto. Especialmente o centrão está apresentando mais candidatos e quer mais poder”, diz Moisés.
“O estranho é que a oposição não tenha feito o mesmo. Vários partidos de esquerda, de fato, não estão entre aqueles que ampliaram candidaturas a deputado federal. Entre as legendas que encolheram seus registros para esta eleição à Câmara estão PT, PSOL, REDE e PC do B. A grande exceção à direita é o bloco PSL + DEM, hoje fundido dentro da sigla União Brasil, que encolheu após a migração do presidente Jair Bolsonaro para o PL”. Para Bruno Bolognesi, professor de ciência política na UFPR, o encolhimento dos partidos de esquerda também é fruto da desidratação e fragmentação que se seguiu à eleições municipais de 2020, na qual alguma legendas grandes do centro à esquerda perderam terreno.
“O movimento recente mais acentuado no sistema partidário foi a diminuição severa das bancadas de PT, PSDB e MDB. Com isso entraram em cena, mas não como grandes partidos, muitos daqueles alinhados à direita, como Republicanos, PL e PSD”, diz o pesquisador. A novas regras para agremiações partidárias também desestimularam um inchaço nas candidaturas a deputado estadual, dizem especilaistas. Esta será a primeira eleição estadual/federal sem permissão para as coligações na disputa para deputados, que permite eleger políticos “a reboque”, com os chamados “puxadores de voto”. O deputado de um partido pequeno, então, não pode pegar “carona” na votação de uma coligação grande. E os candidatos nas eleições majoritárias, como governadores, também não são incentivados a ter muitos “nanicos” em volta.
“Até 2018 no Brasil, governador vitorioso era quem tinha a maior coligação de partidos na eleição proporcional. Era uma estratégia dos candidatos a governador incluir muito partidos na coligação para ter muito cabo eleitoral”, diz Bolognesi.
“Na medida em que acabaram com isso, tem menos partido dando suporte a candidaturas majoritárias no Brasil, o que diminui a quantidade de candidaturas a deputado estadual”.
Há diferença de tendência também entre unidades da federação. Rio de Janeiro e em São Paulo, dois grandes colégios eleitorais, tiveram diminuição de 34% e 6%, respectivamente, no número de postulantes a cadeiras em Assembleia Legislativa. A Bahia, por outro lado, teve um aumento de 42%, e a maioria dos estados do Nordeste terá maior disputa para deputado estadual agora.
Correia de transmissão
Bolognesi pontua que, no caso dos deputados federais, o cenário é diferente. Apesar de não haver tanto interesse dos candidatos a governador em inchar os quadros dos partidos com postulantes às Assembleias, os prefeitos apoiam a eleição de deputados federais próximos, porque estes podem ajudar a direcionar verbas federais para seus municípios caso sejam eleitos.
“A correia de transmissão é de deputado estadual para governador e de deputado federal para prefeito”, explica, ressaltando que é um fenômeno que se acentuou ainda mais com o “orçamento secreto”.
O modelo atual de distribuição de verbas no Congresso destina mais recursos do orçamento público a obras regionais apadrinhadas por parlamentares e tem menos transparência sobre os volumes distribuídos e deputados e senadores envolvidos.
“Ficou muito bom ser deputado federal no Brasil, virou um grande atrativo”, diz Bolognesi.
Para Lara Mesquita, professora de ciência política na Fundação Getúlio Vargas, um fator que ajuda a explicar a disparidade nas disputas para deputado federal e estadual é a distribuição de verbas do fundo especial de financiamento de campanha previsto em lei.
“Essa legislação leva as lideranças a priorizar as candidaturas de deputados federais. A possibilidade de arrecadação de recurso fora do fundo é restrita, porque a legislação não permite mais arrecadar dinheiro com pessoa jurídica”, explica a pesquisadora.
“Então, os próprios dirigentes partidários podem estar privilegiando a apresentação de candidaturas a deputado federal, porque é isso que vai importar no cálculo de quanto vai receber de fundo partidário, do acesso à propaganda eleitoral no rádio na TV. Deputado estadual não importa em nada para isso”. Para Mesquita, são fatores estratégicos de cada partido que estão influenciando o número de candidaturas.
Por causa disso, a estagnação do crescimento no número de postulantes a esses cargos não é algo necessariamente ruim, nem sinaliza enfraquecimento da democracia.
“Talvez seja melhor para o eleitor, porque com listas menores diminui o custo de o eleitor se informar sobre quem são os candidatos”, diz a pesquisadora.
Apesar de o TSE ainda não ter processado todos os pedidos de candidatura, o número de pouco mais de 29 mil candidatos não deve se alterar. Os poucos registros que tem entrado no sistema agora são apenas aqueles que tiveram algum tipo de problema técnico, e o prazo para entrega se encerrou em 15 de agosto.
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Fonte: IG Política