Os empreendedores Wander Ramos Castedo (39) e Bianca Oliveira de Andrade (36) estão juntos há 21 anos e têm uma filha de 14. Há cerca de uma década, no entanto, o casal decidiu que queria viver novas experiências com outras pessoas, mas sem abrir mão do relacionamento que tem um com o outro.
Tudo começou durante uma conversa de bar, quando Wander decidiu propor à esposa que eles fizessem um menáge. De início, a reação positiva de Bianca pegou ele de surpresa. Mesmo que a ideia tivesse partido dele, chegou a pensar que ela teria aceitado a sugestão porque queria se envolver com outros homens. Depois de muito diálogo, os cariocas deixaram o ciúme de lado e escolheram dar uma chance para o fetiche.
O menáge não deu certo, e o casal decidiu apostar em uma troca de casais, que pouco tempo depois, viraria um poliamor (mais de um parceiro fixo de uma vez).
Hoje, os dois casais não estão mais juntos, mas Wander e Bianca seguem firmes e fortes. O empreendedor tem uma nova namorada, que acabou virando muito amiga da esposa. Bianca também já teve outros namorados.
“A gente sai junto, separado. Hoje em dia, a gente abriu para todas as possibilidades. Se encontrar alguém e quiser botar dentro de casa, não tem problema. A gente deixa a vida levar e o que der deu. Se um dia a gente quiser virar um trisal (três pessoas no mesmo relacionamento), também está tudo bem. Estamos abertos a tudo”, diz Bianca Andrade.
Autor do livro ‘Não-monogamia responsável: Abrindo a relação com o cuidado que ela merece’, o psicólogo e terapeuta de casais Filipe Starling explica o que é a “não-monogamia”. Segundo ele, o termo se refere a uma forma de se relacionar que rompe com a ideia de exclusividade.
“Normalmente, quando a gente começa a se relacionar com alguém, a gente pressupõe que existe um contrato de fidelidade: um só vai se relacionar afetivamente e sexualmente com o outro. A não-monogamia quebra com essa ideia de exclusividade, de “posse”. Ela quebra com essa ideia do amor romântico, das duas metades da laranja. As pessoas acreditam que quando alguém está em um relacionamento, ele não precisa de mais nada, que o parceiro consegue satisfazer todas as suas necessidades. E não é bem assim”, afirma o especialista.
“Você consegue amar mais de um amigo ao mesmo tempo? Consegue amar mais de um filho ao mesmo tempo? Então por que você não pode amar mais de um namorado ao mesmo tempo?”, indaga ele. “A diferença é que, na monogamia, quando você começa a se apaixonar por outra pessoa, você vai ter que romper o seu relacionamento atual ou então trair o seu parceiro. Na não-monogamia, você pode integrar as duas coisas”.
Formas de se relacionar
Para o psicólogo e terapeuta de casais, a não-monogamia é um conceito amplo e abrange desde os relacionamentos abertos até a troca de casais e o poliamor.
“Por exemplo, em um relacionamento aberto, geralmente, o casal abre a relação, mas só para sexo casual. Não tem envolvimento afetivo. Já no poliamor, a ruptura com a exclusividade também é amorosa. Então, você pode não só transar com outras pessoas, como também pode se envolver amorosamente. O poliamor pressupõe que a gente pode amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Todas essas formas de relacionamento estão dentro dessa grande categoria que se chama ‘não-monogamia'”, completa.
Uma visão mais política, porém, não considera relacionamentos abertos como “não-monogâmicos”, uma vez que a abertura costuma ser justamente apenas para envolvimento sexual, e não emocional. O mesmo vale para o swing e o poliamor, já que há uma ideia de “casal”, e os parceiros passam pela experiência juntos.
Minha “namorada” é não-monogâmica
Não-monogâmica, a estudante Maria Lygia Alexandre Correia (25) argumenta que em relações desse tipo geralmente não existe a “instituição casal”. “Você pode se apaixonar, estar com outras pessoas, ter vários afetos. O relacionamento aberto costuma estar focado mais na liberdade sexual, enquanto o não-monogâmico propriamente dito descentraliza seus afetos, sejam eles amizades ou relacionamentos amorosos ou sexuais”.
Ela mantém um relacionamento com um rapaz há cerca de um ano. “Eu evito usar a palavra ‘namoro’. Eu não quero ter que chegar em um lugar e ter que especificar que ele é o meu namorado. Eu não chego em um lugar e tenho que falar que a minha amiga é a minha amiga, que a gente se conhece há tantos anos, que eu faço isso e aquilo com ela”, declara.
Ao contrário de Bianca e Wander, Maria Lygia e o companheiro, como ela prefere chamá-lo, sempre tiveram um relacionamento não tradicional. A universitária passou pelo processo de se descobrir não-monogâmica em meados de 2018, antes que os dois se conhecessem. Naquela época, ela tinha acabado de terminar um namoro fechado e, solteira, percebeu que gostava de ficar com mais de uma pessoa.
Portanto, assim que ela e o “atual’ começaram a se relacionar, ele já sabia que se os dois tivessem um envolvimento que fosse além, eles não teriam um relacionamento fechado. “Eu não acho que ele seja não-monogâmico ainda, mas ele também não é monogâmico. Está se descobrindo”, afirmou.
Abrindo a relação
O também estudante Guilherme Paladino (23) namorava desde a época da escola, quando ele e a namorada decidiram abrir a relação. A ideia partiu dela no ano passado, ainda durante o período de quarentena. Os dois começaram a namorar durante a adolescência, e por isso, depois de sete anos juntos, sentiram a necessidade de experimentar coisas novas.
“Quando você namora muito novo, você meio que não vive sua fase de adolescência. Eu não tinha feito as coisas que os adolescentes normalmente fazem. E ela também se sentia assim, até que um dia, em 2021, ela me disse: ‘Olha, se a gente quer ficar junto para sempre, a gente também precisa viver novas experiências’. E eu super concordei. Isso não mudava em nada o quanto a gente se amava, mas depois de tanto tempo com alguém, você começa a separar o que é amor e o que é atração física”, conta.
Como estavam em isolamento social, os jovens decidiram esperar a vida voltar à normalidade para poder colocar a decisão em prática. Os dois estudam na mesma universidade, em outro município, e seguiram com o relacionamento fechado até que fosse decretado o retorno das aulas — que aconteceu em abril deste ano.
“A gente decidiu, então, abrir o relacionamento. O combinado era fazer um esquema intercalado. Em uma semana, a gente ficaria ‘solteiro’, sem se falar, e na outra, ficaria junto. Mesmo assim, o relacionamento estava aberto 100% do tempo. A gente podia ficar com outras pessoas. Ficamos assim durante um mês e meio, até que decidimos que o melhor para a gente era terminar”, diz o jovem.
O combinado não sai caro, e o diálogo é muito importante. Durante o período que estavam com o relacionamento aberto, os universitários definiram algumas ‘regrinhas’ para que o plano desse certo. Eles não ficariam com algum amigo ou amiga do (a) parceiro (a) e evitariam contar com quem ficavam e até mesmo tocar no assunto, para que pudessem apenas curtir a companhia um do outro quando estivessem juntos.
“Abrir o relacionamento ajudou muito para que o nosso término não fosse tão doloroso. Não teve nenhum ressentimento, não teve briga, não teve nada. A gente só chegou à conclusão de que o melhor era terminar. Porque a gente pensou que, para entrar de cabeça nessas novas experiências e se descobrir mesmo, se a gente ainda pensasse um no outro, seria mais difícil. Ficar com outras pessoas também era mais complicado. Tem gente que tem um pouco de preconceito quando você fala que tem um relacionamento aberto, não entende muito bem”, completa ele.
Hoje, alguns meses depois do fim do relacionamento, a ex-namorada de Guilherme está namorando uma outra pessoa. O ex casal, porém, tem uma boa relação e continua amigo.
Julgamento
Quem mantém um relacionamento aberto também enfrenta alguns desafios, e o principal é o de contar com o entendimento e o apoio da família. Wander Castedo e Bianca Andrade dizem que falam abertamente sobre o assunto em casa, inclusive, com a filha adolescente. Quando o casal decidiu viver a vida a dois de uma forma não convencional, a menina tinha apenas cinco anos de idade.
“No início, a gente ainda tinha um relacionamento fechado em respeito à nossa filha. Hoje, ela entende super de boa. Conforme ela foi crescendo, a gente passou a tratar o assunto de uma forma super natural, não teve uma grande conversa. A gente abriu as nossas redes sociais e, há quatro anos, temos uma comunidade que reúne casais que desejam experimentar trocas com outros casais”, comenta a dupla carioca.
Além da filha, a família de Wander lida bem com a decisão dos dois. Mas, do lado de Bianca, os familiares costumam ser mais conservadores.
Maria Lygia também não esconde de ninguém o seu relacionamento. Ela e o companheiro conhecem a família um do outro e costumam, inclusive, postar fotos juntos nas redes sociais. “Uma vez, postei uma foto com ele e alguém me mandou uma mensagem perguntando se eu tinha virado monogâmica. Eu falei ‘Não, continuo não-monogâmica, só estou me relacionando com essa pessoa’. Aí me perguntaram: ‘Mas eu posso continuar dando em cima de você?’. Respondi: ‘Pode, ué. Pode dar em cima dele também, se quiser'”.
“Também já aconteceu de me falarem: ‘Nossa, você assumiu alguém!’. O que é assumir alguém? É postar uma foto juntos?”, questionou ela.
“Logo quando a gente começou a sair, eu levei ele em um churrasco da minha família. Eu avisei minha mãe: ‘Mãe, eu vou trazer um rapaz aqui em casa, eu estou gostando dele e a gente está ficando do nosso jeito. Aí ela disse: ‘Ah, não! Eu só quero conhecer se for namoro’. E eu rebati: ‘Ué, mas se fosse um amigo meu, você não ia querer conhecer também? Por que com ele é diferente?'”.
Já a família do rapaz ainda não sabe sobre o relacionamento não-monogâmico. “A gente acaba tendo que esconder, ficar no armário, ele me chama de namorada…”, diz a jovem.
Como lidar com o ciúme?
O que os olhos não vêem o coração não sente. É o que entende Guilherme Paladino. “A gente sabia que os dois estavam ficando com outras pessoas, mas isso não chegava para a gente. Até porque, apesar de sermos da mesma faculdade, somos de cursos diferentes, não morávamos juntos. Então, se a outra pessoa está ficando com alguém e não está chegando para mim, eu não sei com quem é, então está tudo bem. Por mais que ela estivesse ficando com outras pessoas, eu também estava”.
Para o psicólogo Filipe Starling, o ciúme é uma coisa natural do ser humano, a questão é como você vai lidar com ele. “O ciúme é uma coisa involuntária, você não controla. Existe um senso de propriedade: ‘Aquilo é meu’. Sentir ciúme todo mundo pode sentir, inclusive, em uma relação não-monogâmica. Mas você vai usar do ciúme para controlar o seu parceiro ou vai lidar com ele de outra forma, por exemplo, tratando em uma terapia de casal? Para viver um relacionamento não-monogâmico, a gente tem que fazer um trabalho pessoal de desconstrução. Envolve um autoconhecimento. Não é todo mundo que está realmente pronto para mergulhar assim sem fazer um trabalho pessoal antes”.