Proteger carteiras de investimento diante da desvalorização cambial é uma estratégia que utilizo mais intensamente desde 2015, quando cerca de 90% dos investidores da gestora em que atuava eram estrangeiros. A ferramenta para isso é o dólar: investir em empresas com receitas relacionadas à moeda norte-americana – seja através de exportações, preços formados em mercados internacionais ou com subsidiárias no exterior. A estratégia seguiu a percepção que o mercado tinha do aumento do risco fiscal no segundo mandato de Dilma Rousseff (que foi impedida em 2016).
Acredito que o dólar representa uma importante proteção, utilizada nos mais diferentes mercados, contra incertezas (internas ou externas). Vários ativos como commodities, ouro e até criptomoedas são precificadas em dólar. A moeda norte-americana é a “mãe de todos os hedges” – e nos mercados de países emergentes, em que o fluxo de entrada e saída de capital é muito importante, seu uso é ainda mais intenso.
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Essa estratégia vem acompanhando nossos investimentos ano a ano. Em 2017, começamos nossa gestão na Trígono em dezembro, já de olho nas eleições de 2018. A estratégia defensiva era a mesma. Eleito Jair Bolsonaro, entramos em 2019 com dúvidas acerca da condução das reformas à frente. Nossa estratégia se manteve. Começa 2020, há uma expectativa de forte fluxo de investidores estrangeiros no Brasil – e no Carnaval chega a pandemia. Com a Covid-19 se espalhando para todos os cantos do planeta, concentramos ainda mais nossas carteiras em empresas com sólida estrutura de capital.
A desvalorização de 25% do real em 2020 mostrou o acerto dessa estratégia, contribuindo para os resultados das empresas investidas com receitas em moeda estrangeira.
Atravessamos 2021 sem mudanças – porque a pandemia atingiu níveis altíssimos. Em 2022, além da guerra entre Rússia e Ucrânia, a inflação disparou na Europa e nos EUA. Os bancos centrais subiram as taxas de juros para tentar controlar a inflação, mas um novo vilão assombrou a Europa: o custo da energia elétrica. Americanos e europeus parecem fadados a uma recessão. No Brasil, um novo ciclo eleitoral impõe cautela – e nossa estratégia permaneceu inalterada. No mundo as incertezas todas permanecem – e no Brasil, são ainda maiores.
Os olhos também estão voltados à China: como vai se comportar, que efeitos os lockdowns terão, a velocidade do crescimento. Há quem acredite que a política de tolerância zero à Covid-19 deve ser flexibilizada. Acredito que a China poderá surpreender com seu crescimento e política de descarbonização levada a cabo. A dinâmica econômica nos EUA e China ditará o rumo do crescimento da economia global, preços das commodities e comércio internacional.
O mercado local dependerá de como será a política econômica do próximo governo. A economia vem se comportando relativamente bem. O PIB deve crescer próximos a 3% neste ano, a inflação deve registrar queda e seguir assim no futuro próximo (e mesmo no médio prazo).
A independência do BC será determinante para a gestão da política monetária. Na chave da responsabilidade fiscal, o novo governo já começa sob pressão das próprias promessas eleitorais. Acomodar despesas extraordinárias dentro do Orçamento para o próximo ano também será um grande desafio.
Os investidores estrangeiros parecem estar com mais apetite ao risco Brasil e confiantes no presidente eleito. Essa simpatia, no entanto, não encontrou eco nos investidores locais, e esse voto de confiança vindo de fora não necessariamente será seguido aqui. A composição dos ministérios e compromissos quanto à responsabilidade fiscal serão fundamentais. Isso posto, mantemos, por ora, nossa estratégia. Fora essas incertezas, as taxas de juros elevadas no Brasil também inibem uma maior alocação em renda variável.
A conjuntura global é favorável ao Brasil em diversos aspectos, e aqui o setor elétrico na geração e autoprodução deverá ter apoio do governo, seguindo promessas de incentivos à geração de energia limpa e renovável e barateamento de custos, favorecendo ainda mais empresas cujos negócios estejam relacionados ao consumo de energia (produtos como alumínio, ferroligas e cloro-soda), e energia limpa e renovável, da qual o Brasil é campeão como produtor, embora os imposto e encargos regulatórios reduzem boa parte destas vantagens, dividindo estes ganhos com o governo e subsídios.
E se o real se fortalecer? Ótimo. Isso significa que tudo estará bem, com fluxo de capital estrangeiro ingressado no Brasil, com investimentos diretos e também nas empresas listadas na bolsa. Como gestores, acompanhamos a dinâmica da economia. Se necessário, reposicionamos as carteiras. Mas não somos apostadores e nem adivinhos: cumpre aguardar.
Fonte: IG ECONOMIA