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ALMT - Posto TRE - Abril

AMAZÔNIA

Militares fracassam em missão de conter desmatamento

REUTERS

Dois anos atrás, a Amazônia pegava fogo, devastada por incendiários e madeireiros. O presidente Jair Bolsonaro declarou guerra.

O avião C-130 da Força Aérea atirou água e um agente químico retardante de chamas sobre a selva. A ofensiva, em agosto de 2019, deu início a uma mobilização militar sem precedentes para conter incêndios na maior floresta tropical do mundo. Ela foi batizada de Operação Verde Brasil.

“Eu autorizei uma operação para manter a lei e a ordem”, disse Bolsonaro, o presidente de extrema-direita e ex-paraquedista, anunciando a operação. “As Forças Armadas prontamente tomaram as providencias”, acrescentou, em um outro discurso.

No entanto, após 19 meses infrutíferos, o Exército não conseguiu proteger a Amazônia, uma selva maior do que a Europa Ocidental que os cientistas consideram um escudo crucial contra as mudanças climáticas.

O desmatamento ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi o maior em 12 anos. Áreas equivalentes a sete vezes o tamanho de Londres foram destruídas.

E a Operação Verde Brasil acenou a bandeira branca.

No final do ano passado, o vice-presidente Hamilton Mourão, general aposentado do Exército escolhido por Bolsonaro para comandar o Conselho da Amazônia Legal, anunciou que os esforços para proteger a floresta tropical seriam revertidos em abril para o Ibama, a agência civil de proteção ambiental que havia sido suplantada pela mobilização militar, apesar de seu histórico de sucesso no combate ao desmatamento.

A movimentação de tropas faz parte da caixa de ferramentas de Bolsonaro. Em mais de dois anos na Presidência, ele recorreu aos soldados para preencher tudo, de ministérios a cargos executivos em empresas estatais e até para a resposta problemática do Brasil à pandemia de coronavírus.

O fracasso, segundo agentes ambientais que acompanharam os soldados durante a ação militar, era praticamente inevitável. O Exército, argumentam, não tem nem as ferramentas, nem a mentalidade ou a estrutura para rastrear e caçar os responsáveis pelo desmatamento. O seu objetivo principal, a defesa da nação, tem poucas semelhanças com a experiência policial e o know-how florestal necessários nas profundezas da selva, dizem.

Além disso, muitos no Exército brasileiro, assim como o próprio Bolsonaro, historicamente defenderam o desenvolvimento e a exploração econômica da Amazônia.

Eles pregam sobre o potencial da floresta tropical como carro-chefe do crescimento econômico e argumentam que o desenvolvimento da região pode ajudar a impedir que ambiciosas potências estrangeiras utilizem sua terra, água e minerais antes do Brasil. No começo do governo, outro ex-general e assessor sênior de Bolsonaro defendeu o represamento de um afluente do Amazonas e a extensão de um corredor de exportação de grãos até o Suriname. O projeto quintuplicaria a população do norte da Amazônia, disse.

Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, relacionou as opiniões expostas por Bolsonaro às da ditadura militar que buscou povoar a Amazônia cinco décadas atrás.

“O atual governo brasileiro, ele de fato afirma uma mentalidade da década de 1970 em relação ao uso de recursos naturais”, disse Teixeira. “Você tem que ocupar, você tem que desmatar. Ele acha que isso é desenvolvimento.”

Assessores de Bolsonaro e da vice-presidência direcionaram as perguntas enviadas pela Reuters para esta reportagem ao Ministério da Defesa. O vice-almirante Carlos Chagas, autoridade ministerial autorizada a falar sobre a ação militar, disse à Reuters que a missão para repelir quem estava destruindo a selva foi um sucesso.

A destruição nos últimos meses foi ligeiramente menor do que no ano anterior, embora ainda perto de níveis históricos para uma época do ano em que a extração de madeira tradicionalmente diminui.

A Operação Verde Brasil é ao mesmo tempo a defesa do meio ambiente e da integridade territorial do país, disse o militar.

Agentes ambientais são adequados para a aplicação rotineira de leis florestais, explicou, mas a destruição e a ilegalidade pioraram tanto que o peso e o poder unificador das Forças Armadas se tornou necessário.

“Soberania significa assegurar que o governo saiba exatamente o que está acontecendo em seu território”, disse Chagas, em uma entrevista. “A presença do Exército”, acrescentou, “sempre foi um fator unificador, um fator que mantém o país inteiro.”

O ministério recusou os pedidos da Reuters ao longo do último ano para acompanhar as tropas durante a ação militar. Para esta reportagem, foram entrevistadas dúzias de autoridades governamentais, agentes do Ibama e outros próximos à operação.

Seus relatos inéditos, com a visão mais detalhada da missão até agora, retratam um Exército despreparado e relutante para uma tarefa considerada cada vez mais urgente por cientistas, ambientalistas e outros governos ao redor do mundo.

Agentes ambientais disseram à Reuters que a mobilização pesada de tropas retardou as operações e reduziu a sua capacidade de pegar os malfeitores. Em vez de operações rápidas com alguns veículos 4×4 e um punhado de agentes treinados, as ações com os militares exigiam grandes comboios com veículos lentos e pesados.

Os soldados, acrescentaram os agentes, rejeitaram muitas das ideias e táticas que eles geralmente usavam para parar o desmatamento, como destruir equipamentos de extração de madeira.

Para o povo do maior e mais populoso país da América Latina, a operação ilustra os limites da abordagem à administração pública de Bolsonaro que se baseia em falar grosso.

Apesar de promessas para restaurar a lei, a ordem e a prosperidade, o Brasil continua atormentado por uma economia fraca, altas taxas de crimes violentos e o segundo maior número de mortes por Covid-19 no mundo. A ação na Amazônia, dizem seus críticos, é um dos muitos exemplos em que a retórica bombástica de Bolsonaro obscurece a falta de uma solução de verdade.

“É forte a imagem que você tem do Exército brasileiro tomando conta da Amazônia”, disse a também ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, cujo sucesso em combater o desmatamento no começo do século a tornou um ícone do movimento ambiental mundial. “Na prática, está enfraquecendo a fiscalização.”

Uma operação em julho do ano passado, que incluiu inspeções surpresas a madeireiras no Pará serve como exemplo. A extração de madeira é legal em algumas partes da floresta tropical. Uma rede de regulamentações define quais árvores podem ser derrubadas e onde. Mas garantir que elas sejam cumpridas é complicado. Madeireiros e operadores de serraria frequentemente tentam disfarçar madeiras não autorizadas como se fossem legais.

Os soldados, disse um agente do Ibama à Reuters, não sabiam o que estavam procurando. Durante uma inspeção, operadores de serraria tentaram passar pilhas de castanheira, uma espécie restrita, por jequitibá, uma madeira que pode ser cortada legalmente. “Eu poderia identificar, um soldado não consegue”, disse o agente. “Para isso, você tem que fazer um curso, tem que ter experiência prática.”

O agente, como muitas outras autoridades ambientais que falaram com a Reuters, pediu para não ser identificado. Seu relato foi similar ao de outros nove agentes do Ibama e do ICMBio, uma agência irmã que protege os unidades de conservação do Brasil. Todos os dez agentes disseram que as Forças Armadas atrapalharam mais do que ajudaram o seu trabalho.

Chagas, a autoridade do Ministério da Defesa, admitiu que os soldados realmente podem não ter o conhecimento necessário para a fiscalização ambiental. “Eles receberam essa tarefa”, disse, “e estão fazendo o melhor que podem.”

O ministério enfatiza o alto valor de multas cobradas durante a operação como um indicador de sucesso. Desde maio do ano passado, segundo o ministério, várias agências agindo dentro da operação impuseram multas que somam cerca de 3,3 bilhões de reais. As agências incluem o Ibama, o ICMBio e outras reguladoras locais, mas não o próprio Exército porque ele não tem autoridade para multar.

Não há números comparáveis de multas anteriores porque as agências não têm o costume de agrupar as punições. O Ministério da Defesa se recusou a detalhar a contagem. O Ibama, de longe a maior das agências ambientais e a que normalmente aplica a maior parte das multas na Amazônia, impôs 1,6 bilhão de reais em multas relacionadas à flora na região durante o período –menos da metade do total que o ministério alega ter sido aplicado, seguindo dados abertos do órgão.

Reguladores com experiência na região questionam os números dos militares.

Como receber efetivamente os valores das multas é notoriamente difícil, segundo eles, o governo provavelmente obterá apenas uma fração das penalidades que está considerando.

A contagem do ministério também inclui multas da Polícia Rodoviária Federal, mais conhecida por punir excesso de velocidade do que pelo combate ao desmatamento, mesmo que as patrulhas uma vez ou outra parem caminhões transportando madeiras ilegais.

“Eles estão contabilizando nesse valor as multas aplicadas por qualquer um, mesmo se os militares não estivessem juntos”, disse Suely Araújo, ex-presidente do Ibama. “Por isso que está alto.”

Também alto, segundo críticos, é o custo da Operação Verde Brasil.

Segundo o Ministério da Defesa, o governo pagou um total de cerca 530 milhões de reais pela mobilização militar. Isso seria oito vezes o modesto orçamento anual do Ibama de 64,5 milhões de reais para combater crimes ambientais. Acontecendo após cortes constantes ao orçamento do Ibama durante o governo Bolsonaro, agentes ambientais dizem que a operação desperdiçou recursos.

“Pega um agente de fiscalização, dois agentes, coloco 20 homens do Exército, a ideia parece impressionante”, disse outro agente do Ibama. “Só que esses 20 homens do Exército não têm função nenhuma no mato.”

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  • 24 de março de 2021 às 18:12:22