O feminismo é uma antiga demanda por justiça, simplificando é isso. Mas, não vou explicar o que é feminismo já que existem muitas autoras que escrevem sobre o tema com muito mais propriedade do que eu posso alcançar. Mas, posso contar um pouco sobre meu aprendizado sobre as mulheres, o que começou na minha família com o senso cristão de justiça.
Minha mãe, católica, migrante do interior para uma capital, com pouca escolarização e muita sabedoria, dividia as tarefas domésticas entre os filhos sem distinção de gênero. Ninguém me disse que aquilo era feminismo, nem minha mãe achava que era, achava apenas justo. Era importante para meus pais que aprendêssemos a ter autonomia, isso incluía saber cozinhar, lavar roupa ou pegar ônibus sozinho.
Ao conhecer outras famílias me causou surpresa ver que, em várias, o marido não servia o próprio prato, os meninos não lavavam louça, muito menos lavavam roupa. Entendi cedo que o mundo era desigual para as mulheres desde pequenas. Antes mesmo disso, percebi que gosto da presença feminina, do cheiro, da pele, dos quartos femininos. Um dos motivos do meu desinteresse por futebol é a predominância masculina nas rodas de conversa ou nos estádios. Muito do que dizem ser “coisa de homem” não é pra mim.
Cresci, namorei e casei. Essa não era uma meta de vida e muita coisa aconteceu entre cada vírgula das orações anteriores, mas vamos ao que eu prometi no título. Quando eu e ela nos unimos, fizemos alguns acordos, um deles é o apoio ao crescimento mútuo. Minha companheira é professora e pesquisou textos feministas no mestrado em linguagem. Não por militância, já que lhe falta paciência para o constante debate político, mas pelo desafio de entender os protestos contra o tema da redação do Enem: “A persistência da violência contra a mulher”.
Estudar essa reação a fez ter contato, tanto com os discursos misóginos de quem criticou a proposta da redação do Enem quanto com os textos basilares do feminismo do século XX. Ela me apresentou as ideias e discutimos essas percepções enquanto fazíamos almoço, andávamos entre as prateleiras de supermercados ou cuidávamos de gatos e cachorros. Aprender sobre feminismo me exigiu a leitura de conceitos que eu desconhecia, me tornou mais crítico ao observar situações de desigualdade, em que nem havia mulheres envolvidas.
Aprendi que “gênero” é a palavra adequada para diferenciar homem, mulher (ou qualquer outra definição LGBT) ao invés de “sexo”. É mais adequada porque não é o órgão sexual (sexo), mas o papel desempenhado na sociedade que tem determinado quão aceitável é uma pessoa nesse meio. Uma mulher que é xingada no trânsito está desafiando as convenções da sociedade sobre o “lugar da mulher”. Não é por ter um órgão sexual feminino que ela vai ouvir de um motorista que “só podia ser mulher”, é por estar num espaço que o outro motorista considera não ser para ela.
Aprendemos juntos que amar não é possuir. O que você tem num casamento é uma relação afetiva, respeito, admiração pela pessoa, mas nunca a pessoa. Quando o parceiro pensa que tem “a pessoa”, se torna possível acreditar que essa coisa não tem mais sentido de existir se não for dele.
Percebemos o quanto é naturalizada a relação fora do casamento para os homens, justamente porque na ideologia machista predominante, o homem pertence ao mundo, mas a mulher pertence ao marido.
A definição prévia do que é coisa de homem e o que é de mulher é a mais pura “ideologia de gênero”. Ideologia é a percepção de normalidade sobre aspectos que só são como são, porque crescemos num mar de padrões dos quais não conseguimos sair para enxergar a superfície. Só conseguimos enxergar com uma ferramenta antiga e sofisticada chamada Filosofia, com a qual tentamos ver como novo algo que já olhamos sem entender.
Uma pesquisa recente do Datafolha mostrou que 52% das mulheres consideram que a igualdade salarial precisa ser uma preocupação do Estado. Várias das pautas feministas são demandas de uma parcela importante da sociedade, qualquer governante, de qualquer esfera do governo precisa estar atento a isso. É importante dizer que não declaro ser um homem feminista, apesar de apoiar a maior parte das posições feministas. Nenhuma dessas posições me diminui como pessoa, embora eu reconheça que meu espaço de “macho” seja menor nessa busca por igualdade. É menor porque o espaço do macho precisa mesmo ser menor, pra que o mundo seja mais justo.
Augusto Pereira é jornalista.